Capítulo 19 - Ela é brilhante.

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𝐿𝑢𝑐𝑐𝑎𝑠 𝑃𝑂𝑉:

05/08/2022 - 11:45h - Higienópolis. - Prédio da Go Talent.

Por incrível que pareça, essa noite eu dormi bem. Marina fez um jantar divino e umas goladas de vinho me fizeram dormir como um recém-nascido.
Como Raya já tinha ido bem no dia anterior, não me preocupei em chegar cedo na empresa. Cheguei ás nove, cumprimentei a todos, e fui direto para minha sala. Raya entrou em seguida, me entregou a lista de afazeres e eu pedi para que ela terminasse de revizar uns papéis para mim.
Agora, ás 11:45h ela bate novamente em minha porta e eu peço para que entre.
- Vamos? - Ela entra e coloca seu cabelo para trás dos ombros, ela não tinha o costume de ter a postura ereta, mas ali ela estava.
Eu a olhei por uns segundos.
- Vamos, para onde mesmo? - Eu tinha um péssimo hábito de ficar olhando paralisado para ela.
- Para o almoço com a Cristiane, ué.
- Ow, é claro, o almoço. - Eu balanço a cabeça me recordando dos afazeres de hoje.
- O restaurante é na lapa, então vamos logo para não nos atrasar.
- A reunião não é 12:30?
- Sim, mas o trânsito de São Paulo é insuportável, e tem o fato de uber cancelar o tempo todo sem motivos.
- Uber? - Eu ri.
- É, ué. - Ela não entende. - Vamos de ônibus?? Ai que a gente se atrasa mesmo. - Eu adorava o jeito que ela falava, esse jeito espontâneo e engraçado que ela tinha.
- Não, Raya. - Eu ri novamente. - Vamos no meu carro. - Digo calmo e levanto a chave do meu carro.
- Ah, é verdade, você dirige. - Ela parece então se recordar.
- Sim, mas concordo que devemos ir logo.
- No seu carro? - Ela pergunta quase que incomodada.
- Sim, não seria a primeira vez que você vai no passageiro do meu carro. - Digo com um riso fraco.
Os olhos dela se cerraram ao meu. Ela estava me fuzilando ali, eu senti tanto incômodo, quanto quando minha mãe me olhava assim na infância.
Ela coçou a garganta e respirou fundo.
- Eu vou pegar minha mochila e a gente vai.
- Pra que vai levar sua mochila?
- Porque preciso. - Ela diz com desdém e sai da minha sala ousando bater a porta.
Garota ousada, e eu pensando que seu problema com hierarquias estava sendo resolvido. Ela tem muita, muita sorte da minha simpatia com ela.
Eu sai em seguida e a vi colocando a mochila nas costas.
- Você parece uma adolescente. - Eu digo rindo fraco.
Ela me olha e dá de ombros.
- Uma adolescente que trabalha como secretária e usa essa saia ridícula como o patriarcado gosta? - Ela diz com deboche.
- Ow, ok. Senhora anti-patriacardo.
- Senhorita. - Ela me corrige de imediato. - E eu sou "anti" muitas coisas, tá. - Ela me olhou fixamente. - Sabe que só tô aqui pela grana.
- Isso não é uma coisa muito legal para se dizer para o seu chefe, Raya.
- Ow.. me desculpa. - Ela usa deboche na minha cara. - Farei o que o chefe mandar. - Ela coloca as mãos na testa como os soldados.
- Isso é ridículo, Raya. - Ela ri e da de ombros.
- Vamos logo. - Ela toma caminho apertando o botão do elevador.

Por que eu deixava ela me tratar assim? Quão ousada ou mal educada ela poderia ser? Por que eu gostava disso quando vinha dela? Eu quero moldar ela, quero que ela se comporte como deve na sociedade, e ela simplesmente mastiga tudo e cospe de volta na minha cara!

Nós entramos no elevador em silêncio e em silêncio chegamos a garagem.
- Qual o carro que o riquinho trouxe hoje? - Ela pergunta com um sorrisinho, ela adorava debochar de mim.
- Para sua infelicidade, Raya.. eu trouxe novamente a BMW preta.
- Ah, o carro que você me atropelou.
- Eu não te atropelei! - Eu deixei escapar um pouco explosivo.
- Não só atropelou, como foi embora me deixando toda ralada! - Ela me peita, literalmente frente a mim, usando o mesmo tom explosivo que eu.
- Me dê paciência, Deus, me dê paciência! - Eu caminho mais rápido até chegar em meu carro.
Destravo-o e abro a porta do passageiro esperando ela.
- Entra, por favor. - Tento engolir o estresse.
- Eu ainda tenho mãos. - Ela levanta as duas mãos e as balança.
- Santo Deus, Raya. Entra logo nesse carro! - Eu falei alto e me assustei comigo mesmo por estar falando naquele tom.
Ela por sua vez, me olhou no fundos dos olhos, abriu a porta dos bancos de trás, entrou e bateu a mesma.
Ela me desobedeceu na minha cara, ela me enfretou, no meu carro!
Eu respirei bem fundo, fechei a porta do passageiro e dei a volta entrando no banco do motorista em seguida.
Olhei no refletor e ela estava com o celular nas mãos, eu respirei fundo, liguei o carro, e dei partida. O restante do caminho foi em completo silêncio.

Não era para acontecer assim...Onde histórias criam vida. Descubra agora