Capítulo 1

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Eu não passei.

Essa era a última faculdade que eu tinha a esperança de entrar, mas foi outra que não consegui passar.

– A gente tem que ver o que vai fazer agora. – Minha mãe diz e eu seguro para não desabar de chorar.

Meus pais estão se divorciando e não posso dizer que foi uma coisa inusitada, sinceramente já esperava. Não por que eles brigavam muito, na verdade nunca ouvi uma discussão deles, mas a conexão deles parecia ter acabado, ficou tudo muito estranho e monótono, e se tem uma coisa que ninguém daqui de casa gosta é da mesmice.

Assim como meu relacionamento com Ayla. Nós nos conhecemos na escola, no último ano, nos aproximamos porque minha amiga ficava com uma amiga dela e aí começamos a ficar também, mas tivemos um desentendimento feio semana passada e desde então não estamos nos falando.

– Vou conversar com seu pai e ver o que fazemos. – Claro, porque comigo ninguém quer conversar.

– Posso continuar trabalhando de qualquer forma. – Trabalho a tarde em um sebo perto de casa, eu gosto bastante, o salário não é muito, mas como nunca precisei me sustentar, sempre foi o suficiente.

– Claro. – Ela diz naquele tom como se eu fosse um horror para o planeta.

No dia seguinte vou para o trabalho e dou uma volta no centro antes de voltar para casa. Quando chego, meu pai está na sala junto com minha mãe, o que é uma cena estranha já que ele não pisa aqui desde que começaram com esse negócio de divorcio.

– Precisamos conversar. – Ele diz sério, o que me preocupa.

– Senta filha. – Minha mãe diz cautelosa, o que é bem estranho.

– O que aconteceu?

– Sua avó não está muito bem. – Só tenho uma avó, então sei de primeira de quem se trata.

– O que ela tem? – Nunca fui muito próxima da minha avó, por ela morar longe então não me surpreendo por não saber de nada, mas ainda sim fico preocupada.

– Ela anda fraca e tendo dores, estamos preocupados.

– Mas ela não foi ao médico para ver o que é? – Não é normal uma pessoa ter dores, ainda mais com a idade dela.

– Ela não quis ir. – Meu pai fala dessa vez. – Estávamos pensando, que você poderia passar um tempo com ela, lá em Boirapera.

– Achamos que vai ser bom para você viver um pouco longe de tudo e focar um pouco mais em si mesma. – Então é isso. Eles querem me despachar para uma cidade no meio do nada.

– Se isso é porque eu não passei na faculdade, eu vou estudar e tentar de novo ano que vem, desculpa.

– Filha, não é sobre isso. Sua avó precisa de companhia, e você parece ser a melhor opção. Pode estudar lá e não precisa trabalhar mais. – Largar tudo que eu conheço como vida para ir para um lugar que fui três vezes na vida. Não sei se é uma boa ideia. – Sua avó ficou feliz quando contamos para ela.

– Então vocês já decidiram tudo, só esqueceram de me avisar? – Digo irritada, como eles podem fazer isso? Eu não sou uma criança, mas também não sou um peso morto que precisa ser despachado o mais rápido possível.

– Filha, não é bem assim. – Minha mãe diz, agora estou entendendo porque ela está toda calma.

– E como é, mãe?

– Nós só queremos o seu melhor, e da sua avó também. Não vê como isso pode ser bom para você?

– Quando eu vou? – Digo soltando uma respiração e desistindo, eu sei que no fim eu vou de qualquer jeito, então é melhor poupar energia de todos. Eles se olham por um momento antes do meu pai se pronunciar – Estávamos pensando na semana que vem, para dar tempo de arrumar tudo e resolver as coisas no seu trabalho. – Então eu tenho uma semana para me despedir de tudo.

– Certo. Vou precisar de caixas para levar tudo. Vocês estão pensando em me levar ou eu vou de ônibus? Porque não sei como levar as coisas.

– A gente vai te levar, aproveitamos e vemos a sua avó. Fico feliz que aceitou assim. – Minha mãe diz e eu só murmuro um 'uhum' antes de subir para o meu quarto, alegando estar muito cansada, o que não deixa de ser verdade.

Fico lendo até o sono vir, mas ele não vem. Olho no relógio e são meia-noite, decido fazer uma meditação para me acalmar porque todo esse negócio de me mudar me deixou muito ansiosa.

A meditação não deu certo então, resolvi assistir uma série e quando percebo já está tudo claro, é de manhã. Decido ir à padaria comprar alguma coisa diferente para comer.

– Bom dia, filha. Comprou café? – Minha mãe pergunta entrando na cozinha.

– Bom dia, sim, passei na padaria.

– Fico feliz que esteja bem. – Não estou bem. Não dormi nada a noite e minha perna não para de tremer. – Vai ser bom passar um tempo longe da cidade grande. Respirar ar de verdade, viver com coisas mais simples, se eu pudesse iria também. – Mentirosa. Primeiro, ela não gosta de mato, nem dos bichos, por isso quase nunca íamos para lá. Segundo, ela não vive sem um shopping no fim de semana.

– Pode ir me visitar quando quiser. – Digo sorrindo. Pensando bem, vai ser bom passar um tempo longe do caos que são ela e meu pai.

– Aqui vai ficar tão vazio, sem seu pai, sem você. – Não posso ser tão ruim, sei que está sendo difícil para ela.

– Ah mãe, não se preocupe, vai ficar tudo bem. Pode me ligar sempre que quiser, se vou atender já é outra história. – Ela ri e me abraça.

Longe da cidadeWhere stories live. Discover now