Julie

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Giovanna levou outra colherada de sorvete a boca. Ofegando de alívio, disse:

— Estou te dizendo, Julie. Esse é o melhor pistache que já provei!

— Eca. Prefiro meu chocolate. — Fiz bico, usurpando um pedaço do sorvete.

Osaka tem uma das melhores sorveterias que do Japão. A margem de um dos principais rios da cidade, a rua badalada de turistas para os passeios de barco e o sol a pino, sentamos abaixo de um toldo, na área externa da Toque de Nuvem. Um estabelecimento elegante e minimalista que servia as mais variadas sobremesas geladas. Gio e eu sempre pedimos duas bolas. Ela, pistache com cerejeira e eu chocolate com amêndoas e creme azul com pedacinhos de maçã verde.

Saboreio minha casquinha, sabendo o sacrifício que foi para conseguí-la.

Giovanna consegue ser excelente em muitas habilidades, menos aprender uma língua nova. Embora morando a mais de quatro meses no Japão, lendo e escrevendo bem o idioma, ela ainda tem dificuldades na fala.

Passamos meia hora no caixa só para escolher e pedir os sabores. O atendente já tinha perdido a paciência, os clientes pestanejavam e até o gerente apareceu. Eu me ofereci para fazer o pedido, mas ela não permitiu, mesmo gaguejando, corada de nervosismo. Disse que precisava treinar, o que é meio estranho já que ela sai para trabalhar todos os dias. Como consegue se comunicar com seus colegas?

Quando enfim falou uma frase audível e pagou pela comida, desviou do caixa, as pernas tremendo igual duas pás de batedeira.

Assim que pegamos nossos pedidos, ela culpou sua época de gaga pelo vexame. Fiz uma nota mental disso, imaginando uma adolescente gaga e nerd que ama RPG. Uma receita perfeita para bullying, ainda mais sendo bonita do jeito que é.

— Sabe, Gio, depois daqui... — Me inclinei, voltando a realidade, e fiz olhos pidões. - Poderíamos ir ao shopping fazer algumas compras.

— Nem pensar, mocinha. -- Gesticulou com a colher apontada pra mim. — Eu sei o que você está tentando fazer e você não me convencer do contrário.

Eu recuei, fingindo a sonsa.

— O que? Claro que não! — Meus olhos desviaram dos seus, procurando qualquer outro ponto fixo. — O que você quer dizer com isso?

— Julie, eu vou na academia falar com seu treinador. Fim de papo.

Eu ainda consigo ficar surpresa com a facilidade que Gio tem de sair da personalidade de mulher tímida para uma mãe coruja.

— Se isso for pior do que estou pensando, vou te matricular em outra academia. — Decretou.

Eu fechei a boca, acuada. Não basta estar morrendo de vergonha por minha madrasta aparecer lá como se eu fosse uma criança, agora estou com medo de que suas ameaças se tornem verdade.

Gio nunca foi de se intrometer nos meus problemas. Ela os relegava ao meu pai. Sua parte eram apenas os conselhos e a diversão. Só que desde o acidente, ela não sabe como assumir o lado dele. Havia um cuidado exagerado, quase como uma trava entre nós duas. Um vazio que não sabemos como preencher ou agir.

Desde então, evitei atrair problemas. Evitei contar a ela coisas como o que aconteceu na escola. O fardamento esquecido, o choro e a conversa com Nero (o que foi totalmente contra o seu conselho de evitar ficar sozinha com ele).

Eu não quero que ela saiba os percalços dessa primeira semana. Apesar de ter sido ótima, não foi do jeito que eu esperava. A vergonha, o sentimento de ser uma intrusa, as brigas com Nero e a impressão de que não vou me dar bem com Hajimi cutucam meu peito como milhares de garfos. E eu sei que contar isso para ela não vai ajudar. Só vai preocupá-la mais.

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⏰ Last updated: Mar 08, 2023 ⏰

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