Eu ouvi as rajadas de vento castigando as vidraças das janelas. O cheiro úmido e típico de terra molhada invadiu meu nariz como um antídoto para toda e qualquer dor recente. Os pingos gotejavam com violência no vidro e no telhado, enchendo o ambiente abafado com paz interior.
Eu amo a chuva, amo o seu cheiro e amo o som que ela produz. Parece quase como uma música, uma sinfonia da natureza. Foi ela quem me reconfortou quando eu perdi tudo. Quando minha mãe foi embora e meus olhos pararam de funcionar. Ouvi-la me distraía do que machucava.
É a única melodia que me permito ouvir.
— Eu odeio você.
Parando no meio do parágrafo, ergui a cabeça, curioso — e um pouco abalado também — pela confissão.
Com a voz embargada, chorosa, Batista falou de um canto da sala que julguei ser a saída. Ela parecia frágil. Vulnerável.
— O que? — Virei. — Está falando comigo?
— N-não, Nero. — Ruka Yoshioka, uma garota atrevida, falou. — Ela está falando da chuva.
— Ela odeia a chuva? —Debochei.
Não tem como odiar algo assim. É natural. É clima. Está fora de nosso controle.
— Não, Ruka. Eu estou falando dele mesmo. — Vociferou. — Nós já nos conhecíamos, você sabia? Esse machista arrogante.
Eu apertei os punhos e trinquei os dentes, cada poro meu se controlando para não explodir de raiva.
— O que foi que você disse?! — Agarrei o tampo da mesa. — Quem você pensa que é pra me acusar assim?! Você mal me conhece!
— Eu o surrei, você acredita nisso?!
Ela me ignorou e minha fúria ganhou níveis tão astronômicos que estou pedindo a qualquer divindade desse planeta que não me deixe estragar meu futuro pulando em cima dela.
— Eu fui pego desprevenido! — Gritei, saltando da cadeira.
Então silenciaram-se, como dois esquilos atentos ao som repentino de algum predador.
Por longos instantes, não escutei nada além da penumbre quietude da sala, nem mesmo passos. Devo tê-las assustado, pois o único som era o do gotejamento lá fora.
Respirando fundo, voltei a me sentar, devagar. Controlei a respiração, contando de 1 a 20, depois de novo e de novo e de novo. Por fim, baixei a cabeça, a consciência pesada, envergonhado. Não era preciso esse grito. Parece que estou desesperado para afirmar uma coisa que não aconteceu.
— Eu posso ficar com você, Batista. — Yoshioka balbuciou, parecendo apavorada. — E peço para Yume-chan trazer sua mochila quando subir.
— Não. — Ela disse, em um fio de voz. — Obrigada, Ruka, mas não quero que se prejudique por minha causa.
— Eu posso avisar a professora.
— Não. Está tudo bem. — Ela fungou. — Eu vou estudar.
Poucos segundos depois e sei que ela conseguiu convencê-la, pois ouço Yoshioka marchando para fora da sala. Batista continuava soluçando quando arrastou uma cadeira e se sentou. Seus gemidos preenchiam a sala e batuquei a coxa, me sentindo cada vez pior.
Arrependido, elevei a cabeça.
— Desculpa. — Pedi, um gosto amargo na boca.
Seu choro cessou por um instante, mas retomou com mais força.
— Para de chorar. — Supliquei, mais compadecido por ela do que irritado pela interrupção da leitura. — Por favor...
Ela tampou o rosto, os soluços saindo engasgados e abafados.
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Clube do Boxe
RomanceNero sofre de uma doença hereditária degenerativa que o fez se fechar para o mundo. Totalmente cego, ele vive com seu pai, Chiba Sakurai, campeão nacional de pugilismo, que desde cedo o treinou para seguir seus passos no boxe e a não depender de out...