Não ouvi o que ele disse. Mas ouvi a risada dela.

Comecei a imaginar qual era a história daqueles dois. Eles estavam juntos já há dois anos e meio, e tinham um apartamento pequeno, mas confortável, perto do parque Ibirapuera. Ele gostava de fazer piada sobre a forma como ela agiu no natal passado, e ela usa um anel, mas mesmo assim fala para as outras pessoas que eles não estão noivos.

Talvez eles tenham se conhecido na aula de contabilidade, fazendo cálculos juntos e se ajudando a entender fórmulas. Se apaixonaram depois de uma noite inteira estudando o número pi, quando resolveram deixar a matemática de lado e conhecer um ao outro de verdade. desde então nunca mais se separaram. Ele provavelmente deve contar para os amigos que gosta dela porque ela é bem mais inteligente que ele.

E eu estou feliz por eles. A mulher o olhou nos olhos e com delicadeza passou os dedos pelos cabelos dele, se aproximando até o ponto que seus narizes se roçaram. Desviei o olhar. Eles estavam em um mundo que não me pertencia, e eu não queria me sentir como uma intrusa.

Peguei um pano, ajeitei meu avental marrom, e fui limpar algumas mesas para me distrair. Sorri gentilmente para uma garotinha que estava ali com a mãe, a boca toda suja de grãos de açúcar e os cabelos dourados presos em dois rabinhos tortos, provavelmente feitos por ela mesma. Ela sorriu de volta para mim, e em seguida voltou a olhar para a mulher a sua frente, que sorriu e perguntou como foi o dia dela na escola.

Deslizei pelo lugar silenciosamente, passando o pano nas mesas de madeira e fazendo o meu máximo para passar despercebida. O sininho da porta tocou, e notei que um casal de velhinhos se aproximou do balcão, apontando para a vitrine cheia de diversos tipos de salgados.

Voltei para trás do balcão e andei até o ponto onde eles estavam, esboçando o meu melhor sorriso. "Boa tarde! Como posso ajudá-los?"

O senhor de cabelos brancos sorriu para mim, o rosto gentil, cheio de rugas e traços deixados pelo passar dos anos. "Que jovem educada." Ele comentou. "Você poderia por favor fazer um café expresso para a minha esposa?"

"Mas é claro" Concordei, e já peguei uma xícara, ligando a máquina de café. "E para o senhor?"

"Vou querer um suco de laranja natural, e um desses belos croissants"

Coloquei água na máquina e a pequena xícara embaixo da saída do líquido fumegante. Em seguida peguei um croissant e coloquei em um pratinho em frente ao casal.

"O suco com ou sem açúcar, senhor?" Perguntei.

"Com açúcar, mocinha. Sei que não deveria, mas um pouco de doce não mata ninguém. Só não coloque na frente da minha mulher! Se ela ver que estou ingerindo açúcar mesmo depois do médico ter dito para eu evitar, vai me matar!"

Quando o velhinho disse isso, meu olhar voou para a senhora que estava ao seu lado. Ela parecia meio aérea, olhando em volta e aguardando o café dela ficar pronto. Se ele não queria que ela soubesse sobre o açúcar, porquê disse na frente dela?

"Oh, não se preocupe." O senhor disse para mim com um sorriso travesso e o tom divertido. Em seguida se inclinou um pouco sob o balcão, como se fosse me contar um segredo. Me inclinei também, por reflexo. "Ela é surda" Explicou.

"Ah" Assenti com a cabeça. "Pode deixar que vou colocar açúcar escondida para que ela não perceba."

Eu definitivamente não ia colocar açúcar.

"Obrigado mocinha" Ele sorriu e em seguida apontou para uma mesa qualquer. "Estaremos sentados bem ali."

"Okay!" Eu disse e eles se foram. Comecei a espremer laranjas. Quando eu estava na última, a mesma velhinha voltou até o balcão e me entregou um pedaço de papel em silêncio. Seu rosto era o cúmulo da calmaria, e os olhos dela eram afetuosos, cheios de vida.

Darling I'm Ready (to burst into flames for you)Where stories live. Discover now