42 | golpes baixos

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O coro de Privileged Rappers era a única coisa que se fazia ouvir no interior do carro

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O coro de Privileged Rappers era a única coisa que se fazia ouvir no interior do carro. Uma vez à outra, eu me atrevia a olhar para a Ayla de esguelha, odiando mais do que tudo a inexpressividade que marcava o rosto bonito.

Eram dezoito horas e trinta e sete minutos. Não pude me sentir menos culpado quando saí do quarto depois de várias horas e a encontrei adormecida num dos sofás na sala. Eu passei cerca de quinze minutos observando-a em silêncio, e a primeira e única coisa que ela pediu ao me ver foi que a levasse até casa. Com a raiva esquecida e a frustração evaporada há tempos, foi de partir o coração vê-la tão chateada por minha causa. Eu sabia que havia errado com ela, que não deveria ter falado daquele jeito e tampouco deixado que passasse a tarde sozinha, quando fui eu quem a chamou para ficar comigo.

Eu não deveria nem ter proposto que tentássemos ter um relacionamento, especialmente porque a sua vida estava em risco por minha causa e ela se transformara em um alvo; em uma forma de me atingir.

Apertei a capa do volante sob os dedos e suspirei, tão baixo que eu mesmo quase fui incapaz de ouvir. Ainda tentava associar a descoberta do Andrei a qualquer outra coisa, mas as peças simplesmente pareciam não encaixar umas nas outras. Ter sido precipitado me enervava a níveis absurdos porque, para além de estar preocupado com o facto de existir a possibilidade de eu foder ainda mais com a mente da Ayla – e a minha, em simultâneo –, ainda tinha os problemas do meu pai a resolver e um fardo por carregar a vida toda. Estava tudo a virar um emaranhado complicado de desfazer, e eu mesmo afundava cada vez mais ao tentar me convencer de que ainda podia ter uma rotina e laços completamente normais.

Fui arrancado dos devaneios quando ela finalmente movimentou-se, apenas para fazer-se mais confortável no assento do Bentley quando Spin Bout U começou a tocar.

— Vais fazer uma greve de silêncio, agora? — indaguei, fazendo questão de manter o tom aveludado e sarcástico. Sabia que aquilo iria irritá-la, mas era assim como lidávamos com os nossos problemas desde o início. Era daquilo que ela gostava, e eu tive certeza disso quando reprimiu um sorriso e revirou os olhos de leve.

Ayla Costello estranhamente preferia o sarcasmo ao carinho intenso, e talvez tivesse sido por isso que havíamos nos dado bem até certo ponto. Ela gostava do que eu mostrava fazer, de quem eu mostrava ser, de como eu agia, por menos saudável que fosse em certos momentos. Talvez fosse involuntário; algo automático porque, no fundo, ela nunca soube o que era uma relação saudável de verdade.

— É o que tens a dizer depois de tudo o que aconteceu hoje? — questionou com alguma ironia — A sério?

— Eu podia falar por horas a fio sobre o quão bonita és, mas disso tu já sabes...

— Não penses que vais distrair-me com esses elogios baratos.

— Tu te sentes distraída? — ergui um dos cantos da boca em um sorriso fechado e discreto, desviando o olhar da estrada por um momento para encará-la. Com os olhos semicerrados, Ayla estalou a língua com suavidade enquanto cruzava os braços e virava o rosto em direção ao vidro da janela — Desculpa... Não vais mesmo perdoar-me?

IDRISWhere stories live. Discover now