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O esperado aconteceu, meu pai me trancou dentro do quarto por dois dias inteiros. Essa é a forma que ele acha que é correta para se educar um filho. A comida é bem pouca e é entregue por um segurança alto e forte. Justamente para não haver nenhuma chance de fuga.

O que minha vida se tornou? Estou vivendo em um lugar tenebroso, não tenho privacidade e, se falo algo errado, fico sem comer ou beber água por horas. Que tipo de pais são esses?

"Sinto muito. Eu te amo. Nos vemos na sexta." - me debati com raiva na cama assim que vi essa mensagem ridícula que kei me mandou. Que canalha. Como se atreve?

"Desgraçado. Vai se fuder." - digitei de volta me sentindo uma completa idiota que vai morrer nesse lugar cruel e devastador, que vida infeliz.

Chorei. Não uma, duas ou três vezes. Bem mais que isso. Me odeio. Odeio ser tão fraca.

Dormi feito o lixo mole e fedorento que sou. Virei uns seis grandes goles daquele whisky e apaguei. Não há nada melhor para fazer do que beber. Acho que posso tirar proveito disso na minha vida de prisioneira. Vai ser longa e chata, o álcool pode ser um bom aliado. Pela manhã, despertei com Mitis abrindo a porta segurando uma bandeija cheia de coisas na mão. Ainda é quinta-feira, meu pai disse que só seria liberada na sexta. Desde segunda estou aqui.

- Seu pai mandou avisar que haverá um almoço público essa manhã, na praça da cidade. - ela falou com um certo tom triste na voz, acho que me ver nessa situação não é muito agradável. Olhei para ela como se pedisse para explicar melhor, pois não entendi. - Bom, é uma espécie de pesquisa referente ao jantar beneficente que vai ter. Acho que é para anotar os nomes e ver as pessoas carentes da região. A prefeita e várias pessoas importantes estarão lá. - encerrou colocando a bandeja em cima da cama. - Sua roupa chegará junto com a maquiadora às 10h. - adicionou se curvando educadamente para se virar se costas.

- Maquiadora? Não costumo usar essas coisas, papai sabe disso. - perguntei já sentindo a onda de estresse aparente. Parei um segundo e me lembrei do real motivo de uma maquiadora, meu rosto está arranhado. Está cicatrizando, mas mesmo assim preciso de uma cobertura. - Ah, entendi. Obrigada. - assenti quase morrendo. Me sinto mal por isso.

Ela foi embora, deixando apenas a comida com um bilhete logo embaixo de um pacote de chocolate ao leite. Suspirei pensando ser algum tipo de ameaça enviada por meu pai mandando que eu seja uma dama durante almoço.

"Sabe o quanto foi difícil dar um jeito de colocar esse bilhete aí?" - Era só isso que dizia, sem assinatura e nenhum sinal que aponte um suspeito. Mas, claro, tenho minhas dúvidas.

Ninguém falaria assim comigo, aliás, quem teria toda essa dificuldade para enviar um bilhete para mim? Alguém de fora. Suna é o cara mais maluco e corajoso que já conheci. Claro que seria, ele é o único homem com quem conversei além de kei.

Isso me deu uma certa animação para ir ao tal almoço, ele com certeza vai estar lá. Não sei como vamos nos falar no meio de toda a bagunça, aposto que meu namorado não vai sair de cima de mim. Ele odeia Suna e não suporta nem passar do seu lado. E óbvio, a regra dele também se aplica a mim, ele não deixa eu nem olhar em sua direção.

Ter feito algo que ele não sabe me deixa extremamente feliz. Parece que estou agindo fora da lei.

Às 10h uma mulher chamada Marrie, com uma aparência bem jovem, bateu no meu quarto segurando uma bolsa de maquiagem em uma mão e um vestido em um cabide na outra. É um tecido vermelho bem vivo, veio com uma calcinha e um perfume.

- Vamos começar, seu rosto está bem feio! - exclamou ao me analisar, rapidamente a ruiva de olhos escuros me colocou em uma cadeira. Em segundos já estava aplicando camadas de hidratantes na minha pele. - Fui paga para não perguntar nada, porém... mulher, quem foi o babaca que fez isso? - os olhos desviaram a atenção do meu rosto e pousou nos meus olhos. 

Não consegui responder. Como conseguiria? É tão constrangedor e doloroso ao mesmo tempo. Fiquei calada durante todo o processo. No fim, não havia mais nenhuma marca feia no meio rosto. Estava perfeitamente normal, como uma garota padrão rica e feliz. Meu vestido caiu bem até demais no meu corpo, é um vermelho carmesim e é solto da cintura pra baixo. Mandaram um salto junto, mas nem que me obriguem eu vou usar.

Coloquei uma sandália baixa preta qualquer e fui para a praça da cidade em um carro diferente do meu pai. Sozinha. Acho que ele tem vergonha, minha mãe também nunca desce do mesmo carro com ele em público. Qual o sentido de fazer isso se mais tarde tiraremos fotos em família?

- Srta. [Nome]. Será um prazer lhe acompanhar até a área privada. - uma mulher alta com cabelos loiros e um terno feminino me recebeu assim que desci do carro. Como assim vai ter área privada em uma praça pública? - Sente-se, o restante da sua família ainda está cumprimentando as demais famílias. - explicou assim que paramos em um enorme espaço cercado por cones, dentro da área há muitas mesas com panos bonitos e cheias de comidas em cima. - Com licença. - ela se curvou educadamente e se afastou.

Me sentei ainda um pouco perdida, saí depois do meu pai e ele nunca chegou aqui. Me surpreende que a prefeita tenha reservado essa área em um almoço beneficente. Achei que ficaríamos conversando com os necessitados da região. Que piada.

- Amor. - divagando altamente nos meus pensamentos, kei me chamou ao lado. Pegando no meu ombro, seu sorriso nunca esteve tão irritante. - Estava com saudades. - comentou deixando um beijo na minha bochecha que imediatamente limpei fazendo uma expressão de nojo. Mas seu olhar em seguida me fez lembrar que estamos na porra de um lugar público. - Sorria e me beije se não quiser um escândalo com o nome da sua adorável família. - me ameaçou em um susurro enquanto andamos até uma mesa e nos sentamos. Meus pais e os dele já estão se aproximando da gente.

- Claro. Que saudade eu estava! - forcei demais além da conta ao abraçar ele já sentado. Vergonhoso demais até para mim.

- É bom ver os dois assim, não me decepcione, querida. - meu pai se sentou ao meu lado e falou baixo o suficiente apenas para eu e meu amado escutarmos.

Depois disso eles conversaram, anotaram nome e quantias de doações nas listas que passavam de mesa em mesa a cada segundo e falavam sobre o futuro da nossa aliança familiar. Eu prestei atenção em cada palavra, aliás, preciso saber o que está acontecendo já que sou eu quem mantém essa aliança de pé.

Bom, houve um detalhe que não me certifiquei de analisar. Suna Rintarou é alguém que deveria estar aqui, e eu não o procurei nenhuma vez. Pelo menos não me lembrei de fazer isso. E graças a alguém, kei apertou minha coxa por debaixo do pano da mesa e mumurrou algo no meu ouvido.

- Por que caralhos aquele Suna nojento não tira os olhos de você? - a pergunta veio carregada de raiva, seguindo o seu olhar encontrei o moreno em um mesa muito distante, cercado por seus familiares importantes. Seus olhos estão em mim, tão focados que me sinto perfurada por eles. - Responda. - o aperto ficou mais forte e eu surtei por dentro. Por que Rintarou Suna está me encarando tão na cara dura?

Ele não sabe o quanto isso pode me ferrar?

𝐌𝐎𝐑𝐄 𝐓𝐇𝐀𝐍 𝐓𝐇𝐈𝐒, suna rintarouWhere stories live. Discover now