Capítulo 7 - Eric é a exceção

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[Narrado por Ben]

Ajudo Eric a se levantar e caminhamos lentamente de volta à cabana. Pela primeira vez no dia começo a reparar na mata ainda úmida por conta da chuva da noite anterior. A luz do sol faz as folhas úmidas brilharem e o ar fresco toma conta de mim.

O dia está estranhamente belo.

***

VAMOS AOS FATOS. ELE É alto, praticamente da minha altura, e tem o cabelo castanho, assim como a cor dos olhos. Seu rosto é absolutamente harmônico, seus braços são fortes e ele fala e caminha de um jeito estranho, apesar da perna machucada, como se não quisesse chamar atenção, o que entendo bem, mas ainda assim, sua presença é notável. Ele anda com uma postura perfeita, diferentemente de mim e de todos das Terras Altas, curvados por conta do peso de viver aqui.

Não que eu tenha reparado tanto assim, mas a partir do momento em que "viver sozinho" se torna "viver com um desconhecido que levou uma facada", passo a ter mais do que os poucos resultados de meus roubos para observar.

O dia passou sem nenhum acontecimento notável. Nenhuma tentativa de fuga e quase nenhuma nova informação sobre o camponês do sul que fora sequestrado por homens desconhecidos e, depois disso, esfaqueado. As palavras trocadas foram apenas sobre o machucado da perna dele e ele também me perguntou o que aconteceu na minha barriga, pois sempre estou apalpando.

— Nada, apenas um arranhão.

Não foi apenas um arranhão.

Eu havia saído da minha cabana no início da noite, pois a noite é a minha parte favorita do dia por dois motivos principais: primeiro, porque posso fazer quase qualquer coisa à noite sem que me vejam – e fazer o que faço necessita que o menor número de pessoas me veja; segundo, porque a noite me deixa mais tranquilo. Não sei bem explicar esse ponto. O que sei é que as noites sempre me deixaram mais tranquilo apesar dos pesares.

Ainda na casa da vó Maria, antes de sair para tentar conseguir algo na vila à noite, Art me olhava com o canto de olho atrás da porta. Ele sempre fica apreensivo quando saio para "conseguir comida", mas ele também sabe, apesar da reprovação, que preciso fazer isso, tanto por ele como pela nossa avó.

— Não se preocupe, volto antes do amanhecer — Eu disse antes que Art fizesse algum apelo.

Ele assentiu, me disse para ter cuidado com o "monstro da floresta" e correu para dentro do casebre.

Eu disse que voltaria ao amanhecer, pois em noventa e nove por cento das vezes era isso que tinha acontecido e era isso que eu acreditava que iria acontecer; eu não sabia que ele iria aparecer no meio do meu caminho.

Mas eu já deveria ter percebido que aquela noite em específico seria diferente. O vento, quando saí de casa, ventava para o norte, o que eu considero um péssimo sinal. Mas relevei. Ventando para o norte ou para o sul, eu não poderia esperar mais para ir à Vila. A comida estava acabando, o frio, aumentando e a oportunidade não poderia ser a melhor: o noivado de Enrique Sierra e do príncipe de Aurora tinha se tornado a desculpa perfeita para os camponeses dos arredores da Vila festejarem suas vidas miseráveis, então a vila estaria cheia, tornando mais fácil a minha camuflagem. Engraçado como as pessoas se esquecem tão facilmente dos seus problemas quando bebem um gole de uma cerveja ruim qualquer.

— Uma rodada de cerveja para todos! — Gritei no centro do Mercado. Uns cinco homens e duas mulheres estavam por lá naquele momento.

O lugar estava fedorento como sempre, já que a maioria das mercadorias vendidas lá, sejam grãos, carne, peixe ou cerveja, estão podres ou ao ponto de apodrecer. Enquanto bebiam, o que era extremamente benéfico para mim, fui direto ao canto mais afastado. Ele já estava lá.

A Canção do Rei [Concluída]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora