Capítulo 2 - A Rainha

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[Narrado por Eric Lluv]

— O que você ia dizer? — Pergunto, depois que o guarda nos deixa.

Tamara balança a cabeça.

— Nada não, depois a gente conversa.

***

NÃO VOU NEGAR QUE, DAS regras da realeza, a de precisar sempre me vestir elegantemente, mesmo que eu não vá aparecer em algum lugar para acenar, é uma das de que mais gosto. Já perdi as contas de quantas vezes a equipe de preparação real me ornou com inúmeros adereços dourados e incontáveis ternos cheios de medalhas, que nunca cheguei a ganhar de verdade, para que eu apenas aparecesse diante de duas ou três pessoas pertencentes à nobreza de Aurora e, apesar da perda de tempo, o tempo que gasto sendo arrumado é bom para pensar, e o resultado sempre me alegra.

De toda forma, nunca me achei muito bonito, não acho que meu cabelo castanho ondulado seja atraente o suficiente, nem acho que meu rosto seja simétrico o suficiente para ser bonito o quanto dizem que meu pai fora e o quanto minha mãe é – e isso me deixa extremamente irritado. Os dois são as pessoas mais bonitas que já vi, embora meu pai eu tenha visto apenas pelas grandes pinturas do palácio. Eu nasci assim, tão mediano. Por isso, me preparar para os eventos importantes do reino é, de certa forma, algo interessante, primeiro porque eu geralmente fico mais bonito que o normal quando me arrumam, mesmo que seja para talvez aparecer na sacada do palácio, e eu gosto muito do sentimento de estar "bonito"; segundo porque acho até relaxante, enquanto a equipe de preparação me entretém limpando minha pele e a deixando mais apresentável.

Felizmente, a preparação de Enrique não está acontecendo aqui. Ele e sua equipe estão em outro grande salão do palácio, o salão que geralmente é reservado para eventos mais íntimos, eventos esses que, ultimamente, têm se baseado na minha mãe tentando refazer a aliança com as Terras Altas ou com ela se reunindo com o General Alexander Frost, o chefe da Casa Frost, do território das Montanhas Geladas, para pensarem numa forma de minimizar os problemas ocasionados pela hostilidade de Victor Sierra.

De todo modo, tentar ficar bonito do lado do menino mais bonito que já conheci seria extremamente humilhante para mim. Penso sobre a discrepância de trabalho que minha equipe tem em relação à equipe de Enrique, que provavelmente não precisa passar tanto produto para melhorar sua pele, que já é perfeitamente lisa e de uma cor amarronzada perfeita. Não devem ter tanto trabalho em arrumar o cabelo curto e preto dele, nem precisam de muita maquiagem para deixar seu rosto bonito.

É extremamente estranho como as coisas do coração funcionam, pois nunca, nem quando nos conhecemos, eu olhei para Enrique de outra forma, a não ser como a um garoto qualquer, o filho de Victor e Madalena Sierra, que governam as Terras Altas, mesmo ele sendo o rapaz mais harmonicamente bonito que eu já vi. Por outro lado, na primeira vez que vi Joseph, meu coração bateu de uma forma estranha e senti um desconforto esquisito em meu estômago. Ele provocava esses sentimentos em mim, e outros que, mesmo tentando esquecer, nunca o fiz.

Levanto-me da poltrona, depois de passar boa parte da tarde sendo preparado para o noivado, o mais rápido possível e, antes de olhar para o espelho, estico meu corpo da forma menos respeitosa o possível.

— "Tenha mais decoro, menininho" — Tamara diz com sua imitação quase perfeita de Lilian, a Conselheira Real que, quando éramos crianças, era a conselheira do reino e uma espécie de minha babá. Lilian, assim como minha mãe, ficou viúva na guerra. Seu marido era o chefe da guarda real antes do pai de Tamara.

Rio.

— Ela dizia isso numa época em que nem falar "decoro" eu sabia.

— "Não quero ver você correndo pelo palácio, senhorzinho".

A Canção do Rei [Concluída]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora