CAPÍTULO 36

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O conselho da Débora de responder a carta mandando meu número foi bom. Bem melhor que o outro de falar com a minha mãe sobre o assunto. Sou meio covarde para isso. Não tenho coragem. Não por agora. Sei lá, é estranho. A dona Síl mentiu pra mim esse tempão… Por quê?  Eu tenho medo de perguntar e não  gostar da resposta. 

A verdade é que eu nunca senti uma baita falta de ter um pai.

A mamãe e a vovó sempre me deram  tudo que eu preciso. Mas agora que descobri real que não nasci de chocadeira, estou morrendo de vontade de conhecer esse tal de João Paulo Roberto, ou meu suposto pai.

Toda essa história não sai da minha cabeça. Mas, depois do conselho da Débora, eu peguei a carta, guardei no envelope com a foto e tudo e enfiei dentro do meu caderno de História, porque sei que é o lugar que eu nunca mexo.  E não  é por que sou boa nessa matéria, longe disso! É só porque as provas do professor Pedro são mamão com açúcar. 

Eita, se o Mateus sabe disso…

Para terminar, fiquei uns dias com aquele envelope fora da minha vista e tentei não pensar muito no assunto.

Até que consegui um pouco, já que tive minhas distrações. O Mateus me mandando mensagens, a Débora conversando comigo de novo, o Festival dos Ipês chegando e, nesse momento,estou indo para a Kongang.

Hoje é sexta-feira, o dia do passeio na fábrica.

Já que é tão pertinho da escola, ficou combinado dos alunos irem direto para lá, oito da matina.

Todo ano, os terceiros vão visitar. Claro que virou uma festa, já que, por causa do passeio, não vai ter aula à tarde. Também o terceirão do ano passado contou que no final da excursão eles deram algumas comidinhas da marca para todo mundo e um copo personalizado.

Eu estou empolgada com essa parte, mas me borrando de medo por causa de uma outra parte. O Mateus trabalha na Kongang, junto com a minha mãe.

Lógico que tem uma grande chance da gente não se encontrar, mas também pode acontecer o contrário, não dá para garantir.

Se esse desastre acontecer, eu até poderia aumentar a mentira e fingir que estou ajudando a turma como funcionária ou coisa assim. Mas a diretora obrigou geral a usar o uniforme do terceiro ano. 

Se o Mateus me ver, já era.

Ainda bem que a Débora está no primeiro ano.

Eu odeio meu uniforme do terceiro ano. Foi a "gente" que escolheu o modelo — entre aspas, porque eu mesma não escolhi nada. Se fosse por mim estava todo mundo usando os uniformes de verão dos doramas. Teve até uma votação, mas o meu voto não valeu de nada. 

No final virou isso: uma camiseta verde militar de uma malha que soa pra caramba. Mas não é por isso que eu odeio esse uniforme.

Depois que o modelo foi escolhido, a representante da sala passou uma folhinha para todo mundo preencher com nome e curso. Isso foi no começo do ano. O pessoal estava tão empolgado, tão ansioso para escrever naquela maldita folha… eu evitei o máximo que deu. Até que a Maiara, representante da sala, veio me entregar a tal folha. Aí não deu pra fugir mais. Escrevi meu nome e fiquei um tempão enrolando, mesmo sabendo o que tinha de escrever no lugar do curso, era óbvio, mas não era o que eu queria pôr naquela folha toda preenchida de futuros com uma caligrafia diferente a cada linha. Queria ter deixado em branco, mas é claro que escrevi Direito naquele espacinho.

E essa foi a história do ódio do uniforme.

Acabo de descer do ônibus, no ponto da Kongang. Atrasada dez minutos, mas se for comparar com a maioria, estou adiantada.

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⏰ Last updated: Jun 06, 2022 ⏰

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Minha Vizinha KpopperWhere stories live. Discover now