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— Duas técnicas tentaram fazer o acesso doutor, porém, o paciente estava muito agitado. Fazer um procedimento invasivo só iria piorar a situação, conseguir acalmá-lo agora. — Tentei ao máximo não elevar minha voz na intenção de não assustar o Théo que foi se achegando e agora estava encostado em mim.

— E se fosse caso de emergência, você continuaria tentando acalmá-lo? — Seu tom ríspido me fez cortar nosso contato visual ignorando totalmente a ceninha que o mesmo estava fazendo, quando o pai da criança ficou em pé em frente ao machão de meia idade na minha frente.

— Mas não é, e ela tá fazendo o trabalho dela melhor do que qualquer um aqui tentou fazer. Foi a única que conseguiu acalmar meu filho, tá ligado? Então abaixa essa tua bola ae e faz o teu, que faz quase uma hora que tô aqui esperando a porra de um médico e tu chega agora pra querer fazer show? Comigo o papo é outro, sacou?

Com toda a certeza do mundo meus olhos estavam prestes a pular para fora depois de ver o que acabei de ver.

Vou até dormir feliz hoje depois dessa trombada.

Segurei a risada ao ver o mesmo homem que havia tentado me desmerecer abaixar a crista e enfiar o rabinho entre as pernas em frente do Ret que permaneceu em pé de braços cruzados o amedrontando só com o olhar.

Já falei que sou cadelinha dele? Porque eu sou.

O doutor foi perguntando os sinais vitais enquanto o analisava e já tratou de passar a prescrição da medicação e pediu um raio-x do tórax só por precaução.

Na hora de pegar o acesso, o Filipe se sentou perto me ajudando a convencer o Théo que pareceu entender e esticou o bracinho sem relutar quando o pai entregou o celular com o desenho em tela.

Santo remédio!

Só precisei de uma tentativa para já iniciar a administração do medicamento. Agora tínhamos um Théo calminho, agasalhado e vidrado no desenho.

— Se quiser cochilar aproveita ae. — Sussurrei fazendo um Filipe extremamente sonolento me olhar do sofá, do lado da maca.

— Porra, tô quebrado. Papo reto ... — Suspirou.

— Você não tem outros pacientes pra atender não? sei lá, alguma dessas coisas ae pra fazer. — Sussurrou de volta com a voz ainda mais grossa que o normal.

— Tecnicamente ... — Levantei meu braço olhando o relógio no pulso. — Meu plantão acaba em cinco minutos. Só preciso bater o ponto e ir trocar de roupa. — Fiz carinho no Théo que deitou a cabeça no meu colo a minutos atrás.

Resultado do medicamento que causava sonolência.

— Caralho, tô te prendendo aqui. — Se sentou esfregando o rosto.

— Relaxa, como eu sei que ele não vai deixar nenhuma das outras meninas se aproximarem, eu fico. — Sorri fraca olhando o soro com a medicação que já estava na metade.

— Sei nem como te agradecer, e tal.. A mãe dele tá em São Paulo e vai falar o caralho a quatro quando souber. Quase não tenho tempo pra ficar com ele e quando tenho acontece essas porras. — Bufou me olhando.

Deitei o Théo bem no meio e o cobri enquanto levantava com cuidado.

— Para de se martirizar, ele é criança e isso acontece. Ainda tem a adolescência pra você se preocupar... — Vi um sorriso fraco surgir no canto da sua boca quando seus olhos passaram de mim pra janela. - Vou bater o ponto e trocar de roupa, já volto.

Fiz o que precisava fazer passando o plantão para enfermeira que assumiria o diurno, troquei de roupa, peguei um café e voltei em direção ao quarto em que estava antes. Assim que entrei encontrei um Filipe cabisbaixo digitando rápido no celular enquanto lutava contra o sono, a alta do Théo já estava assinada só precisaria esperar o medicamento terminar para em fim o mesmo ser liberado.

— Passaram por aqui? — Falei atraindo atenção até mim.

— Aquele otário deixou umas receitas ae e liberou ele depois que terminar ae. — Confirmei com a cabeça entregando o copo de café a ele.

— Brigadão ae, Manuella. — Sorrir fraco indo até o Théo verificando sua temperatura.

— Tu é novinha, né? — Ergui o olhar pra ele que se encostou no estofado do sofá enquanto mantinha uma perna sobre a outra e os braços abertos. Todo largado.

Sorrateiramente deixei meu olhar percorrer por todas as suas tatuagens, demorando um pouco mais na do pescoço que é a minha preferida.

— Depende do seu ponto de vista. — Caminhei até ele se sentando na outra ponta. — Acabei de fazer vinte cinco.

A surpresa estampada em seu rosto me fez sorrir.

— E já é toda posturada, responsa e tal. — Balançou a cabeça me olhando de lado. - Boto fé.

Manti meu olhar a frente tentando não demonstrar o nervosismo por saber que de uma hora para outra eu me tornei o foco da conversa.

— Uma hora a vida te obriga a ser, né? Já dizia um ditador do TTK, ae. Só quem nasce playba não tem ambição. Na queda ou na ascensão minha marra é a mesma — Ergui a sobrancelha virando o rosto pra ele que abriu o maior sorrisão me fazendo rir também.

Tirei o acesso do Théo assim que o soro acabou enquanto o Filipe assinava uns papeis na recepção.

— O papai vai voltar? — Perguntou enquanto me olhava atento. Me abaixei na sua frente ficando na sua altura ajeitando a golinha da sua camisa.

— Ele vai voltar sim, e você já vai pra sua casinha brincar bem muito e comer uma comida bem gostosa. — Ele sorriu envolvendo os braços no meu pescoço me pegando totalmente de surpresa.

Engoli seco sentindo meu coração apertar de um jeito bom.

Ouvi a porta sendo aberta o que me fez olhar para trás por impulso vendo o Filipe se aproximar.

— Tudo certo? — Questionei .

— Rolou amizade, aqui? — Apontou com o queixo se referindo ao Théo no meu colo.

— Pelo visto, sim. — Sorrir fraco enquanto ele guardava as coisas na bolsa do mais novo.

— Vamos, filhote? — Sem pensar duas vezes o menino esticou os braços na direção do pai que com um braço só o segurou.

Era nítido o quanto ele cultivava a relação deles dois e a segurança que ele tentava passar a todo instante ao filho.

— Se cuida em Théozinho, a titia não quer te ver dodói de novo, beleza? — Levantei a mão fazendo o mesmo bater.

— Valeu ae, Manuella. Sei nem como te agradecer pela força, ae. Papo de visão. — Neguei com a cabeça o acompanhando até a saída.

— É meu trabalho, Filipe. Não tem nada que pague fazer o que se ama. — Percebi o mesmo confirmar com a cabeça assim que passamos pela porta da frente. — Bom, vou seguir meu rumo, foi um prazer conhecer vocês e não esquece de dar os remédios nos horários, certinho.

— Deixa comigo. — Piscou me encarando antes de se virar.

Dei as costas tirando o celular do bolso pronta para pedir um uber quando ouvir chamarem meu nome.

Era a voz do Ret.

— Vou meter a porra da cara e pedir o instagram mesmo, fodasse. — Falou alto do lado do carro.

Gargalhei negando com a cabeça.

— Qualé, o Retaveliko quer me stalkear? — Ele coçou o queixo dando um sorrisinho cafajeste.

Aquele mesmo que faz todo mundo abaixar a calcinha, porra.

Fiquei fraca.

— Manuella Medeiros. — Pisquei dando a volta e voltando a andar assim que um motorista aceitou a corrida.

— Tô te devendo um show, Manuella Medeiros. — Falou pela última vez me fazendo virar e dar uma risada o observando entrar no carro de uma vez e piscar os faróis assim que o uber estacionou na minha frente.

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