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Manuella°


Estava quase finalizando mais um plantão quando terminei de tomar meu mini café e voltei pra entrada da emergência pediátrica quando ouvir alguém chamar meu nome, me virei encontrando a Carol encostada na porta da coleta com uma cara de desespero.

— Pelo amor de Deus, não consigo pegar o acesso. — Sorrir fraco me aproximando, era o terceiro dia dela na ala pediátrica, era de se entender o desespero.

Lidar com choro de criança e birra dos pais fazem a grande maioria desistir antes mesmo de pensar meter a cara, diferente de mim que sou completamente apaixonada e me encontrei sem sombras de dúvidas na área neonatal e pediatrica.

— Respira, Carol. Tudo se dá um jeito... Qual é o diagnóstico? — Passo por ela ouvindo a mesma enfim respirar o que me faz sorrir. -

— A gente precisa do exame de sangue pra ter o resultado dos exames, mas os sintomas são de virose. Resfriado, febre, tosse e segundo o pai, algumas crises de vômito. — Confirmei com a cabeça.

— Vou ver o que posso fazer, tenta ver se o Doutor Marcos já voltou do descanso. Ele adora bancar de doido e ficar de conversinha com as internas. — Neguei revirando os olhos.

Se tem uma coisa que eu não suporto é médico abusado que só porque carrega um CRM nas costas e ganha mais de 20 pilas por mês se acha no direito de fazer o que bem quer, pois bem, no meu setor ou todo mundo trabalha em equipe ou vai me odiar pro resto da vida.

— Já tentei duas vezes e a Marcela também, ele não quer dar o braço e pra melhorar o pai é um cavalo batizado. —Antes mesmo de adentrar o local já escuto o choro do menino acompanhado da voz do pai que parecia tão desesperado quanto.

— Não precisa chorar, Théo. Tem que deixar a moça colocar o remédio no braço pra ficar bom e ir tomar sorvete, cara. Sucega, ae pô. — Passo álcool em gel enquanto me aproximo.

— Oi Théo, a titia veio ver o porquê você tá chorando tanto, meu amor. — Assim que ouve minha voz o homem se vira com o garoto no colo me deixando totalmente sem reação ao perceber quem de fato está na minha frente, em carne e osso.

Filipe Cavaleiro de Macedo da Silva Faria, ou melhor, o próprio ... Filipe Ret.

O mesmo Filipe que acompanho, e sou fã do trabalho a 10 anos.

Respiro fundo tentando manter a calma e lembrar que aqui estou exercendo a minha função e preciso ter ética. Não é hora de bancar a fã, afinal, o homem que está na minha frente parece tudo menos o homem que exala confiança por onde passa.

Dessa vez, só consigo enxergar um pai desesperado.

— Boa noite, me chamo Manuella e sou a enfermeira chefe do setor. — Sorrio simpática vendo o garoto se apertar ainda mais no colo do pai.

— Já furaram ele quatro vezes, vocês vão resolver isso ou eu vou ter que meter o pé daqui com meu filho sentindo dor? — Sua voz grossa e agressiva me fez arquear a sobrancelha.

— Agressividade não funciona muito nesses casos, ele é uma criança e também está assustado. A gente precisa respeitar o tempo dele. — Tento passar confiança no meu tom de voz enquanto o sinto observar até a forma como pisco os olhos.

É, ele sabe ser intimidador.

— Posso tentar um contato com ele? — Pergunto sem cortar nosso contato visual.

Ele inspira e respira forte confirmando com a cabeça.

— Ele não é de se abrir com quem não conhece. — Balanço a cabeça positivamente enquanto o vejo se sentar na poltrona do canto perto da janela segurando o filho que não desgruda por um segundo.

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