O corte no pé de Jeongguk estava incomodando, mas ele não relatou a dor. Logo iria cicatrizar.

— Ele está morto — contou. Taehyung apertou-lhe mais forte, e Jeongguk balbuciou mais alguma coisa que o beta não conseguiu compreender. 

— Temos que chamar um oficial — Jeongguk repetiu, ainda com um grunhido.

E foi o que fizeram. 

Taehyung percebera como Jeongguk havia dobrado a verdade ao recontar o encontro para um dos oficiais. Na versão para a guarda real, Jeongguk dissera que havia saído para caçar em sua forma lupina. Ao voltar para a hospedaria, tinha se deparado com o corpo da proprietária da estalaria caído. E então ele próprio fora atacado, levando ao confronto e à morte de Feehan.

Alguns oficiais voltaram até a estalaria com eles. Àquela altura, Feehan já teria tomado sua forma humana — era o que acontecia a todos os lobos mortos.

A visita dos oficiais era só por protocolo e para ajudar com os corpos. Feehan era um nômade, seu sobrenome era de pouco valor, e sua morte não seria investigada. Não havia porquê um nobre como Jeongguk mentir aos olhos dos oficiais do rei, e sequer haveria interesse em procurar justiça para Feehan caso Jeongguk estivesse mentindo.

A mesma apatia não era demonstrada para a ômega. Justine, ela se chamava, e Taehyung lamentou só saber depois da sua morte.

Perto do amanhecer, a alfa que perdera a companheira chegou à estalaria. Sobre o corpo da ômega, ela chorou lágrimas copiosas e dolorosas. Taehyung teve de sair da estalaria e esperar tudo se desenrolar pelo lado de fora, sem saber lidar com o luto alheio — e culpa, porque Justine provavelmente estaria viva se ele e Jeongguk jamais tivessem escolhido um quarto ali.

Ele entrou na hospedaria somente uma última vez para pegar seus pertences. A viagem havia sido um fiasco, e ele e Jeongguk precisavam voltar para casa.

***

Música: Lust for Life (instrumental) - The Blue Notes

No quarto dia da volta para casa, na primeira noite do verão, o cio de Jeongguk veio.

Sabendo reconhecer os sinais do que estava acontecendo com o seu corpo, o alfa mudou de rota, entrando numa trilha que dava para o lago. Taehyung tinha uma ideia do que motivara Jeongguk a sair do caminho — sentira a mudança no aroma dele. Ao invés de continuar a viagem sozinho até Kauput's Wolf, porém, decidiu segui-lo.

Jeongguk voltou para sua forma humana assim que alcançou os arredores do lago. Sentia sua força mais contida quando estava nela. Entrou na água, ficando próximo à borda, saboreando o senso de controle que as moléculas traziam. Ao mesmo tempo, sentia dor: era como se a água se estreitasse em torno dele, estrangulando-o e tirando dele todas as forças.

Havia uma névoa esbranquiçada baixa sobre o rio que curvava-se ao redor do corpo de Jeongguk, mas a imagem do alfa era nítida sob a luz da lua, e foi ela que o lobo de Taehyung encontrou: Jeongguk banhando-se no lago, de costas para a floresta, tão similar como daquela vez, mesmo que tudo já estivesse diferente.

Dessa vez, Taehyung lembrava de quem o outro era. Não só isso: já tinha forjado uma relação com ele. Uma que ele não sabia nomear — e já não se importava em fazê-lo —, e que ficava no espectro da paixão e da servitude.

Ainda parcialmente escondido pela floresta, Taehyung começou a voltar para seu corpo de homem. Ele soltou murmúrios frustrados, não pelos espasmos de dor que sofria com o processo, mas pela demora que sua transformação levava para se concretizar.

Quando finalmente Taehyung ficou de pé, com os músculos de suas pernas tremendo para se acostumarem com o novo formato, Jeongguk já havia saído da água. Ele estava sentado na borda, mas ainda mantinha as suas panturrilhas imersas dentro do lago. Os seus olhos estavam fechados e a face voltada para o céu. Estava mais calmo — mais fraco, também.

Servante (jjk + kth) (ABO) - ConcluídaWhere stories live. Discover now