8. Pizza de Palmito

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Abri o diário enquanto mais algumas lágrimas caíam.

Apesar dele não ter me visto, infelizmente meus olhos o viram bem até demais. Viram tudo que, desde o início, tentei não ver.

Viram finalmente o amor que sentiam por cada centímetro daquelas mechas brancas e daquele ponto de luz lindo acompanhado da sobrancelha riscadinha. Viram todo o esforço que faziam pra ignorar o interesse que sentiam quando ele usava aquela camiseta preta que parecia realçar ainda mais os detalhes no pescoço e nos braços dele. Assumiram que não era acidental aquele arrepio quente toda vez que a pele dele "esbarrava" na minha.

— Vê... — Agudei a voz com o celular próximo da boca. — Tô pronta agora pra te contar.

E então, por mais que isso não faça tanto sentido, juro que escutei seu sorriso. Aquele que eu sempre dava quando consolava ela após mais uma frustração amorosa.

A Vê estava tentando fazer por mim o que eu sempre havia feito pelos outros. Tentando me curar do que sempre tentei curá-la: a dor de um coração quebrado.

— Pode falar, Táta. — devolveu. — Eu sempre soube que esse dia iria chegar.

Senti outra gota salgada invadindo a margem do meu lábio. Ainda me surpreendia comigo mesma pensando como tinha conseguido ignorar aquilo por tanto tempo...

Depois de contar pra ela tudo sobre a tal "piada", sobre o "talvez" dele e aquela música do mercado, minha amiga não conseguiu engolir a risada.

— Ele literalmente ficava todo bobo toda vez que você tava perto, amiga... — falou como se ainda sorrisse. — Vire mexe te olhava, mesmo quando a gente tava no refeitório. Só parecia não levantar por não ter nenhum pretexto pra falar com você, sabe?

Meu coração deu uma batida pontuda e quase senti meu ar sumindo. 

— E quem me garante que ele não me vê só como uma opção, Vê?! — Minha garganta arranhou. — A gente já se conhece há quase 3 anos e eu só fui descobrir que ele gosta de mim por culpa dos amigos dele! Talvez nunca tivesse me contado nada.

Ela pareceu sorrir mais ainda.

— Tatiana, você sempre deixou claro que, no que dependesse de si mesma, morreria como a tia dos gatos. Vivia dizendo que a coisa mais importante da sua vida era a medicina e como namorar parecia algo desastroso pra alcançar isso. Amiga? Que coragem o Daniel ia ter de contar que era a fim de você? Seja sincera consigo mesma. Nós duas sabemos que, mesmo que ele tivesse confessado o que sentia, você fugiria exatamente como fez hoje mais cedo.

Abaixei a cabeça deixando um suspiro ir embora. Era verdade.

— Fora isso, você é famosa na escola por dar fora em qualquer garoto que te pede pra ficar. E eu nunca vi nem ouvi falar do Daniel de rolo com ninguém. — argumentou mais. — Se você fosse mesmo só uma "opção", então por que ele nunca procurou outra pessoa?

Encarei as páginas antigas com palavras de péssima grafia em rosa (porque, é, eu era a louca das canetas coloridinhas com cheiro) e comecei a pensar em como apenas 4 anos haviam me mudado tanto. Parecia haver um abismo enorme entre as coisas que a Tati de 13 anos dizia e as que eu dizia agora. Quer dizer, ela literalmente via o mínimo de educação e atenção como amor... Não foi à toa que o Pedro tinha conseguido me destruir tão fácil naquela idade.

Antes o motivo de ter pego meu diário era querer reler toda minha frustração com o Pedro e, quem sabe, chacoalhar a cabeça o bastante pra lembrar o porquê de ter posto aquele cadeado ali, ao redor do meu coração, mas agora os novos argumentos trazidos pela Verônica haviam me tirado pouco a firmeza daquela decisão.

O Cadeado (quase) Inquebrável [Conto]Tempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang