3. O amor existe?

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Daniel...

Hum... Ok. Talvez não fosse tão ruim assim. Quer dizer, apesar dele não ser exatamente um amigo lá "hiper" íntimo por uma razão bem óbvia (o fato dele ter um pênis e nitidamente se ver como homem), o Daniel era meio que o único garoto além do meu irmão mais novo que conseguia não me deixar desconfortável. Tudo bem que tinha a ver com o fato do Pietro ser meu irmão, mais novo e gay  (e eu ter uma leve tendência a acreditar que talvez o Dani fosse assexual ou enrustido), mas ainda assim, sabe... 

Mesmo nós dois sendo apenas colegas desde o 1º ano do Médio que, de vez em quando, sentavam juntos no intervalo (geralmente porque a Vê tinha faltado no dia) e só sabiam o primeiro nome um do outro, ele era uma pessoa bem bacana. Sempre me sentia à vontade quando a gente conversava, mesmo que fosse só pra ficar falando de One Piece, Fullmetal Alchemist: Brotherhood e Kotoura-san (aliás, era bem legal como só a gente parecia conhecer aquele anime) ou comentando sobre como era ótimo quando as tias da cantina faziam salada de legumes (já que, olha só que coincidência: nós dois éramos vegetarianos).

Tá legal, acho que já deu pra entender que eu não tinha nada contra o Daniel, né?

— Ah, e a participação nesse trabalho conta como 2 pontos na média em Biologia e Sociologia, viu? — O professor Eduardo continuou como se tentasse persuadir os alunos ainda mais a participarem daquela esquisitice. — Também fiquei sabendo que uma parte do 1º A ficou encarregada de trazer uns doces e comidas especiais pro dia do evento...

Usando comida pra ver se nos fisgava... Já dizia o sábio: "o peixe morre pela boca".

Se virando com aquele giz horroroso na mão, ele começou a escrever os nomes de cada dupla na lousa e, bem ao ladinho, o que deveriam fazer e pesquisar exatamente.

— Além disso, acho bom dividirem bem o trabalho entre a dupla, viu? — Não deixou de avisar enquanto ainda enchia a parede escura de rabiscos brancos. —  O tema é ridículo de fácil e vocês já são grandinhos demais pra ficar deixando tudo nas costas do outro. 

E, aí, bem quando eu tinha acabado de encontrar nossos nomes no meio do quadro e rir de desespero ao descobrir nosso tema, a porta da sala abriu e finalmente reparei que o Daniel estava pro lado de fora aquele tempo todinho.

Ele ficou lá na frente da turma, ainda meio colado à porta, tentando explicar sua situação para o Eduardo, mas acho que estaria mentindo feio se dissesse que era realmente a mini discussão dos dois o motivo de dos meus olhos não desgrudarem dali.

Desde que o Daniel havia descolorido e pintado o cabelo de branco, a única coisa que eu conseguia prestar atenção quando a gente se via era nisso. O visual dele era excêntrico e bonito ao mesmo tempo com aquele cabelo meio dente-de-leão e o piercing ponto de luz na sobrancelha com risquinho. Parecia sei lá, hum, um Jack Frost meio mandrake.

Apesar disso, assim que o papo dos dois acabou e seus olhos encararam a lousa, analisando algo como se tentasse não rir, me lembrei rapidinho por que também estava rindo (só que de desespero) antes dele chegar.

— E aí, Palmitinha? — saudou enquanto se sentava numa carteira vazia próxima da minha. — "O amor existe?"

Parecia difícil dizer o que mais me incomodou naquele "oi" dele: meu apelido nada fofo (apesar de originário de uma piada interna até engraçada) ou a pergunta do nosso tema.

"O amor existe?"  — a frase boba reverberou pela minha cabeça como um disco arranhado. Fantástico! Nossa escola não podia ter pensado em nada melhor.

— Bem, quem sou eu pra dizer que não, né? — Devolvi rindo meio desinteressada em falar muito sobre aquela teia de aranha. — Tem gente que acredita até em sereia e unicórnio. Cada um com suas certezas e imaginações.

O Cadeado (quase) Inquebrável [Conto]Where stories live. Discover now