7. Você

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Era o grande dia dos cupidos. Entre o pátio e as salas da escola tinha tudo que era ideia "romântica": poemas nos murais, balões em formato de coração, cantinhos pra falar sobre a pessoa amada, uns pra "definir" o que era amor e outros pra "descobrir" se o sentimento era paixão, além de maçãs do amor (como o Eduardo tinha dito), morangos com chocolate e, impressionantemente, uma barraca do beijo.

Claro. Essa última tinha vários "protocolos" pra participar, sendo o primeiro não ter herpes labial.

Com as desgraças do dia anterior ainda navegando pela minha cabeça, realmente não achei que iria gostar de algo além dos morangos e maçãs no quesito amor, mas, talvez pelo tédio, acabei tendo minha atenção roubada por um dos poemas:

"Podíamos ser como as aves...
Como os pinguins, que se presenteiam com pedras bonitas
Como os pavões, que têm cores tão lindas
Como os pombos, que dançam para suas queridas
Como os pássaros, que chocam juntos suas crias e compartilham fielmente toda a vida..."

Sorri meio a contragosto. Era fofinho, apesar do pavão não ser nenhum pouco monogâmico e as outras espécies de aves também não. Ao menos o consentimento era algo bem presente nas relações dos pássaros.

— Você tá tão quieta, Táta... — Vê me cutucou. — Ainda tá pensando no que aconteceu ontem ou tem mais alguma coisa?

Encolhi meus lábios, pensativa. Não tinha contado nada sobre o lance com Daniel pra ela ainda.

— Ah, mais ou menos... — resmunguei dando meio de ombros, continuando a andar pelo corredor fingindo calma.

Foi quando sua boca abriu num sorriso enorme, como se uma lâmpada tivesse acabado de acender ali em cima da cabeça dela.

— Verdade! — exclamou mais pra si mesma que pra mim. — Você ficou com o Daniel no intervalo esses últimos dias porque eu tinha faltado, não foi?

Confirmei com a cabeça, meio sem-graça e, de certa forma, chateada por ela ter adivinhado tão fácil.

— Eu sabia! — Deu uns tapinhas na própria coxa toda feliz. — O que rolou?

Quase sem querer, respirei fundo pra ver se levava algum oxigênio pra cabeça e me impedia de dar uma resposta errada. Um passo errado e a Vê estaria era me shippando com ele. Dar assas aquele sentimento era tudo que eu não queria naquele momento.

— Nada. — Tentei despistar. — Os amigos dele só ficaram fazendo uma piada meio estranha com a gente.

— A "gente"? — Repetiu a palavra se divertindo cada vez mais. — Tatiana, Tatiana... Que "piada" era essa?

Meu Deus, ela tinha vigiado a gente de longe por câmera ou algo assim? Como suspeitou tanto de um simples "a gente" na frase?

Ah, e é claro, como se aquele momento não pudesse ficar pior, advinha o que aconteceu:

— PALMITINHA! — Daniel disparou um sorrisão ao me ver e simplesmente começou a CAMINHAR até mim.

Bem, aí só fiz o que qualquer pessoa normal em estado de pânico faria: fugir.

Sim. Mesmo com incríveis 17 anos nas costas, lá estava eu correndo pela escola toda doida como o diabo foge da cruz. Isso tudo, é claro, com o Daniel e a Verônica assistindo à palhaça.

— Amiga, você entendeu errado! — Ela gritou quando me alcançou depois de quase 2 voltas ao redor da quadra. — Não era...

— Para! — Pedi quase sem ar. Meu peito doía, mas quem dera fosse só por correr. — Não fala disso. Não fala do Daniel.

Ah não, o que era aquilo? A borda dos meus olhos estava molhando!

— Táta... — Tentou me acolher passando a mão nas minhas costas. — Ele só veio contar que o Eduardo gostou do seu texto, amiga...

E o troféu de maior insana do mês vai para...

— Pode se abrir comigo se quiser, Tati. — disse calma. — O que aconteceu entre vocês?

Engoli o ar com força. Ainda não conseguia acreditar que estava mesmo passando por aquilo. Quer dizer, eu sempre tinha sido ótima em controlar minhas emoções. Aquele show de imaturidade não tinha nada a ver com quem a Tatiana de 1 semana atrás costumava ser. Eu juro!

— Obrigada pelo carinho, Vê. — Sequei discretamente uma lágrima no cantinho do olho começando a nascer. — Mas ainda não tô muito bem pra falar sobre isso com você ainda. Desculpa.

Sem querer me pressionar, ela assentiu com a cabeça e tentou mudar de assunto.

*~*~*~*

Mais tarde, quando o Sol já estava pra encerrar sua festa chamada dia e, com ela, o período em que eu era obrigada a permanecer na escola pra contar presença no tal projeto, decidi aproveitar a volta pra ir ao mercado. Tinha um dinheirinho sobrando e queria comprar uma barra de chocolate amargo pra fazer brigadeiro. 

Aquele estresse todo só podia ser TPM, então nada mais justo que me mimar um pouco, né?

Caminhei pelos corredores até chegar à prateleira dos doces e bolachas em geral, meus olhos brilhando ao verem a embalagem preta e dourada.

E foi assim, logo que meus dedos tocaram o plástico do chocolate, que aquela maldita música começou a tocar: 

"It's you... It's always you...
If I'm ever gonna fall in love, I know it's gon' be you..."

"É você... É sempre você...
Se um dia me apaixonar, eu sei que será por você..."

Engoli a saliva, tentando fingir, mesmo que só pra mim mesma, que não tinha sentido nada, mas a letra conseguiu piorar:

"So, please don't break my heart
Don't tear me apart
I know how it starts
Trust me I've been broken before" 

"Então, por favor, não quebre meu coração
Não me despedace
Eu sei como isso começa
Confie em mim, já fui quebrado antes"

"Don't break me again                              I am delicate                                           Please don't break my heart                 Trust me I've been broken before..."

"Não me quebre de novo...
Eu sou delicado
Por favor, não quebre meu coração
Confie em mim, já fui quebrado antes"

Coincidentemente, assim que tinha acabado de comprar meu docinho, lá estava ele entrando no mercado com o Bambuca.

Foi quando a lágrima, a mesma que eu tinha tentado secar mais cedo, começou a escorrer. Mas daquela vez não a limpei. 

Não havia mais como negar:

Os cupidos tinham me atacado.

O Cadeado (quase) Inquebrável [Conto]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora