O indivíduo

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4.875 palavras


— Analise os sinais vitais!

Lembro com perfeição dessa voz metálica ecoando, fazendo reverberar em meus ouvidos físicos, em meus... dois orifícios receptores de som, essa primeira frase quando voltei à vida.

Senti me puxarem a pele, como se desgrudassem objetos do meu couro, das extremidades e do alto das têmporas. Vi que dedos frios forçavam minhas pálpebras a abrirem e lançavam feixes de luz branca de uma lanterna, o que recebi como facadas no meu cérebro. Perdi a noção de equilíbrio e fui sustentado por muitos braços longos de seres que lançavam sibilantes de admiração no ar.

Instintivamente, ergui a cabeça para a minha direita, deixando um olhar para os cristais coloridos, para o domo ao centro e para alto, para as redomas. Tudo aquilo não tinha cor, nem sinal primordial que eu sabia que se houvesse, eu sentiria estando dentro daquele corpo. Não havia mais a entropia cor-de-rosa.

Fui me estabelecendo sobre as duas pernas que vi com meus olhos físicos, sem muita orientação, cambaleei um pouco mais para ambos os lados, até que continuaram me sustentando com muita paciência.

— Qual o seu nome? – Uma daquelas vozes perguntou, enfatizando a última palavra.

Vi que um par de olhos cinzentos e vívidos me encarava, e o encarei de volta, sem admitir que aquilo não me era estranho. Era mais baixo que eu, e era ávido e curioso, encarquilhado, mas não velho. Suas vestes eram mais interessantes que as minhas, cuja aparência beirava à mendigagem, mas ele, tinha até jaleco branco sobre seus ombros.

— É necessário que ele descanse seu fluxo de raciocínio... – essa mesma figura de jaleco dizia -, ponham-no a dormir.

A maior estranheza daqueles momentos foi perceber o quanto eram iguais à coisa, ao ser que tanto me perseguiu durante minha existência ilusória. Acho que aprenderam o meu idioma especificamente, vasculhando nas minhas e nas memórias dos outros cérebros humanos que foram subjugados.

Fui colocado em uma maca dessas com rodas, para me transportar, e atravessei a porta daquela sala que por mais de cem anos tinha sido o meu lar. Li o acrônimo no vidro e estava, de fato, deixando a alcunha de S777 para trás, e minhas outras duas variáveis. Uma pena desperdiçar esses cérebros, me vi pensando, sabendo que se tivesse dito em alto e bom tom, um daqueles que eram a partir dali meus semelhantes, faria um gracejo para assentir a este infame comentário. E só depois da digressão, percebi que tinha sido grosseiro pensar dessa forma, ainda que involuntariamente.

Deitado na maca, em meio a passagem lenta através de um amplo corredor, percebi que ninguém acompanhava meu deslocamento, mas sentia estar sendo impulsionado adiante e busquei erguer os ombros e, consequentemente minha cabeça para que meu campo de visão vislumbrasse o indivíduo que me empurrava. Mas não havia ninguém me conduzindo, no entanto, até dobrava as esquinas dos corredores indo numa direção certeira até algum local naquele amplo ambiente.

Cruzei um local cujas laterais eram apinhadas por vidros translúcidos que me permitiram enxergar a mim mesmo pela primeira vez; e eu mirava aquele ser em mim, ou vice-versa. Via que na maca não existiam as rodinhas que eu acreditava até então, mas por suspensão magnética, flutuando perfeitamente sobre uma espécie de trilhos que a conduziam pelos corredores.

Vi que cruzei duas folhas de alguma porta e uma sala com algumas luzes acima de onde fui estacionado. Estava grogue, mas recordo perfeitamente de algum se aproximando e se inclinando. Usava uma roupa diferente dos demais, uma espécie de túnica que tinha um broche na altura do ombro direito com um emblema com um V elaborado em ouro.

CRIATURAWhere stories live. Discover now