capítulo 5. patos falantes

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22h36 Hora da Costa Leste - 03h36 Hora de Greenwich 

Depois de alguns minutos de voo, Thomas decide que já pode falar com ela de novo. Ao ouvir o som de sua voz, Maya sente alguma coisa ficar mais suave dentro de si e vai, aos poucos, relaxando as mãos.

— Uma vez — diz ele —, voei para a Califórnia no Quatro de Julho.

Ela vira um pouco a cabeça.

— Era noite e não havia nuvens no céu, então dava para ver os pequenos fogos de artifício pelo caminho, que nem fagulhas minúsculas embaixo do avião, em todas as cidades.

Maya se vira para a janela de novo. Seu coração dispara quando ela vê o vazio lá embaixo, o nada. Fecha os olhos e tenta imaginar fogos de artifício.

— Quem não sabia que eram fogos deve ter achado meio assustador, mas daqui de cima era até bonito, eram luzes silenciosas e pequenas. Era difícil acreditar que eram as mesmas explosões que você vê lá embaixo. — Fez uma breve pausa. — Acho que tudo depende da perspectiva.

Ela olha para ele de novo e observa seu rosto. 

— Você está falando isso para ajudar? — pergunta com delicadeza, tentando entender a moral da história.

— Não — diz com um sorriso —, estava só tentando distrair você de novo.

Ela sorri.

— Obrigada. Tem mais alguma história?

— Muitas — responde. — Posso falar até você cansar.

— Por sete horas?

— Aceito o desafio — diz para ela.

O avião já está estabilizado. Quando Maya começa a se sentir enjoada, tenta concentrar sua atenção no assento da frente, ocupado por um homem com orelhas grandes e pouco cabelo no alto da cabeça; não é completamente careca, mas dá para ver que vai ficar. É como ler um mapa do futuro. Ela se pergunta se todo mundo tem sinais como aquele, indicações secretas das pessoas que virão a ser. Será que dava para saber, por exemplo, que a senhora ao lado deles não veria mais o mundo com olhos azuis brilhantes, e sim por meio de uma bruma indefinida? Ou que o homem do outro lado do corredor teria que segurar uma das mãos com a outra para mantê-la parada?

O que a preocupa, na verdade, é seu pai.

Será que ele havia mudado muito?

O ar no avião é seco e viciado, incomodando as narinas de Maya. Ela fecha os olhos vermelhos e prende a respiração por um minuto, como se estivesse mergulhando na água, o que não é difícil de imaginar, pois estão nadando pelo céu infinito da noite. Abre os olhos e levanta a mão abruptamente para fechar a janela. Thomas dá uma olhada com as sobrancelhas erguidas, mas não diz nada.

Ela tem uma lembrança rápida e indesejada de um voo que fez com o pai há alguns anos, não sabe ao certo quantos. Recorda-se de como ele ficava mexendo na janela, abrindo e fechando repetidas vezes, para cima e para baixo, até que os passageiros do outro lado do corredor começaram a olhar com sobrancelhas franzidas e lábios tensos. Assim que o aviso que pede que os passageiros mantenham os cintos de segurança fechados apagou, ele se levantou, deu um beijo na testa de Maya, passou por ela e foi para o corredor. Por duas horas, ficou andando da primeira classe até os banheiros lá atrás. Parava para perguntar o que ela estava fazendo, como estava se sentindo, o que estava lendo, e aí saía de novo, como alguém esperando impacientemente pelo ônibus.

Será que sempre foi tão inquieto? Não tinha como saber.

Maya se vira para Thomas.

— Então, seu pai vem te visitar sempre? — pergunta, e ele olha para ela um tanto surpreso. 

Amor à primeira vista [Thomas Sangster]Where stories live. Discover now