capítulo 1. ação ilegal

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18h56 Hora da Costa Leste - 23h56 Hora de Greenwich

Aeroportos são verdadeiras câmaras de tortura quando se tem claustrofobia.

Não apenas por causa do iminente perigo — ficamos presos como sardinhas e somos catapultados pelo ar dentro de um tubo de metal —, mas também por causa dos terminais, da quantidade de pessoas, da confusão que turva a vista, do zumbido que atordoa, de todo o movimento e do barulho, do frenesi e do vozerio, tudo isso selado por janelas de vidro, como se fosse uma monstruosa fazenda de formigas.

Isso é apenas uma das várias coisas que Maya está tentando ignorar enquanto espera no balcão de embarque. Está ficando escuro e o avião já deve estar sobrevoando o Atlântico. Ela pode sentir alguma coisa em seu interior se desfazendo, como o ar que sai lentamente de um balão. Parte da sensação se relaciona ao voo muito próximo e parte ao aeroporto em si, mas o maior problema — o maior de todos — é saber que vai se atrasar para um casamento ao qual nem queria ir. Essa ironia do destino a faz querer chorar. 

Os atendentes da companhia aérea se reuniram atrás do balcão e olham para ela com impaciência. A tela atrás deles já anuncia o próximo voo do JFK para Heathrow, um voo que só sairia em três horas. Fica cada vez mais claro que é Maya quem está impedindo que o expediente da equipe acabe.

— Lamento, senhora — diz uma das atendentes, disfarçando um suspiro. — Não há nada que possamos fazer, a não ser colocá-la em um voo mais tarde.

Maya concorda. Ela passou as últimas semanas desejando secretamente que alguma coisa desse tipo acontecesse, embora as cenas que imaginou fossem mais dramáticas: greve nacional dos aeroviários, uma chuva de granizo épica, um caso raro de gripe ou de sarampo que a impedisse de viajar. Seriam razões perfeitamente aceitáveis para que não visse o pai caminhando pelo corredor da igreja para se casar com uma mulher que ela nunca havia encontrado.

No entanto, atrasar-se quatro minutos para o voo soava um pouco conveniente demais, até suspeito, e Maya não sabe ao certo se seus pais — tanto o pai quanto a mãe — entenderiam que não foi culpa sua. Na verdade, isso provavelmente faria parte da pequena lista de tópicos sobre a qual os dois concordavam. 

Foi ideia dela faltar ao ensaio para o jantar e chegar em Londres na manhã do casamento. Maya não via o pai havia mais de um ano e não achava que seria capaz de sentar em um salão com todas as pessoas mais importantes para ele — amigos e colegas de trabalho, o mundinho que construiu no outro lado do oceano — enquanto brindavam a sua saúde, felicidade e vida nova. Se pudesse decidir, nem iria ao casamento, porém, essa decisão não foi negociada.

— Ele ainda é seu pai — dizia a mãe como se ela tivesse esquecido. — Se você não for, vai se arrepender depois. Sei que é difícil imaginar isso quando se tem 17 anos, mas acredite em mim. Um dia você ainda vai se arrepender.

Maya achava que não.

A atendente digita no teclado do computador com certa ferocidade, batendo nas teclas e fazendo barulho ao mascar o chiclete.

— Você está com sorte — diz, balançando as mãos no ar. — Posso colocá-la no voo de 22h24. Assento 18A. Janela.

Maya fica até com medo de perguntar, mas arrisca mesmo assim.

— Chega que horas?

— Chega 9h54 — diz a atendente. — Amanhã de manhã. 

Imagina a caligrafia delicada no grosso convite marfim de casamento, que estava há meses em cima da cômoda. A cerimônia começa no dia seguinte ao meio-dia, o que significa que, se tudo sair conforme planejado — o voo e a alfândega, os táxis e o trânsito, se tudo for perfeitamente coreografado —, ainda há uma chance de conseguir chegar a tempo. Uma pequena chance.

Amor à primeira vista [Thomas Sangster]Where stories live. Discover now