A AUTOCONSCIÊNCIA EXCESSIVA SUFOCA O EU

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Filósofo: Já faz um tempinho que você não aparece, não faz?

Jovem: Sim, um mês. Desde então tenho refletido muito sobre a sensação de comunidade.

Filósofo: E como se sente em relação a isso agora?

Jovem: A sensação de comunidade é, sem dúvida, uma ideia atraente. A sensação de pertencimento, de que “é bom estar aqui”, por exemplo, que possuímos como um desejo fundamental. Acho que é uma noção brilhante sobre nossa existência como criaturas sociais.

Filósofo: É uma noção brilhante, porém...?

Jovem: Engraçado, você entendeu de cara. Pois é, ainda tenho minhas dúvidas. Para ser direto, não tenho ideia do que você quer dizer quando fala do universo e essa coisa toda, por isso fico com a impressão de que isso tudo é religião. Existe um quê de seita religiosa que não consigo aceitar.

Filósofo: Quando Adler propôs o conceito de sensação de comunidade, houve muita oposição desse estilo. As pessoas diziam que a psicologia deveria ser uma ciência, e ali estava Adler discutindo a questão do valor. Os críticos diziam que esse tipo de coisa não é ciência.

Jovem: À minha maneira, tentei descobrir por que não conseguia entender o que você estava falando e agora penso que talvez a ordem das coisas possa ter sido o problema. Você fala de universo e objetos inanimados, passado e futuro e assim por diante, e isso me confunde. Em vez disso, deveríamos alcançar uma compreensão clara do “eu”. Em seguida, analisar os relacionamentos interpessoais, entre “você e eu”. Só depois disso é que a comunidade maior deve entrar em foco.

Filósofo: Entendo. É uma boa ordem.

Jovem: A primeira coisa que quero esclarecer é o apego a si mesmo. Você está dizendo que é preciso evitar o apego ao “eu” e mudar para a “preocupação com os outros”. Tenho certeza de que é exatamente como você diz, que a preocupação com os outros é importante. Concordo. Mas, não importa o que aconteça, nós nos preocupamos conosco. Olhamos para o nosso umbigo o tempo todo.

Filósofo: Você refletiu sobre o motivo pelo qual nos preocupamos conosco?

Jovem: Sim. Se eu fosse narcisista, por exemplo – se estivesse apaixonado por mim e vivesse fascinado comigo mesmo –, talvez isso simplificasse as coisas. Porque eu sei que sua recomendação de que o indivíduo deve se preocupar mais com os outros é perfeitamente sensata. Mas não sou um narcisista que ama a si mesmo. Sou um realista que se odeia. Detesto quem eu sou, e é exatamente por isso que não paro de olhar para mim mesmo. Não tenho autoconfiança, daí minha autoconsciência excessiva.

Filósofo: Em que momentos você sente que é excessivamente autoconsciente?

Jovem: Bem, em reuniões, por exemplo, tenho dificuldade em levantar a mão e me fazer ouvir. Penso em coisas desnecessárias, como Se eu fizer esta pergunta, vão rir de mim ou Se minha opinião for irrelevante, eles vão me ridicularizar, por isso acabo me fechando. Confesso que hesito até na hora de contar piadinhas. Minha autoconsciência sempre entra em ação e me impede de ir em frente, como se eu estivesse numa camisa de força. Ela não me permite ser espontâneo. Nem preciso pedir sua resposta, porque, com certeza, será a mesma de sempre: tenha coragem. Mas, veja bem, essas palavras não servem para mim. Porque não é só uma questão de coragem.

Filósofo: Entendo. Da última vez, dei um panorama da sensação de comunidade. Hoje vamos cavar mais fundo.

Jovem: E aonde isso nos levará?

Filósofo: Provavelmente chegaremos à pergunta: o que é felicidade?

Jovem: Ah, quer dizer que a felicidade está além da sensação de comunidade?

Filósofo: Nada de precipitar as respostas. Precisamos de diálogo.

Jovem: Tudo bem, então. Vamos começar!

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A Coragem De Não Agradar Where stories live. Discover now