Com os olhos arregalados, estava certa de que nunca iria esquecer essa cena. O barulho do impacto do veículo contra o corpo do médico ecoava em sua cabeça, como se estivesse se repetindo várias vezes.

— Melhor você sair daqui. — Escutou a voz de Heliberto dizer, mas não se virou para olhá-lo. — Aprendi na matéria de Himériologia que alguns humanos não conseguem ver outros de sua espécie mortos. E a julgar pelo estado dele, eu diria que ele não está mais vivo. Mas como vocês dizem, ele deve estar em um lugar melhor. — Ele a conduziu para um local que deixava fora de vista o corpo morto de Leon.

— Eu... — Ela piscou, tentando afastar a cena de Leon estirado no chão de seus pensamentos. — ...não sei o que dizer... apenas que, se eu não te conhecesse o suficiente, diria que isso fez parte do seu superpoder de barata. — Tentou dizer de uma maneira descontraída para afastar um pouco da tensão que pairava no ar. — Pensando bem, eu não te conheço o suficiente. Você quem fez isso com ele por ele ter te demitido?

— Quê? Como você sabe?

O olhou assustada.

— Digo, como você sabe que eu fui demitido? Fiquei sabendo por Juliana o que significava essa palavra depois de ela ter me olhado estranho. Eu não lembrava dessa palavra. E olha que sempre fui bom em Língua Humana: Português. Ainda não consigo acreditar que foi seu irmão, bom, não irmão... enfim. Não acredito que foi ele quem fez isso. — Heliberto suspirou. — Na verdade, acredito sim. Esse tipo de acidente acontece muito aqui na sociedade humana. Ou talvez... — Ele levou a mão a boca e arregalou os olhos.

— O quê?

—Estou começando a achar que essa família é uma família de assassinos.

O olhou assustada novamente.

— Não me olhe assim. Bom, Leyla morreu e agora esse garoto matou o Dr. Leão. Acha que foi ele quem matou a Leyla?

— Miguel? Claro que não! É mais fácil ter sido o Bartolomeu. — Camila disse. — E ele tem apenas doze anos, o acidente de hoje foi acidental.

— Que Bartolomeu?

— O motorista. — Apontou para Bartolomeu, que ainda gritava com Miguel, irritado.

— Bem... existem psicopatas de doze anos! Eu aprendi sobre isso na matéria de...

— Himériologia, já entendi. — Revirou os olhos. — De qualquer forma, ele foi o errado mesmo; não devia de ter tentado dirigir um carro. Que tragédia. — Passou as mãos na cabeça de modo que jogaram sua franja e todo o seu cabelo para trás. — Tanta coisa está acontecendo, e só tem uma semana.

— Uma semana e eu já fui demitido só por não saber executar uma função direito! O certo não seria ele me ensinar? Não me leve a mal, Camila, mas o que aconteceu com o Dr. Leão foi merecido.

Camila olhou para Heliberto, espantada com o comentário. Estava cada vez mais convencida de que ele era maluco.

☿ ☿ ☿

O corpo de Leon já havia sido levado para dentro do hospital. Tentaram reanimá-lo, mas sem sucesso. Juliana disse para Camila que o impacto com o chão havia sido muito forte. Miguel foi encaminhado ao hospital para tratar de seus ferimentos enquanto Bartolomeu dava explicações à polícia.

— Eu já disse, eu apenas os mandei ficarem no carro.

— Não é seguro deixar crianças sozinhas no carro! — Um policial disse severamente. — Não só coisas como essas podem acontecer, como sequestro. Irei lhe aplicar uma multa! E terá que comparecer ao julgamento, com certeza a família do médico irá entrar na justiça contra você. — O policial enquanto anotava algo em uma pequena folha de sua caderneta. — Não pense que só porque é motorista de uma das famílias mais importantes do país pode se safar. E já que vocês têm bastante dinheiro... — Ele arrancou a folha e a entregou para Bartolomeu. — ...poderão pagar essa multa. — O policial se retirou.

A Viajante - O Outro Mundo (Livro 1)Where stories live. Discover now