Capítulo 17 - Surpresa no templo

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" Há pessoas pelas quais nos apegamos, mesmo sem possuir tais intenções. "


  Enquanto desciam o monte para o ponto de encontro, Hérion se pegou pensando em dúvidas que o corroíam por todo o caminho. Além daquelas claramente ligadas ao templo e Hérberus, lá no fundo existiam outras questões das quais o caçador não conseguia mais se abster. 

 - Sabe Daise, estive pensando. Quando as coisas se acalmarem, você pretende ficar com a Ivy? - Perguntou Burty aliviando um peso de suas costas. Por mais que tentasse negar e manter sua pose de durão, o caçador estava preocupado com o futuro da menina. - O que pensa em relação a isso?

 Daise não poderia parecer mais surpresa com aquela indagação, bem ali no meio do monte Northrodan.

 - Para ser sincera eu ainda não sei. Não consegui ao menos conversar com a minha irmã decentemente. Por mais que eu a ame, acredito que será melhor se eu me afastar e deixá-la em paz. Fiz muitos inimigos ao longo dos anos e alguns tiraram a vida de pessoas que eu amava. Não posso trazer Ivy para perto disso, eu não me perdoaria.

- Entendo. É mais fácil se afastar do que assumir as responsabilidades, não é mesmo? Vou te dizer uma coisa. A garota está sozinha nesse mundo cheio de perigos, os mesmos pelo qual você quer protegê-la. Está sem uma base! Acredito que no momento atual, a maior dificuldade que ela enfrenta é você.

 - Não me venha com Sermões! Ainda mais você! Acha que não sei a sua história? A história dos Burty?  Você perdeu a sua família para essas coisas! Para essa vida! Não vou admitir que me trate como se eu fosse um monstro, quando tudo que quero é proteger a minha irmã!

 Ouvir Daise falar aquele tipo de coisa sobre seus pais fez uma pequena veia saltar na testa do caçador. Mesmo assim, Burty se conteve e respirou fundo, com a consciência de que ele havia entrado naquele assunto primeiro.

 - Tem razão, eu perdi a minha família. A diferença é que tiraram meus pais de mim de uma forma que eu não posso mais alcançá-los. Já você... você mesma tirou a Ivy da sua vida. Apenas decida o que quer, pois se for pra ir embora outra vez, não fique alimentando os sentimentos dela dizendo que a ama! Só resolve o que tiver pra resolver e depois some! Mas, sendo bem honesto, eu espero que mude de ideia. Ivy precisa de alguém e não é bom passar pela vida sozinho. Vai por mim, eu sei bem disso.

 - Prefere que eu a coloque em risco do meu lado, ao invés de deixá-la segura? Você não sabe o que está me pedindo Hérion.

 - Pois bem, aí vão duas informações! Quando encontrei Ivy pela primeira vez, ela tinha sido presa por vampiros para servir como comida de Ogro. Se eu não chegasse lá, a menina não teria ninguém para salvá-la e provavelmente não estaria mais entre nós. A segunda informação é bem óbvia! Ela está aqui enfrentando Yetis, fantasmas, lobisomens e Hérberus! O fato de você se afastar não livrou ela dos perigos, apenas a deixou mais vulnerável. Pense nisso. Agora, não vou ficar mais enchendo seu saco, faça o que quiser! No fim das contas, eu não tenho nada com essa história mesmo. Só tente não magoar ainda mais a garota. 

 No término da descida, nenhum dos dois optou por falar e o silêncio envolveu a dupla, até finalmente avistarem a equipe na base da montanha. Ivy estava sentada sobre uma grande pedra e Ítalo conversava com Miguel, checando os ferimentos que o rapaz havia sofrido. 

  - Chegaram! - Exclamou Miguel. - Vocês estão bem? Conseguiram?

- Sim, estamos bem e com o Cetro, mas precisamos voltar para o templo agora mesmo! Hérberus está lá! - Contou Burty. - Na saída da caverna encontramos um lobisomem que estava sendo manipulado por ele. Aquele desgraçado... já estou cansado desses joguinhos!

 - Espera! Caso ele esteja realmente no templo, então o que aconteceu com Anameor? - Questionou Ítalo, com certo receio em ouvir a resposta.

 Hérion arregalou os olhos, pois sabia da proximidade que o arauto tinha com o velho. Procurar as palavras certas para dizer o que precisava ser dito ficava cada vez mais difícil. Era preciso coragem e Burty tomou fôlego, mas viu a mão de Daise tocar o ombro de seu amigo antes que ele pudesse dizer qualquer coisa.

 - Eu sinto muito! - Lamentou a mulher. 

 Não demorou para que Ítalo entendesse a mensagem. A tristeza tomou conta de si e  quase que involuntariamente o arauto caminhou para longe de todos, cambaleando pela neve enquanto filtrava o que aquilo significaria para ele. Miguel seria o primeiro a consolar o arauto, mas Hérion o impediu.

- Deixe-o respirar um pouco, depois você vai.

  Na medida em que a equipe dava espaço para Ítalo, Daise se aproximava de Ivy. O clima entre as duas não estava bom, pois ambas pareciam desconfortáveis uma com a outra, mas nada que as impedisse de conversar. 

  - Ivy... Hérberus é muito perigoso. Quando chegarmos no templo, eu gostaria que você e o seu colega fossem para um lugar seguro. Não quero que se machuquem!

  - Eu não vou fugir pra lugar nenhum! - Respondeu Ivy com firmeza. - Não abandono meus amigos! E por mais que eu não me sinta próxima a você, sei que isso pode salvar a sua vida. Você pode ter ido embora, mas não vou fazer o mesmo. Não sou assim!

  - Vocês são um bando de teimosos, isso sim! Mas, tudo bem. Não vou obrigar você a nada! Pelo menos tome cuidado e não corra riscos desnecessários.

  A menina concordou acenando a cabeça, o que não convenceu tanto a irmã, mas era o melhor que ela conseguiria naquele momento. O fim da breve conversa também marcou a volta de Ítalo, com um semblante fechado, como o de alguém que estava concentrado para a guerra.

-  Hérion! - Disse o arauto. - Abra o portal! Vamos pegar aquele desgraçado e fazê-lo pagar por tudo que já fez, pensou ou sentiu nessa droga de vida!  

 Burty concordou e imediatamente puxou de seu bolso o portal esférico que havia recebido antes de partirem para o monte, colocando-o sobre o chão.

 -  Nosfam Ipiyas! Serena Lúmia, templo dos monges Lumianos.

  A esfera levitou e mais uma vez se abriu revelando um portal roxo por onde todos passaram, exceto o arauto. Ítalo imaginava mil coisas em sua cabeça e, ao mesmo tempo, não gostaria de pensar em nenhuma delas. As questões eram muitas e um simples passo pelo portal revelaria como Anameor teria partido. A coragem foi chegando aos poucos, então atravessou e se deparou com algo ainda mais confuso.

 - Velho? - Indagou Hérion, dois passos a frente do arauto. - Você está... vivo! 

 - Mas é claro que está! - Disse uma voz calma e grave ecoando dos fundos. Era Hérberus em uma caminhada lenta pelo pátio, com um par de olhos azuis fitados no caçador. Seus cabelos longos e prateados chacoalhavam com o vento, batendo contra o sobretudo negro que usava e descia até o cano longo de suas botas marrons. - Como eu eliminaria meu aliado mais fiel? Esse é o homem que me prometeu Daise, Hérion e o Cetro no mesmo lugar! E vejam só, não é que ele cumpriu a promessa...


Hérion Burty - O caçador de LendasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora