As Cores do Amor, parte dois

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Assim, depois de anos sem deixar que vissem a aberração na minha cara, tirei o disfarce que restava.

— Não vais abrir os olhos? — "detalhes técnicos", tive vontade de dizer.

— Não gostaria de me guiar? Experiência nova, sabe? Pintar sem ter visto, apenas com o restante dos sentidos...

— Estamos atrasados! — enfiou os dedos na minha cara, me obrigando a abrir.

Silêncio entre nós dois. Eu era novamente o garoto estranho, com quinze anos de idade e o apelido "olho de frankenstein" rodando na escola.

— Era isso? Heterocromia? — para minha surpresa, ela não parecia nem um pouco surpresa.

— Não é extremamente esquisito pra você? — Impossível, estava apenas sendo educada.

— Uma condição genética? Tá, é bonito e legal. Tu não precisavas de tal estardalhaço. Vamos, estamos atrasados.

Fiquei levemente aliviado, talvez desapontado por esperar algum tipo de rejeição maior. Mas, como ela já tinha avisado, estávamos atrasados. Peguei meu celular, fones e a carteira enquanto ela checava alguma coisa nos papéis que carregava.

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Seguimos até um parque perto do nosso prédio, a pé. Nunca fui do tipo atlético — meu porte físico denunciava isso — andar a pé por tempo indeterminado não parecia o melhor jeito de passar a tarde.

— Vamos andar a pé?

Non. — respondeu ela.

— Não vi nenhum ponto de táxi por aqui.

— Porque não há. — ela falava de forma sucinta.

— E como vai ser esse tour? — me preocupei.

Bici. — indicou a fileira de bicicletas na borda do parque.

— Olha, minha mãe falou que não era pra eu ser preso. — Nem me permiti considerar um absurdo daqueles.

— São públicas, alugáveis. Um euro por hora. — começou a inserir moedas na catraca.

— E porque você está colocando três moedas? — "cara, se manca!", manifestou meu cérebro.

— O que achas? — me olhou como se eu fosse um acéfalo.

— Ótimo. — sorri, de nervoso.

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Ativei minha playlist e seguimos, ela sempre à frente.

— Primeira parada: Chaumont Parc — indicou, o mapa preso no guidão da sua bicicleta.

— Cuidado aí...olha pra frente. — de repente me veio a preocupação com algum acidente, tentei disfarçar com outro assunto — estamos chegando?

— Falta pouco, apressa-te que será mais rápido.

— Tá.

O caminho foi tranquilo, aumentei o som do fone quando começou a tocar Dona Cila, na voz de Maria Gadú.

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Estacionamos numa das bordas, adentrando as árvores secas e o chão semi-coberto de neve rala, o vento frio me fazendo arrepiar.

Para Onde Vão os Corações ApaixonadosWhere stories live. Discover now