5: Insatisfações Pessoais

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[Musica pós leitura]

Era quinta-feira, mas eu precisava resolver logo aquilo. Virei o copo de uísque e sai com passos largos intercalados com pausas para detalhar passo a passo o meu crime. Então liguei para ela:

- Você me ligando? Que milagre, hein...

- Pois então, estou indo ai... Tu mora no 306 né?

- Como? Acho que não ouvi direito, tu vais vir aqui? Só pode estar bêbado de novo... Não prefere que eu vá ai, como de costume?

- Não, não! Já estou a caminho, precisamos conversar.

- Hun... Ok, estou te esperando então.

A noite fria, vazia e a cidade fedorenta. Toquei o interfone, e ela sem nem perguntar já abriu. Entrei no prédio antigo com paredes amareladas e com o elevador estragado, obrigando a ir pelas escadas de degraus acentuados e iluminação precária.

No corredor do andar dela, perfume de jasmim, misturado com mofo do lugar que me deu fortes náuseas. Fui até o seu apartamento e ela abriu a porta.

- Não repare a bagunça Zequialdo.

- Puts! Como você encontra alguma coisa nessa bagunça toda?

- Eu falei para não reparar, seu chato! Quer cerveja? Se quiser também posso te fazer um chá de cianureto, rsss...

- Cerveja, por favor.

- Dispensando o cianureto? Que homem dedicado a ter uma vida longa e saudável que tu estás te tornando.

- O álcool da no mesmo, só que a longo prazo.

Pegou algumas cervejas e sentamos, nos espaços do sofá que não estavam ocupados com roupas e tralhas de todas as espécies. Acendemos cigarros e ela me ofereceu um cinzeiro que transbordava bitucas.

-Então o que veio me falar com tanta urgência? Ou só veio aliviar o teu stress usando o meu corpo?

Fraquejando diante da presença imponente e sedutora dela, dei um gole na cerveja, levantei-me e fui até o corredor.

- Onde fica o teu quarto?

- No final do corredor a direita, veem que eu te mostro.

Corredor extenso, e com a lâmpada queimada, deixando o ambiente com tons de meia luz. Ela abre a porta e para minha surpresa me deparo com um quarto do início do século dezoito, organizado, porém com poeira e teias de aranha nos cantos das paredes. Uma cama de solteiro com belos lençóis, um armário pequeno de madeira e uma escrivaninha, com apenas um livro em cima.

Além de tudo o quarto estava amarelado e possuía uma única janela, que dava direto para uma antiga estação de trem abandonada.

- Ual... É bem organizado aqui.

- Eu consigo me adaptar tanto a bagunça, quanto a organização, tanto na alegria, quanto na tristeza, tanto na multidão quanto a solidão. Venha, sente-se aqui.

Sentei na cadeira, ela pós suas mãos sobre meus ombros, e encostou sua cabeça no meu pescoço. Dando-me a sensação tanto de medo, quanto de conforto. Ela fala:

- Conhece esse livro?

- Sim, eu que escrevi, eu que te dei também... Que bom que gostou dele.

- Você que escreveu, mas eu que te inspirei...

- Talvez...

Levantou-se e saiu do quarto sem dizer nenhuma palavra... Continuei ali por alguns minutos, e então comecei a mexer em suas gavetas. Encontrei cartas de antigos amores, e objetos peculiares, enquanto os barulhos inexistentes dos trens lá fora, começavam a me incomodar...

O silêncio era mortal.

Voltei para sala, e lá estava ela com o semblante fechado, beirando a raiva.

- Eu já sei o que você veio fazer aqui... Tu vieste me matar não é? Eu que te aguentei todas as noites em que eu te deixava sair sozinho, sem que tu nem lembra-se que eu existia, só lembrava quando chegava de madrugada bêbado e sozinho, ou não, né? Eu aguentei ser a outra em todas as tuas relações, sempre que terminavam contigo, tu me prometia ser somente meu, mas sempre teve medo de me assumir! Fiquei contigo em todos os domingos, em todas tuas brigas e decepções e agora tu queres me matar!

- Tu é que causaste todas as situações desagradáveis de minha vida para ficar comigo. Tu não és boa, é oportunista! Se continuar assim, quem morrerá será eu... Tu tem me matado todos os dias com tuas aparições repentinas, me vicia, seduz, me cega, me deixa apático e vazio! Eu não quero isso! Quantas vezes eu já te mandei embora? Mas tu oportunista sempre volta na minha primeira fraqueza, só tem um jeito de acabar com isso!

Puxei a minha pistola, apontei para sua cabeça, e ela já sem nenhuma reação falou:

-Você não pode me matar, nem me calar por muito tempo.

Abri os olhos assustado, apontando a arma para o vazio, voltei a arma para minha cabeça.

-Será esse o único meio pra por fim em ti depressão?

Contos: Amoralidade Nas EntranhasWhere stories live. Discover now