O Chamado Dos Deuses

Capítulo VIII

Zach podia contar nos dedos de uma única mão quantas vezes já havia sentido medo de verdade. Quando não conseguiu achar Dominic ao cair da noite; a vez em que sua irmã Enya ficou extremamente doente e a maioria dos médicos da vila diziam erroneamente que não havia jeito de salvá-la, e por fim, o dia em que viu Yurem em Nasur Munkar. Em todos os seus anos de vida, haviam poucos acontecimentos que realmente o fizeram ter o medo lhe consumindo, a ponto de desejar nunca ter existido, para não ter que se sentir de tal maneira. E aquela noite, foi mais um desses momentos.

Quando vi Shaytan surgir através de Yasurama, aqueles arrepios que vinha sentindo foram explicados. Zach estava chocado e um tanto incrédulo, mas o medo... ele só veio quando teve que encarar Shaytan usando o seu amigo como uma marionete.

Yurem sempre cuidou dele e, naquela noite, não pôde fazer nada por ele, e tinha certeza de que, se não fosse por Izuna, ainda teria assassinado uma mulher inocente. Tudo isso se juntou em um grande medo em seu interior, e por tolice achou que o pior de tudo que poderia acontecer, era o que estava à sua frente, que o mal esperado já havia sido ultrapassado. Mas Zach estava enganado, e quando Shaytan levantou a espada e direcionou um sorriso macabro em sua direção, sentiu o medo profundo que há muito não tinha. Seu peito rasgou com as batidas fortes do coração que clamava pela segurança de Piers; o corpo se moveu sozinho, mas teria feito o mesmo, se estivesse consciente de como agia.

Zach nunca pensou que aquela preocupação que vinha sentindo se tornaria tão intensa como naquela noite. Jamais esperou desejar ser atingido no lugar de outra pessoa, e muito menos que ela seria Piers. A dor que sentiu, quando a espada atravessou sua perna, o fez gritar descontroladamente. Não conseguia pensar em nada mais além da lâmina presa na carne, mas quando caiu e sentiu os braços ao seu redor, teve uma estranha sensação, que logo foi explicada ao ver o rosto de Piers sobre o seu. Os olhos azuis estavam arregalados e desesperados, mas lhe trouxeram alívio. Piers estava vivo, e ainda que ele mesmo pudesse não estar nos próximos segundos, Zach ficou aliviado.

Quando sentiu a espada ser retirada, a dor voltou a tomar toda a sua atenção, e sequer pensou no que poderia vir a seguir. Se os outros conseguiriam fugir, se Yurem estaria bem, se Piers seria atacado mais uma vez... esses tipos de pensamentos foram deixados para uma outra ocasião, e só conseguia focar na dor que o rasgava a cada vez que sua perna era apertada.

Ouviu a voz de Makoto, Izuna, Mira, e logo se sentiu entorpecido. O corte não era mais sentido e, em um momento, pensou estar flutuando. Quando abriu os olhos, não estava mais sobre o chão, e mesmo com todo o frio que o congelava, sentiu um toque quente nas costas. Seu corpo balançava incessantemente e a ferida voltou a doer. Zach então entendeu que estava sobre um cavalo. Ele corria tão rápido que não conseguia reconhecer aonde ia, e ao olhar para baixo, notou que alguém o guiava atrás de si. O toque quente era o peito e os braços de alguém.

O Tenente tentou dizer algo, mas suas forças estavam no fim e apenas um murmúrio saiu pelos lábios roxos. Queria saber o que estava acontecendo, se todos estavam bem, e quem era a pessoa que o levava dali com tanta pressa, mas demorou um pouco mais para o calor em suas costas se apossar de seu corpo por completo, no momento exato em que teve a resposta.

Sentiu o hálito quente e ofegante na pele, e o som que saiu pelos lábios que esbarravam em sua orelha, o fizeram sorrir internamente.

— Nós estamos quase lá, Zach, não desista! — A voz de Piers exclamou suplicante. Ele o reconheceu imediatamente. — Não me deixe — sussurrou trêmulo.

A última frase, mesmo que dita em um sentido completamente oposto do que Zach entendeu, provavelmente o teria feito sorrir como um bobo, mas naquele momento, não conseguiu agir de maneira alguma. A escuridão voltou a abraçá-lo, e o calor de Piers se foi.