Sem Cielo - VI

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Naquela noite em que, no meio da selva, Nico havia se topado com a imagem de Cielo, a mesma noite em que os cientistas que monitoravam o relógio do sótão tinham detectado uma variação eletromagnética, uma discussão muito particular havia ocorrido em um lugar também muito particular.

Cielo não podia especificá-lo mas sentia que havia se passado muitíssimo tempo desde que chegara a esse lugar, depois de ter atravessado o portal do relógio da mansão. O paradóxo era que, assim como sentia que tinha passado muito tempo, também sentia que tinha ocorrido ontem. Na verdade, tinha perdido toda a noção do tempo, e talvez por isso que esse homenzinho inquieto, vestido de branco, que carregava dezenas de relógios, lhe dizia o tempo todo: "Não há tempo".

Cielo se lembrava do incidente: estava buscando sua pulseirinha, que queria usar em seu pulso no dia de seu casamento, quando apareceu Bartolomeu. Tinha gravado em sua memória o momento em que ele quis matá-la com um tiro a queima-roupa. E ainda estava admirada pelo o que havia ocorrido na sequencia: viu como o tempo parecia se deter, como a bala disparada por Bartolomeu freou a milímetros dela. Depois sentiu um calor intenso, mas agradável, e tudo ao seu redor se enchera de luz, até quase cegá-la. E no fim, o barulho estrondoso havia cessado, a luz branca desapareceu, e ela se encontrava no mesmo lugar, no sótão, mas este se via um tanto diferente. Não existiam rastros de Bartolomeu e nem de seu don Indi, que tinha ficado estirado no chão, ferido por um disparo de Bartolomeu. As paredes e móveis estavam idênticos, mas no entanto tinham uma coloração diferente, mais dourado. Recorreu a habitação, e ficou sem fôlego quando olhou através de sua janela: o céu parecia uma pintura impressionista, que lhe recordava a Noite Estrelada, aquele quadro de Van Gogh que ela tanto gostava. O céu era uma explosão multicolor, lindo, afetuoso, irreal. Tinha consciência de que acabara de viver uma tragédia, no entanto sentia seu coração a pleno, sossegado, e uma profunda alegria. Decidiu sair do sótão e descer ao andar de baixo, pensando que ali encontraria a todos os garotos e a Indi, mas, ao abrir a porta, se topou com um homenzinho pequeno, vestido integramente de branco, e com vários relógios pendurados em seus bolsinhos. O homenzinho parecia um poodle branco, excitado e agitado, que com seus olhos um tanto úmidos e um sorriso bem amplo abriu seus braços de par em par e lhe disse:

- Bem-vinda!

- E você, quem é?

- Eu sou... me chamo... Bruno Bedoya Aguero. Mas talvez esse sobrenome te traga más recordações. Melhor me chamar de Tic Tac...

Primeiro Cielo pensou que tudo se tratava de um sonho. Depois temeu que fosse um caso de devaneio, enquanto que na realidade estava agonizando pelo impacto da bala. Ele lhe assegurou que não se tratava de uma coisa e nem de outra.

- Então o que é isso? Onde está Indi? Quem é você? Onde estão todos?

- A pergunta, Cielo, - disse ele - é onde você está...

- Em minha casa estou! - afirmou ela como se fosse uma óbviedade.

- Isso é verdadeiro e falso ao mesmo tempo. - propôs ele.

- Esta é minha casa! - insistiu ela, e abriu a porta para sair.

Mas ao fazê-lo, viu que atrás da porta havia um abismo. Ela girou para olhar para Tic Tac, que só sorria. Parecia feliz de vê-la.

- O que é isso? Onde estou?

- Aí vamos bem. - disse ele satisfeito. - Essa é a pergunta correta.

- Então me diga a resposta correta. Isto é Eudamón?

- Não.

- Isto é o céu? Estou morta?

Quase Anjos - O Homem das Mil CarasWhere stories live. Discover now