Nas Ondas do Havaí, parte dois

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— A vinda dele para o Havaí foi uma verdadeira tramoia, não só dele. Arquitetamos tudo isso, junto ao senhor Akira e ao Lorenzo, um amigo que ele conheceu na faculdade. Não foi fácil, mas Kai 'tava determinado, viu nessas férias a chance de ser reconhecido, principalmente pelos pais. E talvez, uma forma de esquecer da sua dor. — A garota soltou um suspiro longo, pensativa, a ponderar se deveria dizer mais. Talvez, devesse. Era o futuro e o passado de seu melhor amigo, afinal. – Não sei o quanto ele lhe contou sobre a sua vida, aquela que é distante das ondas. Kai é um cara que ainda tenta carregar a dor que a perda traz.

Tais palavras fizeram o corpo de Ayla travar. Assim como ela, Kai sabia o que era perder alguém.

"O quê? Do que está falando?"

Wendy riu, um sorriso triste que não condizia com seu rosto sempre tão animado. Com um suspiro, sem desviar do horizonte, falou:

— São Genésio, a cidade em que vivemos, é muito pequena, e todo mundo acaba se tornando muito próximo. Kai, com a personalidade que tem, sempre tão animado, determinado, alegre, é como um "imã", que atrai as pessoas para si, e no ensino médio, não foi diferente. Ele tinha muitos amigos, mas todos lhe diziam que o surfe era loucura, exceto a Gabi. Eram uma dupla, sabe? Não se separavam nunca.

A Wood engoliu seco, a aguardar. Aquela realidade tão feliz de Kai parecia – e estava – prestes a se estilhaçar.

A sereia assentiu, sem ousar interromper.

— Gabriela era descendente de coreanos, e ele, de japoneses, então a amizade deles foi quase imediata. – Riu a Lamberg, imersa em suas memórias. – Ela nunca foi a favor do garoto fazer Direito. Se ela o visse hoje, o arrastaria pelas orelhas da sala de aula. – Brincou. No entanto, seu sorriso se esvaneceu como uma nuvem à escurecer o sol. – Kai foi muito machucado. Todos somos, mas ele já passou por muita coisa. Os pais nunca o apoiaram no sonho dele, de ser um atleta; eles são extremamente rígidos, e colocaram o garoto em uma faculdade em que ele não se encaixa. Você o enxerga vestido em um terno e preso em um escritório o dia todo? – Perguntou a ruiva, com certa raiva. — Eu não. Ele sempre procurou ser reconhecido, tanto que veio para cá, para ganhar o torneio e, talvez, obter o mínimo de reconhecimento da família. Ninguém o entende, Ayla. Mesmo que ele carregue a dor de ser excluído na própria casa, e até de perder alguém que lhe era importante.

A loira piscou, engolindo em seco. O surfista, como ela, descobrira o espaço vazio e quebrado que restava em um coração despedaçado pela inópia; pelo arrancar de alguém de seus braços.

Kai era um oceano à esconder a dor que o acertava.

Mas, a garota não se atreveu a interromper.

— É, Ayla. Todo mundo carrega as suas cicatrizes. Ainda mais o meu BFF. Até mesmo a pulseira azul que ele carrega no pulso direito, sabe? É uma lembrança, uma dor recente que ele tenta carregar.

Ayla ficou surpresa ao notar que lágrimas desciam timidamente pelas bochechas alheias, que voavam em meio à brisa do verão.

— Havia essa garota na nossa cidade, a Gabi. Ela foi a primeira a reconhecer que Kai nunca se daria bem no mundo dos negócios, que tinha um espírito rebelde. Ambos se davam muito bem, ainda que rolassem algumas brigas por conta da ascendência deles, já que Gabriela era coreana, e ele japonês. Briga de amigos, sabe? Como idiotas. — Brincou a mais velha, tão imersa em suas memórias que parecia ter viajado ao passado, um lugar em que tantas coisas ainda não haviam acontecido. — Kai tem uma aura boa, algo que nos faz querer sempre ficar próximo dele, mas a presença da Gabriela, para ele, era um tanto única porque ela não o tratava como um louco completo. Eu sou a melhor amiga dele, mas ela, por ter a mesma idade, era a que estava mais próxima em certos momentos em que eu não podia, entende? Kai entendia também. Ele valorizava muito todos os anos passados naquela amizade. Brincávamos que um dia se casariam, mas eu sabia que nada daquilo era interesse; eles eram como irmãos.

Para Onde Vão os Corações ApaixonadosWhere stories live. Discover now