Seoulmate, parte um

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Durante o encontro, após falar sobre ter sentido minha falta nos meses em que sumi, tia Mirae me falou que doaria algumas coisas da Gabriela e me pediu para dar uma olhada em seu quarto, para ver se havia algo que eu gostaria de manter comigo.

"Pedi o mesmo ao Kai na última visita dele", ela citou um outro amigo de Gabriela, o qual estudava conosco, mas nunca foi particularmente próximo de mim, o que implica dizer que nós não nos falamos desde o ocorrido. "Ele ficou com uma pulseira. Aquela que a Gabi sempre usava".

"Entendi", murmurei, sabendo muito bem que pulseira era aquela, porque eu usava uma igual. Uma pulseira idiota dos desejos.

"E então? Você vai dar uma olhada?", tia Mirae questionou, enfatizando o seu sotaque diferenciado.

Para ser sincera, eu não me sentia pronta para entrar em um lugar com tantas lembranças de Gabriela, mas também sentia que acabaria me arrependendo se não ficasse com algo para recordar dela. Por isso, assenti para a tia Mirae e depois segui rumo à terceira porta do corredor do andar superior, a qual estava entreaberta.

Já no quarto, remexendo em uma das caixas de papelão espalhadas pelo tapete, encontrei o diário da minha melhor amiga com várias páginas dedicadas a seu sonho de viajar comigo para Seoul e me apresentar a sua segunda cultura.

Gabi era descendente de coreanos. Os avós maternos dela migraram para o Brasil quando a tia Mirae tinha nove anos. Os avós não se acostumaram por completo com o país, então voltaram para a Coreia do Sul após vinte anos e desde então Gabi os visitava com a mãe de vez em quando e sempre voltava para São Genésio com muitas histórias para contar.

Antes de morrer, ela planejava viajar para lá de novo, mas comigo. Era sobre isso que escrevia no diário, mantendo-o como um guia dos lugares por onde nós deveríamos passar juntas, e as coisas que ela deveria me fazer experimentar.

Ler as páginas do roteiro de viagem foi doloroso, como tudo ligado a Gabi depois que ela se foi. Chorei durante um bom tempo agarrada ao caderno e só parei quando tia Mirae apareceu e tentou me consolar, mesmo estando tão ou mais destruída do que eu.

Quando nós nos despedimos naquele dia, saí de sua casa com a jaqueta favorita de Gabriela e o caderno repleto de seus últimos planos. Ainda não sabia muito bem o que faria com a segunda peça. Disse a mim mesma que ambos os itens eram somente lembranças, mas li e reli as páginas do caderno até a vontade de fazer a viagem se impregnar em mim, e então, aos poucos, dei início ao complexo plano de tentar convencer minha mãe a mudar a rota de nossa viagem anual de férias.

Não foi fácil.

Dona Cláudia fez de tudo para tentar me fazer mudar de ideia, mas permaneci convicta e acabei ganhando após jogar sujo e lhe informar que os melhores produtos de beleza do mundo estão na Coreia do Sul. Depois disso, ela topou. Ficamos dois meses organizando a viagem e pousamos no país que eu só conhecia dos relatos de Gabi há três dias, junto com um grupo de turistas brasileiros do estado de São Paulo e guiadas por André Kim, um brasileiro com ascendência coreana e guia turístico responsável pelo grupo.

Mamãe e eu havíamos comprado o pacote de viagem de quatro dias, o qual contemplava todos os tópicos de lugares que Gabriela queria me levar e havia escrito em seu diário. Em contrapartida, ele não nos deixava com muito tempo livre para experimentar fazer compras ou comer em lugares populares, como minha mãe fez questão de reclamar após nossa chegada na segunda-feira à noite. Naquele dia, ela já estava em um baita mau-humor, o qual só foi piorando.

Com o guia turístico e os outros membros do nosso grupo de brasileiros em Seoul, no primeiro dia fomos em um passeio pelo complexo de palácios Ch'angdokkgung (cuja pronúncia é algo como Tchen-Dok-Gon, de acordo com André) em um ônibus de dois andares, daqueles cujo segundo andar não tem cobertura. O "Palácio grandemente abençoado pelos céus" (como André informou significar o nome) era magnífico e enorme, com uma arquitetura bem diferente da ocidental. Cheio de alas e pátios, André informou que chegou a ser usado como local de gravações de filmes e novelas.

Para Onde Vão os Corações ApaixonadosWhere stories live. Discover now