I - Igual A Mim

48 3 0
                                    

Quarta-feira, 31 de maio, 1972

Ambar estava farta, os seus óculos já tinham deslizado até meio do seu nariz sem ela notar, enrolava as pontas do seu cabelo entre os dedos. "Quem é que se lembra de pôr miúdos de onze anos a fazer isto?!" - As aulas de apresentações orais eram as piores, já não bastava ter de apresentar para toda a turma, ainda tinha de assistir aos seus colegas.

Faltavam oito minutos para a aula acabar, a professora não tinha autorizado Ambar a ir à casa de banho quando pediu à meia hora atrás, mas podia tentar novamente e dizer que já não conseguia aguentar mais, pensou ela. No fundo, o que realmente já não aguentava mais era ouvir Kevin a falar dele e de como a sua querida mãe o ajudou a fazer aquela apresentação sobre mamíferos em vez de apresentar o trabalho.

A paciência nunca foi uma das suas grandes qualidades, e mesmo aqueles oito minutos iam ser uma tortura na cabeça dela. Pediu autorização e teve sorte, a professora devia estar tão cansada da sua própria aula que nem contestou o pedido.

O seu plano era esperar numa das cabines da casa de banho até ao toque de saída. Ouviu alguém entrar pouco depois dela, mas além disso não ouviu mais nada, nenhum barulho da porta de uma das outras cabines a fechar, nenhum barulho de água a correr... Se não tivesse escutado os passos da pessoa provavelmente nem saberia que estava lá outro alguém além dela. Ambar concentrou-se para tentar ouvir alguma coisa, parecia que ouvia uma respiração acelerada. Decidiu espreitar por baixo da porta e viu umas botas castanhas. "Parece uma rapariga, acho que já vi aquelas botas em algum lado..." – não sabia o que fazer por isso esperou um bocado na expectativa da pessoa se ir embora.

A campainha para a saída da aula tocou e Ambar já estava farta de esperar, por isso, decidiu arriscar:

— Está tudo bem aí fora?

— Aãn... Sim, sim... — disse uma voz baixa e trémula.

— De certeza? — a sua voz saiu com um tom de dúvida não muito agradável, não queria ser rude. Quem quer que fosse que estivesse do outro lado da porta, não parecia estar nada bem.

A pessoa não respondeu e Ambar abriu a porta da cabine onde estava e viu que era a sua colega de turma, Ava, que estava de pé apoiada com as duas mãos no lavatório.

— Desc-- O que é que aconteceu? — ela não sabia bem o que dizer, colocou os seus cabelos atrás das orelhas e aproximou-se.

— Nada, está tudo bem.

— Bem... — Ambar fez uma pausa enquanto pensava — tu estavas nervosa na apresentação, foi isso que te pôs assim?

— Notou-se imenso eu já sabia... correu tão mal!! — disse aos soluços.

— O quê?! — Ambar queria rir-se da situação, mas não podia condenar a colega, ela própria ficou nervosa — Correu bem!!! Só não foste tão brilhante como costumas ser, desta vez foste só muito boa ok?

Ava deu um pequeno sorriso, mas ainda não parecia calma. Ambar aproximou-se dela, virou-a para si e pôs as mãos nos seus ombros, reparou que era só ligeiramente mais baixa que a colega, o que não costumava ser normal, olhou-a nos olhos.

— Podes chorar vá! Mais vale isso do que estares aqui a tentar conter a vontade!!! — os olhos redondos e castanhos de Ava encheram-se de lágrimas, mas mesmo assim ela não parecia querer deixá-las cair — Só estamos aqui nós as duas, sei que não somos propriamente amigas, mas não vou andar por aí a dizer a tod--

*SHOOOSHHHHSHOSHHHHSHOOOSSHHH*

Sem mais nem menos todas as torneiras se abriram. As duas correram para as fechar, iam de lavatório em lavatório, mas não conseguiam.

— Outra vez não... — murmurou Ava, as lágrimas caiam-lhe pelo rosto sem parar.

— Como assim outra vez?? Isto já te aconteceu?! — Ambar estava em aflição, já não tinha problemas com magia acidental há anos.

— Han?! Não não, não sei de onde é que isto veio nunca me aconteceu nada disto!!!

Ava parecia atrapalhada, limpava as suas lágrimas de uma forma meio desajeitada, mas não as conseguia fazer parar. A água continuava a correr. Ambar percebeu que só podia haver uma justificação para aquilo estar a acontecer. Mas... era impossível!

Voltou a pegar nos ombros da colega e disse-lhe que respirassem as duas juntas, era algo que a sua mãe costumava fazer. Ficaram uns dois minutos em silêncio só a respirar e a olhar nos olhos castanhos uma da outra. Os olhos de Ava eram de um castanho-claro, já os de Ambar eram mais amendoados e castanho-escuros, ou pelo menos era o que parecia, quando estava à luz do sol ou contra uma luz forte notava-se a sua verdadeira cor de mel. A água parou, Ava parecia mais calma.

— Obrigada.

— Ava o que foi isto?

— Isto? Não sei! Vi o mesmo que tu!!! - uma das torneiras mais perto delas voltou a abrir.

— Hey, calma! Só perguntei para saber o que achavas!!! — Não era verdade, mas também não sabia porque tinha feito aquela pergunta, não é como se as pessoas andassem por aí a dizer que têm episódios de magia acidental porque são bruxos.

Ava respirou fundo, tinha os olhos vermelhos de ter estado a chorar.

— Sim, desculpa.

— Ah, tudo bem!! Devíamos voltar para a aula, já deve ter passado o intervalo.

— Tens razão! – Ava pareceu preocupada e Ambar riu-se, não fazia mal chegar atrasado às vezes — Obrigada por me ajudares.

— De nada.

Saíram as duas da casa de banho, foram em silêncio até à porta da sala até que Ava parou com os olhos focados no vazio:

— Olha... disseste que não somos amigas, mas... Nenhuma das minhas amigas veio procurar-me no intervalo, já tu ainda me tentaste ajudar. — disse isto numa voz calma, como se estivesse a utilizar uma parte mais racional e não o lado descontroladamente emotivo que Ambar acabara de presenciar.

— Bem, tecnicamente também não te procurei — respondeu-lhe em tom de brincadeira, o que fez a rapariga olhar para ela.

— Eu sei, só quis dizer que fizeste o que uma amiga faria.

Ambar acenou dando um pequeno sorriso e entraram na sala, mas o que se passou naquela casa de banho ficou na sua cabeça, sabia que não tinha sido ela a fazer aquilo, por isso só podia ter sido Ava, o que queria dizer que... "ela é igual a mim, é uma feiticeira!".

Ainda não tinha acabado a última aula do dia e Ambar já tinha decidido o que fazer. Ia contar tudo aos seus pais ao jantar, eles de certeza que sabiam explicar o que se passou, eles saberiam dizer-lhe se Ava era uma feiticeira também.

No final da aula foi tirar uma dúvida com o professor de história e aproveitou para olhar para a lista da chamada, Ava Thompson, talvez ela viesse de uma família pequena de feiticeiros que os seus pais nunca lhe falaram.

💫 

Espero que tenham gostado deste primeiro capítulo!! Esta primeira parte até Hogwarts vai durar mais uns capítulos, mas vale a pena!

Sintam-se à vontade para comentar, um beijo!!! <3

Nós Contamos A Nossa HistóriaWhere stories live. Discover now