A única coisa que o sem noção vestia era uma bermuda de pano preta, uma camisa regata jogada no ombro provavelmente pra vestir depois que me causasse constrangimento e uma toalha na mão.

Fui seguindo ele até a sala ao lado do ringue, ele jogou a toalha por cima de uma cabideiro, vestiu a regata e se sentou na cadeira atrás da mesa apontando pra cadeira da frente pra eu sentar.

— Não sei se o meu irmão te contou, mas aqui não temos aulas de dança. — ele disse sério apoiando as mãos na mesa.

Tá de sacanagem.

— Eu tô fazendo o que aqui então? — me atrevi a perguntar intrigada mesmo, com um bico do tamanho do mundo e quase levantando da cadeira.

— Você é sempre assim? Afobada, acelerada? — ele disse tirando os braços da mesa e relaxando pra trás na cadeira.

— E você é sempre assim? Ignorante, agressivo, sério? — arqueei a sobrancelha.

Ele ficou me fitando como se me analisasse e eu o encarei da mesma forma. Sei que todo mundo parecia o enxergar como ameaçador, mas eu que não ia me fazer de idiota.

Depois de todo suspense me olhando sério, ele abriu um sorriso fraco de lado, molhou os lábios e se ajeitou de volta.

— Não temos aula de dança, mas muitas mães vem aqui procurar e achei interessante começar com você, já que Daniel te conhece e isso aqui infelizmente também é dele.

— Quando eu começaria? Quais horários? E ballet, né!? Curto outras danças, mas ballet é o que eu mais tenho experiência. — voltei a me animar.

Não era de me abalar e me emburrar pra sempre. Voltei com meu sorriso no rosto feliz por estar quase certa de começar a trabalhar e ainda com o que eu amo.

— Amanhã, se possível. Eu já sabia que você ia aceitar, então fiz contato com algumas pessoas que já fizeram as matrículas das filhas. Tenho horário pra noite e pra tarde, e por enquanto, pra começar, ballet. — ele disse abrindo a gaveta da mesa.

— Você é tão convencido a esse ponto, Patrick? E se eu não aceitar? — cruzei os braços. — Você nem me conhece.

— Você vai aceitar ou não? — parou de mexer na gaveta e me olhou.

Engoli a seco. Queria ter a possibilidade de me fazer difícil, mas eu real precisava da grana.

— Vou! — disse.

— Então é isso. — ele puxou um papel da gaveta.

Nós ficamos acertando questões burocráticas, salário e tudo me caiu bem. O ambiente era maneiro, o dinheiro era bom, o difícil seria ele, com esse temperamento louco, mas enfim, chefe é chefe, e enquanto eu pudesse, me manteria longe.

— Tudo certo, Alicia Ferraz. — olhou meu nome assinado no papel. — Te vejo amanhã! — nós nos levantamos parando um na frente do outro.

— Até, Patrick. — apertei a mão dele e dei as costas.

— Dá próxima vez vê se não me confunde, Daniel pode ser dono também, mas seu chefe sou eu. — ele disse me fazendo virar pra ele. Ele tava com as mãos dentro dos bolsos com um olhar penetrante. Ele queria me provocar, isso era certo.

— Pode deixar, meu negócio com ele é outro, se é que você me entende. — dei meu melhor sorriso provocador e cínico e me virei saindo da sala.

Daria tudo pra ver a cara dele, mas não queria perder a pose. Assim que estava longe do escritório fui saltitando pra fora dali, enfim empregada.

Passei num mc donald, comprei lanche pra mim e pra Duda de tão feliz que estava e fui pra casa.

— Olááá, cadê Duda? — abri a porta de casa vendo Matheus servindo água no copo.

— Saiu com a cunhada dela e o irmão, fiquei pra gente ter sessão cinema como antigamente. — ele disse me oferecendo água e eu neguei.

— Ótimo, porque eu trouxe lanche! — levantei a sacola no ar e ele esfregou uma mão na outra com fome. — Finalmente empregada.

— Lá na academia do Daniel? — eu assenti. — Com o Patrick? Vish.

— E por que você não me conta porque vocês falam assim dele? — disse curiosa.

— Ah não, gosto quando você descobre as coisas sozinha e vem me contar. — ele se jogou no sofá procurando o controle.

— Você sempre me contou tudo, Theu. — fiz bico brava.

— Eu sei Ali, mas é que o Rio de Janeiro é diferente, quero ver você tendo suas próprias experiências, sem uma fonte externa. — ele disse.

— Aff, toda hora uma história diferente. — revirei os olhos.

— É minha filha, nossa área é mais pequena do que parece, todo mundo tem uma ligação.

— Tô vendo! — dei de ombros puxando meu lanche do saco e entregando o dele.

Decidimos ver divergente pela vigésima vez e fomos saboreando nosso lanche.

Depois que acabou ficamos trocando ideia sobre algumas fofocas de São Paulo do pessoal que conhecíamos, várias vezes fiquei com vontade de tocar no assunto do problema da Duda com ele, mas não quis invadir a relação, só se ele fizesse algo muito escroto, aí sim eu tomaria essa liberdade.

Acabou que Duda chegou e os dois foram pro quarto e eu fiquei mexendo no meu celular, conversando com Jade e Daniel ao mesmo tempo.

Não fiquei também por muito tempo, arrumei meu quarto, ajeitei uns erros do trabalho pra entregar, deixei as coisas preparadas pro dia seguinte e curti meu domingo na netflix até cair no sono.

Era uma vez, AliWhere stories live. Discover now