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Eu sempre odiei funerais. Sempre os odiei, porque é uma despedida. É a última vez que vemos determinada pessoa. Nós sabemos que quando vamos a um funeral, uma das pessoas nunca vai sair do cemitério connosco. Eu também acho um pouco sufocante.

Termos de viver o resto das nossas vidas dentro de uma caixa debaixo do solo. Só a ideia de saber que milhares de pessoas estão debaixo do solo onde pisamos agora arrepia-me.

Mas eu decidi ir ao funeral do Bob, porque apesar de ninguém me querer lá, eu não tive culpa da sua morte. O Bob, apesar de nunca termos falado muito, parecia ser uma boa pessoa. Era um pouco estranho às vezes, mas era sempre muito animado e fazia de tudo para garantir a felicidade da sua família.

Aproximei-me dos reis, com o Hans ao meu lado direito, e nunca ninguém me tinha olhado com tanto desprezo como a Rose naquele momento. Era como se nunca tivéssemos sido amigas. Mas acho que não era o que ela me dizia que mais me magoava. O que mais me magoava era que eu já estive no seu lugar. Eu já fui hipócrita e inconsequente como ela está a ser agora.

Depois de experienciarmos a morte de um próximo, nunca mais voltamos a ser os mesmos.

— Scarlet, achas que foi boa ideia virmos? — o Hans perguntou-me. Eu tinha-lhe pedido para virmos no final do funeral, porque eu tinha de vir. Eu não podia perder o funeral do Bob.

E nesse momento, vi que todos os reis e nobres, mais o povo da Terra que estava fora dos portões do cemitério dos reis, atiraram trevos de quatro folhas ao ar, preenchendo o céu de esperança e de sorte.

Os trevos sempre foram a planta favorita do Bob. Lembro-me que quando era pequena, eu tinha encontrado um trevo de quatro folhas e tinha-lhe dado como presente. Na altura, ele não aceitou e disse Fica com ele, Scarlet, eu não mereço a sorte desse trevo, mas tu sim. Continuei sem entender o que ele queria dizer com isso, e parece que agora nunca irei saber.

— Scarlet? — perguntou a Rose com uma voz arrastada e veio na minha direção, quando todos os trevos que estavam no ar caíram ao solo. A raiva e tristeza nos seus olhos notavam-se bem.

— Rose, não. — disse o Dylan, segurando-lhe o braço para ela não vir até mim. — Não faças uma cena, aqui não. — ao menos ele estava a pensar direito.

O Adler apercebeu-se da confusão e aproximou-se também. Ele olhou para mim e fez um pequeno sorriso que logo desapareceu quando pôs os olhos no Hans. Perdi alguma coisa?

— Anda, Rose, vamos conversar. – disse o Adler, ainda com os olhos fixos no Hans e depois afastou-se com a Rose por entre a multidão.

Reparei que o Hans estava inquieto e um pouco constrangido pela maneira que olhava para todos os lados exceto para mim. Ele aproximou-se de mim e disse um rápido Eu vou indo, vemo-nos no castelo, e afastou-se de mim. Que estranho...

Esperei uns minutos, encostada a uma árvore afastada da campa do Bob, à espera que todos fossem embora. Um por um, foram saindo do cemitério, até que eu fiquei sozinha.

Fui-me aproximando devagar da campa do Bob, em silêncio. Eu não sabia porque ainda estava ali. Apesar de eu não ter nada haver com a morte dele, eu sentia-me culpada. Sentia-me culpada de alguma forma.

— Tu arrependeste? – a voz rouca do Dylan soou atrás de mim, assustando-me. – Arrependeste de ter matado a Raven?

Ele ficou ao meu lado a olhar para mim com os seus olhos azuis desconfiados, mas eu não tirava o olhar da campa do Bob e da foto dele. Era tão estranho saber que uma pessoa cheia de vida como ele estava agora morta.

— Eu não me arrependo de nada. — olhei para os olhos dele, sem conseguir perceber o que ele estava a sentir neste momento. — Faria tudo da mesma maneira.

Eu estava a ser sincera. Quando fomos ao Reino da Espiritualidade, antes do verão, eu sabia que eu só tinha uma opção. Matar ou morrer. Eu decidi escolher a primeira opção. Se fiz a escolha certa? Não sei. Mas se estou arrependida de ter matado a Raven? Não. Se ela estivesse viva, um de nós os quatro estaria neste cemitério também.

— Essa é a diferença entre nós os dois. Tu nunca te arrependes de nada, e eu sim. – a sua voz saiu calmamente pelos seus lábios rosados. Parecia uma melodia para os meus ouvidos, e talvez eu até adormecesse com ela, se as suas palavras não tivessem sido tão frias.

— Do que é que te arrependes? – voltei a olhar para a campa do Bob e tirei do bolso do meu casaco o trevo de quatro folhas que tinha encontrado há vários anos atrás e que era para dar ao Bob, mas ele não aceitou.

Eu nunca achei que algo como a sorte existisse. Se existisse realmente, os meus pais, a mãe do Dylan e o Bob estariam vivos. Mas este trevo deu-me azar em toda a minha vida. Talvez ele não era indicado para mim. Talvez eu estou destinada a ter uma miserável vida de desilusões. Ou talvez eu não seja digna de algo como a sorte. Mas eu sei que o Bob era. Ele merecia ter sorte na sua vida. E agora, como já vou tarde, vou-lhe dar este trevo para ele ter sorte na sua outra vida.

Pus com cuidado o trevo de quatro folhas já enrugado e seco, na sua campa. Comparado com todos os outros trevos bonitos e verdes o meu era horrível. Mas acho que o que importa é a intenção.

— De não ter estado lá quando perdeste o controlo. — disse seriamente ainda com os olhos postos em mim.

— Perder o controlo? — dei uma risada irónica. — Quando é que eu não estou fora do controlo, Dylan?

O controlo era algo que era difícil de ter para uma pessoa que não tinha nada, como eu. Nós mantemos o controlo das nossas vidas por alguém especial. Mas e se eu não tenho essa pessoa especial na minha vida? Que posso eu fazer?

— Tens razão tu não controlas nem a tua mente nem o teu coração. – ele aproximou-se de mim, quase com os nossos lábios a tocarem um no outro. – Adeus, Scarlet Fire.

E assim virou-me costas, levando o controlo que me restava com ele. Observei-o a afastar-se de mim por entre as campas de todos os reis que os quatro reinos já tiveram. Ele afastou-se de mim, sem olhar uma única vez para trás. Nesse momento, senti-me mais sozinha do que nunca.

Eu estava no lar dos mortos, a vaguear pelo silêncio eterno, sabendo que um dia eu iria estar ali com eles também. A vida é um jogo demasiado perigoso e injusto para todos nós ganharmos.

— Eu prometo que não vou descansar até encontrar o teu verdadeiro assassino. – deixei sair as palavras que não tinha conseguido dizer em voz alta antes.

Ao princípio não dei conta. O choque da realidade bateu-me em cheio e eu não tive tempo para pensar. Mas agora, no silêncio, obtive a minha resposta. A resposta mais óbvia que eu ainda não tinha conseguido ver.

O Hector Smith não era um assassino. Então, quem o era?

✨✨✨

ESPERO QUE TENHAM GOSTADO

𝐎𝐬 𝐄𝐥𝐞𝐦𝐞𝐧𝐭𝐨𝐬 𝟐Nơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ