Capítulo 13

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Caminhando sem nenhuma direção certa, Malu sentia as gotas da garoa engrossarem e se depositarem nas lentes de seu óculos, dando a impressão de que ela assistia a tudo através de um vitrô quebrado.

As ruas estavam vazias e como não estariam? Uma manhã cinzenta de domingo não é exatamente um convite a um passeio ao ar livre.

Faltavam poucos dias para o Natal, mas ela não conseguia sentir a animação que sentia em todos os outros anos, daquela vez alguma coisa estava diferente, alguma coisa estava faltando.

Talvez fosse porque pela primeira vez seu irmão não iria passar o Natal com eles, mas sim com a família de sua mulher, talvez fosse pelo turbilhão de incertezas que a estava assolando.

Aumentou o volume de seu mp3 e deixou a voz doce de Michael Bublé alastrar-se por sua mente, I Just haven’t met you yet, cantava ele, alegremente, fazendo-a refletir novamente sobre suas inseguranças em relação a Pedro.

Talvez fosse isso no final das contas, talvez ele não fosse o cara certo para ela,talvez esse cara existisse mas ela, como na música, ainda não o tivesse encontrado.

Ela não sabia ao certo, mas alguma coisa dentro dela estava mais para quarta feira de cinzas do que para Natal.

Sentindo um frio súbito ao perceber a camiseta e o cabelo ensopados, Malu parou em uma padaria e pediu um café espresso grande – com chantili – para se aquecer.

Sentou-se na calçada, protegida da chuva por um toldo grande e vermelho, onde se lia ‘Panificadora Três Corações’, em letras brancas e quadradas,ligeiramente descascadas.

O vapor do café embaçava-lhe as lentes, mas ela parecia se divertir com isso, depositando o óculos na frente do nariz para que ele voltasse ao normal, e puxando-o para os olhos novamente, antes de dar o próximo gole, fazendo-o embaçar de novo.

A cada novo gole da bebida quente, uma sensação de aconchego ia se apoderando do seu corpo, amornando sua pele e seu coração.

Com as duas mãos envoltas na caneca de cerâmica, ela aproveitava o calor do espresso para aquecer também suas mãos.

Num movimento rápido e brusco porém, antes que ela pudesse perceber – ou entender – o que acontecia, aquela sensação de calor atingiu-a num só golpe na barriga e depois nas pernas.

Algo se chocou contra sua mesa, derrubando uma cadeira e seu espresso.

Ao contrário da prazerosa lentidão com a qual o calor ia se espalhando em ondas por seu corpo segundos antes, a bebida quente derramou-se por inteiro sobre a mesa, espalhando-se por sua barriga e respingando em suas pernas, fazendo a pele arder, queimada.

- Aaaai!! – Exclamou Malu – levantando-se de um pulo – Mas  que diabos...?

A lente embaçada e suja de chantili não a permitia ver direito, mas a figura alta diante dela – era um homem ou uma mulher? – gesticulava exageradamente, como que praguejando em silêncio.

‘Uma mulher’, concluiu Malu, ao notar o cabelo escuro pouco mais curto que a altura do ombro.

- Mil desculpas, mil desculpas – disse a pessoa – mas que droga! o que você estava bebendo? Vou te comprar outra bebida...

Definitivamente um homem..

- Não tem problema – respondeu Malu, irritadiça, sentindo a roupa melada colar na pele ardida – já estava quase no fim.

- Não estava não – insistiu o homem cujo rosto Malu não conseguia ver direito.

Realmente, não estava. Na verdade, Malu tinha dado alguns poucos goles antes de ser atingida pelo estranho, mas ela não queria outra bebida, como ia ficar ali, suja e molhada, desfrutando de mais uma caneca quente de espresso?

SpettacoloWhere stories live. Discover now