O sentido da Vida

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Novembro de 2079

Taehyung colocava uma gota de adoçante no chá de Jungkook. A mão que segurava a embalagem exibia a tatuagem no pulso que já estava gasta e velha, borrada pelos muitos anos que já haviam se passado.

Os dedos enrugados e trêmulos agora mexiam o conteúdo da xícara branca do mais novo, que agora tinha 82 anos. Antes de levar o chá ao marido, pegou mais uma aspirina para tentar melhorar a dor de cabeça que já se arrastava por dias.

Encontrou o marido deitado na cama de casal, ainda coberto pelos cobertores que o protegiam de mais um inverno rigoroso. O quarto estava escuro para tentar ajudar na dor que não passava. Taehyung entrou no quarto com cuidado para não fazer muito barulho. Tocou os fios brancos do cabelo de Jungkook, que abriu os olhos e se sentou devagar antes de pegar a xícara com o líquido aquecido.

— Se não melhorar, vamos ao médico, não dá para ter essas crises de enxaqueca por tanto tempo, você nunca foi de ter dor de cabeça — advertiu.

Os anos haviam se passado muito rapidamente. Em junho daquele mesmo ano, eles renovaram seus votos, agora de maneira oficial, já que na década de 50 o casamento homoafetivo havia sido reconhecido e legalizado na Coreia do Sul. Completaram as bodas de ouro.

Eram 50 anos juntos.

50 anos que não foram fáceis, mas nem por isso foram infelizes. Pelo contrário, a vida com Jungkook sempre foi feliz, mesmo com todas as pedras e dificuldades que surgiram no meio do caminhar.

Ambos aposentados, curtiam a terceira idade com a feliz dignidade que tanto esperavam. Ainda não havia cura definitiva para o HIV, no entanto, já havia vacina que prevenia novas contaminações. Jungkook tomou a vacina logo que ela foi aprovada pelo FDA, garantindo que não precisaria mais fazer uso dos coquetéis.

Havia sido um dos primeiros, por ser considerado um participante do grupo de risco, junto com profissionais de sexo e usuários de droga, por ser reconhecidamente casado com um soropositivo. Felizmente, a vacina havia tido efeito em si, e agora ele era imune a contaminação do vírus.

Nos últimos dez anos, as pesquisas haviam alavancado ainda mais e já se distribuíam novas medicações em fase de testes para portadores do vírus, sendo que pelo menos oito pacientes já haviam conseguido a eliminação total do HIV. Taehyung tentou se voluntariar para experimentar a nova droga, mas, devido à sua idade, não foi elegido. Morreria com o vírus e isso era um fato.

Mas apesar de saber que não seria nessa vida que se livraria do danado bichinho, se considerava um homem de sorte. Estava prestes a completar o 84º aniversário e esbanjava a saúde que muitos jovens não tinham.

Além da saúde, gozava de uma vida feliz ao lado de um homem que amou e que o amou verdadeiramente. Um advogado renomado, conhecido pela militância em prol das minorias, sejam mulheres, negros, LGBT's ou soropositivos, aliás, era o mais conceituado nesta última área.

Jungkook se aposentara como professor titular da Universidade de Seul; já Taehyung, havia se aposentado como diretor técnico de enfermagem de um renomado e conhecido hospital. Entre todos os prêmios que ganhara, o mais importante para si havia sido o de "humanização no atendimento ao portador de HIV".

Ambos dedicaram a vida a melhorar a vida dos invisíveis sociais. E não se arrependiam disso. Nenhum segundo sequer. Grande parte da garra do mais velho dentre eles era a ciência de que sempre fora marginalizado e invisível, no entanto, alguém o enxergou. Jungkook o viu.

Os pais de Taehyung morreram na década de 50. Já os de Jungkook, na década de 60, ainda sem aceitarem a orientação sexual e o casamento estável do filho. Algumas coisas não mudavam.

Herança Imprudente VitalWhere stories live. Discover now