Capítulo 44 - FINAL

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     De trás de uma árvore, observo os portões de ferro de minha casa e percebo que ela foi o que mais mudou em Liriel. Os muros que costumavam ser em tons pastel agora estão cinzentos e cobertos de hera, o que dá uma aparência deprimente à construção. Há uma carruagem parada junto a calçada e nela vejo o brasão de Coronte. Guardas armados rodeiam a casa com seus uniformes e armaduras nas cores vermelho e dourado - a guarda pessoal do rei. Kilian está mesmo aqui.

     Rodeio a propriedade o mais discretamente possível até chegar ao jardim dos fundos, que visto de fora parece tão mal cuidado quanto a parte externa da casa. Se me lembro bem, há uma porta secreta perto da saída de esgoto que dá para o nosso pequeno estábulo e para encontrá-la começo a arrancar a neve e as plantas do caminho. Está escuro, então enxergo muito pouco e levo quase uma eternidade para me deparar com a pequena estrutura de madeira pela qual eu e minhas amigas passávamos quando crianças - essa pequena porta sempre foi minha rota de fuga para a diversão nas praças de Liriel enquanto papai estava ocupado trabalhando. Preciso usar muita força para fazê-la se abrir e, quando finalmente consigo, logo me deparo com o jardim de minha mãe. Por fora ele parece acabado, mas visto de dentro não posso deixar de evidenciar sua beleza invernal e melancólica.

     Fico emocionada ao me lembrar das inúmeras tardes que passei correndo e brincando aqui. Papai sempre dizia que esse jardim era o lugar favorito de minha mãe e pisar nesse lugar me faz sentir em conexão com ela de certa forma. Isso me dá forças para continuar.

     Ando com cuidado entre as plantas, tentando evitar os pequenos montes de neve em meu caminho. De repente, vejo uma criada abrir uma janela que dá vista exatamente para o lugar onde estou. Eu a vejo e ela me vê e ambas arregalamos os olhos. É Trudy.

     - Fantasma! - ela grita alto o suficiente para que toda a casa ouça. Então corre de volta para dentro, apavorada.

     Eu também corro para me esconder, mas tropeço e caio no meio de um arbusto nada confortável, o que me dá alguns arranhões nas mãos. O frio de que tanto senti falta faz os pequenos machucados arderem ainda mais enquanto me encolho junto a uma parede coberta pelo que parece ser musgo.
 
     Como vou me comunicar com Kilian? Como posso entrar na casa sem ser vista pelas pessoas com quem cresci e que melhor me conhecem nesse mundo?, penso comigo mesma.

     A porta dos fundos se abre e o jardim é invadido pela luz vinda de dentro da casa. De meu esconderijo, vejo um par de guardas de Coronte, seguidos por uma figura muito bem vestida que reconheço como sendo madame Daisy e a criada, Trudy. 

     - Ela estava aqui - Trudy aponta para o lugar onde me viu.

     Madame Daisy apoia uma mão em seu ombro e lhe dá um olhar condescendente.

     - Vá para dentro agora, menina.

     Trudy parece estar chorando de medo.

     - Ma-mas... eu vi - gagueja.

     - Vá - insiste madame Daisy. - Está tudo bem.

     Trudy cobre a boca com uma das mãos, olha ao redor e corre de volta para dentro da casa. Eu me encolho ainda mais.

     - Rainha Sonya? - madame Daisy chama de repente, vasculhando o jardim com seus olhos atentos.

     Eu congelo, pega de surpresa.

     O que ela está fazendo?

     - Saia, Majestade - sua voz soa calma e educada -, está segura agora. Sua Majestade, o rei, está aguardando lá dentro.

Amor e Liberdade #1Where stories live. Discover now