Amor e Liberdade #1

Capítulo 38

     Kieran parece tão chocado quanto eu. Talvez mais. Seus olhos castanhos se arregalam e seus lábios se abrem numa exclamação silenciosa. Ele demora alguns segundos para se aprumar e encara o rei, confuso. Rei Kilian franze a testa, evidentemente intrigado com a reação de nosso visitante.

     - Há algo errado? - ele pergunta a Kieran.

     Kieran sacode a cabeça.

     - De fo-forma alguma, Majestade - gagueja, desconcertado. - Apenas me lembrei de alguém ao ver Sua Majestade, a rainha. Perdoe minha indiscrição.

     Engulo em seco, sentindo meu coração bater tão forte que parece capaz de rasgar meu peito. Kieran está vivo. O noivo que meu pai escolheu para mim está vivo e bem, diante do trono de meu marido. Eu achei que o tinha perdido e meu coração o esqueceu com pesar para dar lugar a um novo amor. Agora sinto meu interior entrar em conflito com o presente ao meu lado e o passado parado diante de mim. Acho que vou enlouquecer.

     Kieran está vivo.

     Céus, que loucura.

     Onde ele esteve esse tempo todo? Como sobreviveu ao ataque que sofremos na estrada? Por que não respondeu quando chamei por ele tão desesperadamente? O que ele veio fazer aqui?

     - Está tudo bem? - rei Kilian sussurra, perto do meu ouvido.

     Forço um sorriso.

     - Sim, estou bem. - Então olho para Kieran sem conseguir encarar seus olhos. - O que o traz aqui, Kellen de Trollstone?

     Erro seu nome de propósito e isso faz com que a expressão no rosto dele mude de assustada para constrangida.

     - É Kieran, Sonya - o rei sussurra para mim outra vez, bem discretamente.

     Permaneço impassível.

     - Oh, sim - digo, erguendo o queixo. - Perdoe-me, Kieran.

     Seus lábios se esticam num sorriso sem graça e fico surpresa ao ver uma cicatriz no lado direito de seu queixo. Ela não estava ali quando nos conhecemos. Será que Kieran foi ferido enquanto fugia dos homens que nos atacaram ou essa marca se deve a um ferimento mais recente?

     - Não há o que perdoar, Majestade - ele diz por fim. - Vim prestar as congratulações da parte de Trollstone à sua criança que nascerá em breve. Meus pais gostariam de ter vindo pessoalmente, mas assuntos urgentes tomaram seu tempo e não foi possível.

     - É uma honra receber um convidado de tão longe - comenta rei Kilian, recostando-se em seu trono ricamente adornado. - Mas algo me intriga. Creio que Trollstone esteja muito ao norte para ter conhecimento da situação em que Coronte e seu reino suserano de Omem se encontram.

     Kieran hesita.

     - Na verdade, estamos muito conscientes do que aconteceu. Uma calamidade, de fato. Omem ofendeu Dardanelo e provocou uma guerra desnecessária. - Kieran cruza as mãos diante do corpo, empertigando-se. - Como representante de Trollstone, acredito que minha visita ao reino de Vossa Majestade tenha um significado ainda mais importante em um momento como esse. A paz entre os reinos precisa ser mantida pelo bem de todos.

     Rei Kilian o encara em silêncio por alguns segundos, como se estivesse mastigando suas palavras com cuidado antes de engolir. Eu sinto a tensão crescer na sala do trono, mas talvez seja apenas porque minha consciência está me acusando - parte de mim me repreende por eu não ter insistido em procurar melhor por Kieran quando nos separamos, já que ele esteve vivo esse tempo todo.