Capítulo 7

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Kieran está tão bonito quanto me lembro. Ao me ver, ele sorri de forma cautelosa e verdadeira, e o Kieran cruel de meu sonho desaparece como névoa dissipada. Não consigo pensar em nada quando paro e olho para ele de cima das escadas, e não é apenas por causa de sua aparência. Sinto como se uma força maior me empurrasse em sua direção e minhas pernas obedecem.

De repente, indo alegremente ao seu encontro no hall de entrada, tropeço no último degrau da escadaria e caio desajeitada, trombando com força em Kieran. Ele fica vermelho. Eu fico vermelha. Suas mãos seguram as minhas e ele me ergue do chão rapidamente e com facilidade. Seria um momento romântico se não fosse tão constrangedor.

– Essa não – arquejo, afastando-me dele e tentando recobrar minha dignidade. – Desculpe, eu...

– Sem problemas – ele me interrompe suavemente, bagunçando o próprio cabelo e sem me olhar nos olhos.

Então noto a presença de meu pai, madame Daisy e uma criada e desejo que um buraco se abra no chão e me engula.

– Não vai dizer bom dia ao seu noivo, Anna? – indaga papai, com um sorriso contido.

Olho para Kieran.

– Oh, sim. Perdão – pigarreio. – Bom dia, Kieran. Eu adorei seus presentes. Ahn... especialmente as rosas do inverno, apesar de chocolate ser sempre meu presente favorito. Vai tomar café da manhã conosco?

Madame Daisy faz uma carranca de desaprovação. Posso até ouvi-la dizer: Uma boa moça não cai em cima das pessoas. Uma boa moça não se esquece de saudar os convidados. Uma boa moça não tagarela como uma maluca.

Mas Kieran não age como se eu fosse uma desajeitada. Ele sorri, simplesmente. E vê-lo sorrir não tem preço.

– Sim, ficarei para o café da manhã – ele ri. - Que bom que você gostou das rosas e dos chocolates. Gostaria de levá-la até o lugar onde os comprei.

Arqueio as sobrancelhas, curiosa.

– É mesmo? Aonde?

– À metrópole.

Não consigo conter meu arquejo de surpresa e o sorriso de Kieran aumenta. Olho para papai e madame Daisy e os vejo exibir expressões um tanto preocupadas. Mas, bem, eles não querem que eu cresça? Que me torne uma senhora? Certamente a metrópole é o lugar adequado para aprender a ser uma verdadeira dama – principalmente se meu noivo estiver comigo.

– É uma ótima ideia – digo, sentindo a euforia tomar conta de mim.

– Talvez esse não seja o momento adequado para discutirmos esse assunto – meu pai sorri amarelo. – Vamos, venham tomar café da manhã. Aposto que Trudy acabou de tirar do forno uma travessa de pães fresquinhos.

– Vamos deixar os noivos a sós por um momento, senhor? – sugere madame. Simplesmente a adoro quando ela diz isso.

Papai cruza as mãos atrás do corpo e assente, concordando com Daisy. Os dois deixam o hall e eu olho para Kieran.

– Conversarei com eles – ele diz e me pergunto se minha decepção ficou tão evidente. – É normal que se preocupem, Anna.

Sinto um biquinho se formar em meus lábios, mas logo que noto, eu o desfaço rapidamente. Não há mais tempo para criancices. Preciso provar que sou madura o suficiente para ir à metrópole.

– Como passou de ontem para hoje? – Kieran pergunta, mudando de assunto. – Dormiu bem?

Sinto um frio arrepiante na barriga. Não posso contar a ele sobre o sonho. Kieran vai achar que tenho medo dele e vai se afastar.

– Hum... sim... claro, maravilhosamente bem – respondo, remexendo as mãos. – Nunca dormi tão bem. Se tem algo que eu fiz muito bem foi dormir.

A risada de Kieran me surpreende.

– Mal a conheço, Anna, e já sei que não está dizendo a verdade. – Ele se aproxima de mim e eu prendo a respiração. – Há algo errado?

– Eu... Hum...

– Você pode me contar.

Ergo uma sobrancelha e inclino a cabeça para olhar diretamente para ele. Minhas mãos estão remexendo-se, nervosas. Kieran as toma nas dele, quentes e macias, e eu suspiro. Tocá-lo é reconfortante.

– Qualquer coisa?

– Qualquer coisa – ele repete.

Não posso contar, mas quero. Quero que Kieran me diga que foi apenas um pesadelo e me prometa que será sempre cavalheiro e gentil comigo, mesmo que futuramente não concordemos em algumas coisas. Porque é disso que eu preciso.

Não consigo encará-lo quando digo:

– Sonhei com você noite passada.

– Comigo? – não vejo a expressão em seu rosto e nem quero. Preciso apenas que ele saiba. – Nunca sonharam comigo antes. Conte-me, Anna, como foi?

Assinto, olhando para meus sapatos.

Kieran ergue meu queixo com o dedo, fazendo-me olhar para ele. Não há violência nenhuma em seu gesto, ele quer apenas olhar para mim.

– Conte-me – sussurra, o rosto a poucos centímetros do meu.

Suspiro. Seu dedo deixa meu rosto, mas eu permaneço olhando para ele.

– Eu... ti-tive um pesadelo.

Ele espera que eu continue, mas crispo os lábios.

– Sim?

– Nesse pesadelo, você... eu...

– Anna...

Cerro meus punhos. Preciso dizer.

– Eu estava fugindo de algo... alguém... não sei. Havia um labirinto de árvores enormes – gesticulo, sentindo as mãos tremerem -, e, de repente elas pegaram fogo. E esse fogo começou a me perseguir e... bem... Você estava lá. Você me encontrou e... Oh! Não consigo dizer – cubro os lábios.Vamos, Anna, coragem. – Kieran, você estava diferente... um diferente mau. Você disse que eu deveria obedecê-lo e que você iria me corrigir e me ensinar a não desafiá-lo e eu gritava e você estava me machucando e...

Interrompo-me e respiro fundo. Estou tagarelando como uma maluca. De novo. Armo-me de toda a coragem que me sobra e olho para Kieran. Ele está encarando a escadaria, pensativo. Engulo em seco.

– Estou muito encrencada? – sibilo, tentando fazer com que ele olhe para mim.

– O quê? – ele sussurra. – Anna, não. Por que você estaria encrencada?

Dou de ombros.

– Não sei, talvez...

Kieran segura minha mão.

– Por acaso eu dei a você algum motivo para pensar que sou violento? – pergunta baixinho.

Sacudo a cabeça.

– Muito pelo contrário, Kieran. Você tem se mostrado gentil, cavalheiro e nobre. Por favor, não pense que eu tenho uma ideia errada de quem você é.

– Não quero que tenha medo de mim, Anna – ele quase choraminga. – Nunca. O que eu disse a você no estábulo...

Aperto sua mão.

– Sim, eu me lembro. Por isso não quis contar a você. – Suspiro. – Não quero que você se afaste.

– E eu não quero que você esconda coisas de mim. Por favor. Vamos começar as coisas entre nós dois da maneira certa.

 Kieran segura meu rosto com suas mãos e sinto minhas bochechas arderem.

– Está com medo agora? – sussurra, olhando bem fundo em meus olhos.

Arrisco um sorriso.

– Nem um pouco.

Ele esboça um sorriso meio triste e beija minha testa. Minhas mãos ainda estão tremendo.



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