Capítulo 31

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     Durmo e acordo por incontáveis vezes e todas elas me fazem questionar se estou mesmo vivendo a realidade. Vejo os rostos borrados do médico real, de criadas e de Irene nas poucas vezes que estou consciente e ouço-os comentarem sobre meu estado. Tenho febre alta o suficiente para me fazer delirar e meu corpo parece estar se desfazendo em suor. Sinto frio e calor ao mesmo tempo.

     Então após um sonho incerto com flocos de neve e rios congelados, eu fico devidamente consciente. Aos poucos, lembro-me de minha condição e me dou conta de que estou mais apavorada do que nunca.

     Mesmo rodeada por tantas pessoas e sob tantos cuidados diligentes, parece que estou sozinha pela primeira vez desde que perdi Kieran. Ainda que eu grite e esperneie até morrer de cansaço, nenhuma dessas pessoas pode me ajudar da maneira que eu preciso. Apenas rei Kilian. Só ele pode fazer com que meus nervos e meu coração se acalmem, pois ele é o único que pode me dar segurança. Em minha situação atual, só ele pode me proteger porque a criança se formando em meu ventre é dele. Se, por ventura, algum dia tudo for revelado e minha identidade for descoberta, essa criança pode ser minha salvação ou minha perdição, dependendo do que ele decidir fazer comigo. Preciso do rei Kilian aqui.

     - Majestade! - uma criada que acaba de entrar exclama alegremente, adentrando o quarto com uma bandeja prateada. Ela a deposita no criado-mudo ao lado da cama e faz uma reverência para mim. - Que bom que finalmente despertou.

     Limpo a garganta.

     - Eu... estou bem? - minha voz soa fraca.

     Ela dá um sorriso tímido.

     - Bem, Vossa Majestade melhorou muito nos últimos dias.

     - Quantos? Quantos dias?

     Ela ergue os olhos para o teto, fazendo as contas mentalmente.

     - Cerca de... dez dias desde que a senhora ficou dormindo e acordando. Mas o médico disse que o pior já passou e que a gripe já está deixando seu corpo - a criada se inclina para a bandeja. - Eu trouxe sopa para alimentá-la.

     Dez dias? Isso quer dizer que o rei está fora há quase um mês?

     Mordo o lábio, contendo a vontade de perguntar sobre o andamento da guerra e sobre minha gravidez. Não que eu não tenha certeza de que estou grávida. O que quero saber é se os sintomas da gripe, de alguma maneira, afetaram a criança em formação e se tudo correrá bem com ela e comigo daqui para frente - pensar que há um pequeno ser crescendo dentro de mim é assustador e me dá calafrios, mas também me faz sentir algo que não sei exprimir em palavras.

     A criada me alimenta com sopa de legumes e carne de carneiro e me ajuda a me banhar. Troco de camisola e volto para a cama, dessa vez disposta o bastante para ficar sentada. 

     - Chamarei o médico para a senhora, Majestade - a criada faz uma reverência e sai alegremente.

     Eu me levanto da cama e vou até a janela para respirar um pouco de ar puro - dez dias deitada nessa cama quase atrofiou minhas pernas e braços - e sinto a brisa do fim de tarde limpar meus pulmões quando a inalo. Olho para o céu e desejo, do fundo do meu coração, que rei Kilian esteja vivo e bem e que essa guerra detestável esteja acabada, porque preciso de meu marido de volta. Baixo os olhos para a bela vista da cidade além dos muros do palácio e, para a minha surpresa, vejo duas colunas de fumaça preta erguendo-se até o céu. Houve incêndios? Será que as pessoas lá embaixo estão bem?

     Nesse momento, Irene e o médico adentram o quarto e enquanto ela corre até mim para me abraçar ele faz uma reverência. Eu abraço minha cunhada, sentindo alívio - enquanto eu for Sonya, posso contar com ela sempre do meu lado.

Amor e Liberdade #1Where stories live. Discover now