Capitulo 2

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Sofia
Não existe sensação pior do que acordar com alguém te sacudindo e gritando seu nome. E no momento que abri meus olhos, após Lizzie me gritar, puxar minha coberta e me balançar pelo braço, senti uma vontade imensa de matar o ser que se dizia minha amiga. Elizabeth Roosevelt, mais conhecida como Lizzie, era uma das pessoas mais bonitas - por dentro e por fora - que eu conhecia, mas era igualmente irritante quando queria.

- Bom dia, flor do dia! - Ela disse, assim que eu abri meus olhos, e só senti mais vontade de estrangula-la.

- Só se for para você, Elizabeth. Onde é o incêndio?

- Vai ser aqui dentro se você não levar a bundinha dessa cama em cinco minutos e começar a se arrumar.

- Me arrumar para quê? - Perguntei, ainda um pouco perdida e posso jurar que vi ódio saindo dos olhos de Lizzie e tentando me sufocar.

- Como assim "me arrumar para quê", Sofia? A gente combinou de ir malhar hoje, lembra?

- Ah, é verdade, lembro sim. - Não, eu não me lembrava, mas não queria deixar minha amiga furiosa.

- Então vamos dar um jeito porque já são 07:20, gatinha.

- Ok, mas antes eu preciso de uma bela caneca de café.

Me levantei da cama, a contragosto. Eu estava em um pequeno recesso no trabalho, tirando uns dias para descansar antes de iniciar as gravações da terceira temporada de "Figther", a série que eu estrelava. Ela era gravada em Nova Iorque mesmo, o que era bom, pois eu não precisava viajar e ficar longe de casa. Mas gravar uma série tomava muito tempo. Além disso, em algumas semanas começariam as milhares de entrevistas que eu teria que dar para divulgar o lançamento da segunda temporada. Por isso, estava usando todo o tempo que podia para descansar.

Mas eu também entendia que minha amiga quisesse me incluir em todos os seus planos, pois quando eu estava gravando, minha rotina era tão corrida e cansativa que mal nos víamos.

Saí do meu quarto, andando em direção a cozinha, já sentindo o cheiro de café que Helena provavelmente estava fazendo. Lizzie veio atrás de mim, tagarelando sobre umas fotos que ela iria fazer para uma marca de calçados. Ela era modelo e estava ficando bastante conhecida em sua área, o que sempre me deixava super orgulhosa dela.

Como previsto, encontrei minha irmã na cozinha. Se ela não fosse advogada, com toda certeza seria chef. Meu estômago roncou no momento que coloquei meus olhos sobre o prato de tapioca em cima da mesa. Apesar de morar nos Estados Unidos há quase 30 anos, eu era brasileira, assim como meus pais. Havia me mudado para a América do Norte bem pequena e não tinha muitas lembranças da época que morava em terras brasileiras. Porém, mamãe e papai sempre fizeram questão que eu e Helena não nos esquecêssemos de nossa cultura e de nossas raizes. Por isso, nossa casa era uma mistura de costumes, feriados, novelas, livros e músicas brasileiras e americanas. Crescemos falando português e inglês e visitávamos o país ao menos uma vez no ano. E, claro, a culinária brasileira era uma grande parte da nossa família.

- Não acredito que você fez tapioca! - Falei, animada, e ela sorriu, me olhando por cima do ombro.

- Imaginei que você iria precisar de uma recompensa já que Lizzie te tirou tão cedo da cama para malhar. - Ela disse e eu assenti, agradecendo aos céus por minha irmã me conhecer tão bem. - E para você, dona Elizabeth, estou fazendo ovos, porque sei que prefere morrer à comer tapioca. - Minha amiga sorriu e, se ela pudesse, tenho certeza de que teria lançado coraçõezinhos na direção da minha irmã.

- Você é a melhor, Lena. Vocês sabem que amo as comidinhas brasileiras que vocês me apresentam, mas essa coisa branca aí não dá.

- Essa coisa branca aqui é deliciosa, Lizzie, você não sabe o que está perdendo. - Falei e ela negou, me fazendo rir. Lizzie amava toda e qualquer comida brasileira que havíamos apresentado à ela, até o dia que ela conheceu a tapioca e foi ódio a primeira vista.

Helena terminou os ovos mexidos e colocou em um prato, entregando para nossa amiga. Nós nos sentamos e começamos a comer entre brincadeiras e implicâncias. Porém, o celular de Lizzie parecia não parar de vibrar em cima da mesa. Não sei quantas vezes a ruiva interrompeu nossa conversa para sorrir para o celular e digitar algo de volta para quem estava lhe mandando mensagens.

- Se um dia você me pegar soltando risos e ignorando minhas amigas por conta de um celular, Lena, pode me bater. - Comentei e recebi uma risadinha de Helena e um dedo do meio da minha amiga.

- Eu não fico ignorando vocês!

- Você passou os últimos cinco minutos só respondendo o celular, amiga. - Lena comentou, em tom de brincadeira, e minha amiga fez cara de culpada, bloqueando o celular e colocando em cima da mesa.

- Desculpa, meninas. Ryan chegou na casa dele de um plantão e estamos conversando um pouco antes dele hibernar pelas próximas 10 horas. - Se explicou, sorrindo boba apenas com a menção do nome do namorado.

- Na casa dele ou na casa de vocês? - Lena perguntou, maliciosa, e eu ri quando minha amiga revirou os olhos.

- A gente não mora junto!

Lizzie e Ryan namoravam desde o ensino médio e eram um casal extremamente fofo, mas os dois tinham problemas em tomar grandes decisões. Já fazia mais de um ano que Lizzie estava praticamente morando na casa dele. Ela ficava semanas sem ir em seu próprio apartamento e a maioria das suas coisas já estava na casa dele, mas nenhum dos dois admitia que eles moravam juntos.

- Você sabe que é só uma questão de oficialização, não é Lizzie?

- Lena, não se pode oficializar algo que não existe. Eu reconheço que passo muito tempo na casa dele, mas não moramos juntos. Ele só é ocupado e temos que aproveitar todos os momentos que temos.- Minha irmã levantou as sobrancelhas como quem dizia "não comprei nada do que você está dizendo" e Lizzie suspirou, se rendendo. - Ok, quer saber uma coisa? No dia que Sofia admitir que arranjar um carinha que ela quer beijar, admito que Ryan e eu moramos juntos e eu vou levar todas as minhas coisas para a casa dele.

- Fechado. - Minha irmã esticou o abraço e as duas apertaram as mãos.

- Ei! Eu estou quietinha aqui no meu canto. - Reclamei, indignada. - Mas já que me incluíram, aviso que podem esperar sentadas, porque, apesar de eu ter prometido para a Helena que iria me permitir mais, duvido muito que vá aparecer alguém que me interesse em um período de tempo próximo.

- Sof, meu amorzinho, essas coisas a gente não consegue controlar. Se for pra acontecer, vai acontecer, você querendo ou não. - Lizzie falou e Helena concordou, me fazendo revirar os olhos, pois a verdade era que eu havia passado a acreditar que sentimento nenhum era maior que nossa racionalidade e, portanto, essa história de que amor e paixão eram inevitáveis, era a maior mentira já contada.

- Eu vou trocar de roupa para irmos malhar. - Anunciei e saí da cozinha, indo em direção ao meu quarto.

Me vesti depressa, não dando espaço para que meu cérebro começasse a pensar em amor e nos motivos que me levaram a perder a esperança nele. Há dois anos atrás, eu havia decido que esse assunto nunca mais ocuparia meus pensamentos e me traria preocupações, porque não valia a pena. E isso não queria dizer que eu não acreditava mais em amor, mas sim que eu não acreditava em amor para mim.

Pouco depois estávamos na academia. O local não era muito grande, mas era bem organizado e ficava no meu bairro, o que facilitava muito para quem tinha uma rotina meio corrida como a minha. O dono era um tio de Lizzie, o que ajudava, pois ele não permitia a entrada de nenhum tipo de paparazzi tentando atazanar nossas vidas, e também não informava para ninguém que eu malhava ali.

Naquele dia, a academia estava particularmente cheia e nós decidimos fazer uma aula de boxe, o que foi uma péssima opção, pois eu saí me sentindo uma morta. Lena e Lizzie, acostumadas a fazer aquela aula, pareciam que não tinham feito esforço nenhum, enquanto eu estava ofegante e suada. Avisei que iria encher minha garrafinha de água e deixei as duas senhoras não sedentárias para trás, indo na direção do bebedouro. Um dos funcionários que eu já conhecia me cumprimentou no caminho e eu sorri, acenando para ele. Todavia, minha ação foi interrompida quando meu corpo se chocou em outro. Cambaleei para trás, perdendo o equilíbrio. Já estava imaginando o impacto com o chão, quando fui segurada por alguém. Suspirei, me recuperando do susto, e levantei o olhar apenas para encontrar um par de olhos castanhos me encarando.

Esse tipo de amor...Onde as histórias ganham vida. Descobre agora