Amber
Saí para minha caminhada matinal com Jackie lamentando não correr o risco de esbarrar com Henry, já que ficaria longe por algumas semanas. De repente, toda a graça em morar em Kensington era poder vê-lo casualmente e não aquela bobagem de trabalhar e viver o sonho. Ok, estou brincando. De todo modo, estar perto e ter a sensação de taquicardia e falta de ar toda vez que esbarrava com ele era deliciosa naquelas circunstâncias.
Henry me deixou muito intrigada com aquele beijo no dia em que foi embora. Eu não aguentava mais ter que me conter perto dele. Se nosso interesse era recíproco, porque ele não admitia logo? Ficávamos naquele jogo infinito de aproveitar o momento e depois agir como se nada tivesse acontecido. Apostaria todas as minhas fichas ao dizer que não tinha como aquilo dar certo. Poderíamos criar expectativas maiores do que a realidade, nos apaixonar e sair desse jogo magoados.
Não quis concentrar meus pensamentos nessa indefinição e decidi que esperaria Henry voltar para entender o que estava acontecendo entre a gente, sem dar corda para minha ansiedade. O café e a adaptação no novo país me mantiveram bastante ocupada e cansada. Não me sobrava muito tempo para tentar adivinhar o que se passava por sua mente em relação a nós dois.
Dispensei Lucca um pouco mais cedo, na intenção de fechar a loja somente com Diana e contar o que aconteceu na noite anterior. Tinha voltado para casa embasbacada, refletindo e tentando neutralizar minha euforia do momento. É de se admirar que eu tenha esperado tanto para lhe contar, honestamente.
- Que cara é essa, Amber? - Diana perguntou.
- Ele me beijou! - contei com expectativa.
- Nada de novo no reino da Dinamarca. - Não era a reação que eu esperava.
- Diana!
- O que é? Na última vez que conversamos, você me contou a mesma coisa. - disse, revirando os olhos.
- Não! Henry veio aqui na loja quando eu estava fechando antes de ir para o aeroporto. Ai, meu Deus, Diana nem sobre a noite do pub crawl eu contei.
- Não mesmo! Trate de me atualizar nessa novela.
- Então, rolou um clima bom entre a gente na noite do pub crawl, e Henry sempre comedido daquele jeito, trocando olhares e me observando. Só na volta para casa, dentro do táxi, que ele se rendeu.
- Eu fico me perguntando o motivo dele ser tão devagar. Eu sei, eu sei. Falei que você deveria acompanhar o ritmo, mas... por que, Deus? - disse Diana.
- Continuando: no táxi, Henry disse que era difícil se controlar e me beijou. Por várias vezes durante boa parte da viagem até chegarmos à minha casa.
- E aí? Vocês transaram? - perguntou animada.
- Não. Ele pediu desculpas e foi embora.
- De novo?
- Sim! Fiquei decepcionada e com essa mesma cara que você está agora. Não acreditei! Mas ontem ele esteve aqui, antes de ir para o aeroporto e desceu de um carro, que não era o dele, e sem que eu esperasse, me deu um beijo que me deixou tonta. E com a mesma rapidez que ele apareceu, foi embora.
- Nossa, que louco! Será que é uma coisa de artista? Não, não pode ser. Já teria dormido com você na primeira noite. Será que ele é comprometido? Nunca ouvi nada sobre isso. Vou dar um Google. - ficou divagando como se eu não estivesse presente.
- Diana, pare com isso. Vou descobrir sozinha. Assim que Henry voltar, vamos conversar. Não quero saber o que a internet fala sobre ele.
- Você nunca teve curiosidade? Nunca pesquisou nada sobre as namoradas anteriores, essas coisas? - ela perguntou.
- Não. Quero saber o quanto ele deseja se revelar, o quanto ele permite que eu o conheça. As impressões que eu vou ter do que falam sobre ele não seriam reais. Eu realmente não me interesso por isso.
Estava falando para o vento, pois Diana estava com o telefone na mão rolando a barra de pesquisas sobre Henry.
- Você sabia que ele era gordinho quando era criança? - ignorou minha falta de curiosidade.
- Diana, pelo amor de Deus!
- Ei! Isso é muito válido, sabia? Significa que ele é determinado, tem disciplina...
- Ok. Vamos para casa antes que você descubra outra curiosidade na internet.
***
Estava exausta naquela noite e nem sequer olhei meu telefone. Caí na cama e dormi pesado depois de um banho. Somente dias depois, tendo chegado mais cedo em casa, ao invés de vasculhar a vida de Henry como Diana recomendara, considerei assistir a um de seus filmes na tevê. Artistas gostam de ter seu trabalho reconhecido e pensei que seria um bom assunto para nossas futuras conversas.
Levamos alguns dias para nos falar novamente. Dessa vez, Henry tinha ido concluir as filmagens na Alemanha e tinha uma conexão melhor no local de onde me ligou, sendo possível inclusive fazer a chamada por vídeo. Era tarde e agora estávamos apenas à uma hora de diferença. Não quis mencionar minhas impressões sobre o filme que assisti logo da primeira vez que conversamos à distância. Além de ver seu nome na tela, sua voz e sotaque pronunciando meu nome eram inconfundíveis. Aquele homem que era um muro de mistério soava inseguro e deixava escapar um riso nervoso. Nossa conversa não se alongou muito, pois ele precisava voltar às gravações.
- Tentei ligar algumas vezes. Era praticamente impossível fazer uma ligação de onde estávamos. A locação ficava afastada do centro, no meio de um vale.
- Imagino. Como você está? - perguntei.
Preocupei-me, pois apesar de parecer recém-saído do banho, com cabelo ainda úmido e vestindo uma camiseta simples, tinha a expressão cansada.
- Tem sido puxado, mas estou bem. Estamos próximos de terminar. E você?
- Estou bem. Assisti a um de seus filmes um dia desses. - deixei escapar na tentativa de puxar assunto e mantê-lo acordado.
- Foi mesmo? E o que achou? - esboçou um sorriso orgulhoso.
Na hora, lembrei-me da cena que não saiu da cabeça e tentei disfarçar, mas um sorriso me escapou. Então Henry logo deduziu o que significava. Soltei um pigarro na tentativa de responder com firmeza e ajeitei o cabelo, me entregando.
- Bem... É um... Bom filme. - respondi reticente.
- Posso imaginar o que você está pensando. Não é o que parece.
- O que? - eu não tinha falado nada sobre exatos cinco minutos de filme em que ele aparece em ação em uma das cenas mais quentes que já vi na vida.
- Tem uma longa cena mais... Sensual, eu diria e que foi extremamente desconfortável fazer. Levou o dia todo e foi minha primeira, na verdade.
- Veja só! Ficou ótima... É, ficou... Ótima.
- Que bom que gostou! - respondeu depois de parecer buscar o que seria certo dizer.
Não quis mais assistir nada parecido, pois tinha certeza que continuaria fantasiando bobagens e sentia que estava prestes a enlouquecer. Eu esperava viver algo parecido na vida real e poderia durar bem mais do que cinco minutos. Adoraria conhecer suas expressões, saber suas preferências, seu jeito de conduzir as coisas na cama. Será que não poderíamos passar para fase da intimidade logo?
Nós dois ficamos desconcertados e Henry desviou o assunto falando sobre a conexão ruim dos dias que ficou em Moscou. A conversa seguiu tão bem que não me atentei para o pote de sorvete que estava em minha mão, derretendo quase que por completo.
- Ah, droga. Meu sorvete virou uma sopa. - reclamei.
- Estou distraindo você.
- Sim! Olha o que você fez! - brinquei.
Insisti em dar uma colherada que só serviu para sujar minha boca e pingarna blusa.
- Desculpa, preciso me limpar. Espere só um minutoe já volto.
Esfreguei um lenço umedecido para limpar a sujeira e me sentei de volta no sofá com o computador no colo.
- Pronto. Você já tem a data do lançamento da série? - prossegui.
- No próximo semestre. Não sei a data exata. Amber, - Henry interrompe, com um sorriso contido. - sua boca...
Eu não tinha entendido e Henry sinalizou que o canto da boca tinha algo.Continuei falando sem perceber que o canto da boca continuava sujo do creme de chocolate derretido. Quando finalmente me dei conta, limpei com o lencinho.
- Que desastrada! - disse, sem jeito.
- Eu faria questão de limpar se estivesse aí. - O que ele tinha acabado de dizer?
De imediato, senti uma corrente de adrenalina pelo corpo inteiro.
- Por que você faz isso, Henry? - perguntei, pronta para confrontar suas ousadias.
- Só estou dizendo. Não disse como. - Caramba, eu adorava aquele sorriso!
- E como seria isso? - questionei esperando que ele respondesse com toda a clareza possível.
Consegui deixá-lo desconfortável, mas mesmo assim respondeu determinado.
- Com um beijo. Sem nenhuma pressa. - Ele não estava para brincadeira.
- Isso é bem a sua cara! - comentei para disfarçar o rebuliço que sentia no estômago.
Ele riu.
- A única coisa que espero ser rápida é essa temporada por aqui. Espero voltar para casa logo. - falou.
- Não deixe de me avisar quando souber o dia.
- Aviso.
- Foi bom te ver de novo. Mesmo que tenha sido assim por vídeo. Boa noite!
Lá estava eu diante da tela, mais derretida que o meu sorvete.