Acordo com meu celular tocando e quando vejo que é uma ligação do Edu, decido ignorar, ainda não tenho cabeça para conversar com ele, a minha noite foi agitada, dormi pouco, mas o pouco que dormi foi um verdadeiro flashback de tudo que aconteceu. As imagens ficavam passando diante dos meus olhos em um loop sem fim e quando eu acordava, meus pensamentos não me deixavam em paz.
Pensei em tudo que minha mãe me disse, refleti sobre minhas próprias conclusões, mas a verdade é que ainda não consigo entender o que estou sentindo, é um misto de arrependimento e felicidade, ao mesmo tempo em que as lembranças dos beijos do Edu me deixam com um sorriso bobo no rosto, meu subconsciente me recrimina por agir assim, me questiona sobre o porquê de ter tomado uma atitude como essa se somos tão amigos.
— Bom dia, posso entrar? – meu pai abre a porta do quarto, mas não entra.
— Bom dia pai, pode sim. – sento na cama.
— Está melhor? – senta ao meu lado com olhar preocupado.
— Sim. – respondo sem entender o porquê da pergunta.
— Sua mãe disse que você estava com dor de cabeça e que eram problemas de mulher. – fala sem graça.
— É pai, homens têm lá suas vantagens. Mas já estou melhor. – sorrio com a cara que ele faz.
— É tão estranho pensar que você já cresceu.
— Já faz um tempo que eu cresci pai. Mas eu ainda aceito os mimos de quando era pequena. – deito a cabeça em seu colo.
— E não vai ter vergonha dos seus amigos caso eu faça isso em público?
— Não. – então ele beija meu rosto.
— Bom saber. Agora preciso ir trabalhar, sua mãe está preparando o seu café. – levanta e bagunça o meu cabelo.
— Bom trabalho pai, vou me arrumar e já vou até a cozinha. – ele fecha a porta e eu vou até o guarda roupa me arrumar para a aula.
Pego uma saia jeans de pregas que chega até acima do joelho e coloco uma saia de tule por baixo para dar volume, uma regata branca e uma jaqueta também jeans, combinando com a saia, coloco uma bota de cano curto e salto baixo de couro preta e me olho no espelho.
A imagem que reflete é algo que eu gosto, mas nunca usei assim, todas juntas e confesso que não é muito parecido com o que costumo usar na escola. Mas ao mesmo tempo, sinto uma necessidade estranha de ser diferente do que eu sempre fui e por isso, decido ir assim mesmo hoje.
Passo as mãos pelos cachos com um toque de creme para domar o volume e começo a fazer uma maquiagem simples quando o toque do meu celular tira a minha atenção do espelho, olho no visor e vejo a foto de Eduardo, meu estômago gela e um arrepio percorre a minha espinha, mas não é o mesmo que se sente com um mau presságio, na verdade é bom, mas trato de ignorar a chamada e também a sensação que tive.
“Não foi isso que decidi, então, foco Roberta!”
Termino de me arrumar e pego minha mochila indo para a cozinha encontrar minha mãe, que já colocou a mesa
e está sentada lendo o jornal online em seu tablet, já vestida para o trabalho.
— Bom dia mãe.
— Bom dia. - ela levanta os olhos do aparelho e me encara de cima a baixo.
— Gostou? - viro o corpo para ambos os lados mostrando a roupa.
— Sim, mas não é nada parecido com o que você usa. - sua expressão é de curiosidade.
— Eu sei, a intenção é mudar mesmo. - concluo sentando à sua frente.
— E porque a mudança? - ela coloca café em minha xícara.
— Não sei, só vesti e gostei de estar diferente. - dou de ombros.
— Entendi e, me diz uma coisa, essa mudança é por você ou por conta do que aconteceu?
— Não sei, acho que as duas coisas. - coloco um pão de queijo na boca.
— Filha, cuidado pra não se perder no meio dessas mudanças todas e, além disso, a roupa não vai fazer nada mudar.
— Eu sei mãe, é só uma roupa, relaxa. - quando termino a frase meu celular toca novamente e eu o ignoro.
— Não vai atender?
— Ainda não estou preparada pra essa conversa.
— E vai fugir dele o dia todo, mesmo estando na mesma sala? Acho difícil.
— Não, só quero ter o caminho até a escola livre desse assunto, porque sei que lá isso vai ser inevitável.
— Certo, faça como achar melhor, mas, ainda sobre isso, precisamos agendar uma consulta médica.
— Mãe?!
— Eu sei que vocês não fizeram nada, mas uma hora vai acontecer, e nada melhor que uma opinião médica sobre esse assunto, além disso, você vai poder tirar suas duvidas, se informar melhor e conversar com alguém além de mim.
— Mãe, eu sempre quero poder conversar sobre isso ou qualquer outra coisa com você e não com um estranho.
— Eu sei filha e fico feliz por você ter esse pensamento, mas não custa nada. – me olha séria.
— Tudo bem, pode agendar, eu vou, mas te quero lá comigo.
— Claro. - seu sorriso é amplo.
Terminamos o café em silêncio depois disso, mamãe focada em seu tablet e eu, tentando organizar a bagunça que ainda persiste em se formar em minha mente. A decisão que tomei a respeito do Eduardo é a única parte dessa bagunça que se mantém fixa e intacta na minha consciência, o restante fica passando e se embolando bem diante dos meus olhos.
— Vamos? - minha mãe chama a minha atenção enquanto olho o Facebook esperando por ela na sala.
— Vamos, só estou compartilhando esse vídeo. - falo andando atrás dela enquanto ainda olho para a tela do celular.
— Acho que as duas ligações evitadas não foram suficientes. - ela para com a mão na porta e eu quase bato nela.
— O que foi mãe? - pergunto quando ela abre caminho e meus olhos seguem o destino da rua.
Paraliso, analisando cada detalhe dele, ainda distraído, olhando para o celular, recostado em seu carro. O cabelo molhado e bem penteado, as roupas casuais, porém impecáveis que definem seu estilo despojado e único complementado por seus inseparáveis fones de ouvido.
Seus olhos saem da tela do aparelho vindo em minha direção e se encontram com os meus, fazendo a sensação de arrepio na espinha voltar, agora mais intenso, quase tirando a minha respiração.
— Acredito que não é um bom momento ir até lá cumprimentar. - mamãe fala fechando a porta e me tirando do transe.
— Não faça isso, por favor. - falo baixo e a olho de canto.
— Então, boa aula. - beija meu rosto e se despede.
Caminho em direção ao carro com os olhos fixos em Eduardo, que continua parado no mesmo lugar, me encarando de volta e a cada passo, sinto as pulsações do meu coração aumentarem, só não posso deixar que
isso atrapalhe tudo que tenho a dizer.
— Bom dia. - seus olhos me estudam.
— Bom dia. - respondo desviando o olhar.
— Está melhor?
— Estou bem. - o encaro sem entender o real motivo da pergunta.
— Seu pai comentou que você não se sentiu bem ontem. - ele responde a minha pergunta não feita.
— Você está aqui desde que meu pai saiu?
— Não queria correr o risco de você fugir de mim de novo.
— As chamadas não atendidas deram uma ideia não é. - ele concorda com humor.
— Gostei do visual. - me avalia de cima a baixo.
— Obrigado. - fico sem jeito.
— Mas não foi só a roupa que mudou. - seu semblante é de preocupação.
— Nada mudou, continuamos amigos, como sempre fomos.
— Você quer dizer que vai simplesmente passar uma borracha em tudo que aconteceu?
— Não, não é tão simples assim. Até porque eu me lembro de tudo que aconteceu a cada maldito momento que fecho meus olhos...
— Eu também não consigo parar de pensar... - ele me interrompe segurando a minha mão, mas o corto.
— Não Edu, aquilo tudo foi um erro e não vai mais se repetir. - tiro minha mão da dele.
— O que? - seus olhos me fitam com tristeza.
— Exatamente, sempre fomos e sempre seremos amigos e é assim que tem que ser, se você não quiser, então acho melhor a gente se afastar. - concluo e saio andando.
— Roberta espera! - ele vem atrás de mim depois de alguns passos. — Me deixa pelo menos te dar uma carona, afinal amigos fazem isso e eu quero continuar sendo seu amigo. - olho para sua mão que segura o meu braço e solto o ar pesadamente.
— Está bem, mas me prometa que não vamos mais tocar no assunto.
— Como você quiser. - ele solta meu braço e caminha para o carro, abrindo a porta do passageiro, esperando que eu entre.
— Obrigado. - passo por ele entrando no carro.
Durante o caminho até a escola, ele não diz nada e eu também não puxo assunto, a nossa conversa anterior em um redemoinho ainda está perturbando minha cabeça e me fazendo sentir sufocada. Eu estou convicta da decisão que tomei isso não é o problema, mas algo nos olhos dele quando eu disse é que está me deixando assim, culpada.
Enquanto ele estaciona o carro avisto nossos amigos reunidos debaixo da mesma árvore que sempre ficamos antes do início da aula. Fábio é o primeiro a nos ver e quando desço do carro, todos nos olham com a mesma expressão de diversão, exceto Babi, que tem uma carranca estranha direcionada a Eduardo.
Ele por sua vez parece não notar nada e como de costume vem até o meu lado e passa o braço por meu ombro nos encaminhando até onde nossos amigos estão. Caminho sem olhar para nada em especial, é como se meus olhos fossem entregar o meu segredo para quem olhar fixamente para eles.
— Bom dia pessoal. - Edu cumprimenta a todos como de costume.
— Visual novo? - Fábio me encara e posso ver preocupação em seus olhos.
— Eu gostei. - Fran diz vindo em minha direção me abraçar.
— Nada em especial, apenas vesti e gostei. - dou de ombros sem emoção.
— Eu prefiro o estilo original. - Babi passa o braço no meu e me puxa para longe de todos.
— O que foi? - a encaro sem entender o motivo do seu gesto.
— Quero perguntar algo que eles não podem ouvir. - seus olhos estão iluminados.
— Tudo bem, o que quer saber? - receio o rumo da conversa.
— O Edu te disse alguma coisa?
— Sobre? - fico tensa.
— Pelo visto não, aquela música que vocês tocaram ontem, ele fez pra mim. - seu sorriso é instantâneo.
— Sério?!
— É, eu não sei se deveria, mas como vocês são tão amigos e nós duas também, acredito que ele não vá se importar, mas nós estamos mais próximos, se é que você me entende. - ela sorri sem jeito e olha pra Edu.
— Vocês ficaram?! - minha pulsação acelera e tento controlar a respiração.
— Já, mas faz tempo e parece que ele quer repetir a dose. - sorri animada.
— Nossa. - engulo a bile que sobe a minha garganta.
— É, mas não conte pra ninguém, não quero que ele fique chateado comigo.
— Claro. - concordo olhando para Edu que conversa sorridente com Fábio e Fran.
O sinal toca indicando o início da aula e caminhamos para a sala de aula, todos conversando sobre algo que não consigo prestar atenção, pois minha mente continua na frase que Babi confidenciou. A aula é de literatura e cada um tem o seu livro para ler e comentar, então abro em qualquer página e finjo ler enquanto minha mente continua revivendo os últimos dias.
O intervalo chega e sou a última a sair da sala, encontrando Fábio do lado de fora com os braços cruzados me esperando, seus olhos me estudam por um instante e então ele respira triste, me abraçando em seguida.
— Vem comigo. - me puxa para o lado oposto de onde todos vão e eu apenas sigo sem questionar.
Caminhamos pelo corredor da biblioteca e entramos com a desculpa de pegar um livro para a próxima aula.
Sentamos em uma mesa mais ao fundo e ele me olha com pesar.
— Porque me trouxe aqui?
— Porque você precisa.
— Do que está falando?
— Você não prestou atenção em nenhuma aula, nem mesmo a de literatura que sempre gostou. Está estranha desde que chegou e pela sua expressão essa cabecinha aqui está em um turbilhão, acertei? - toca minha testa e sorri de leve.
— Quem é você e o que fez com o Fábio? - brinco e ele ri me fazendo rir junto.
— Não precisa dizer nada, só queria dizer que estou aqui se precisar de um amigo. - pega minha mão.
— Obrigado e realmente, não quero falar sobre isso.
— Tudo bem. Com fome? - levanta.
— Não muito. - dou de ombros.
— Então não sai daqui, já volto. - sai me deixando sozinha.
Fábio foi até a cantina e pegou refrigerante e dois lanches naturais, voltando em seguida. Ficamos todo o intervalo na biblioteca e conversamos sobre música, ele me contou sobre alguns esportes que gosta e tentou me explicar a matéria de química que perdi por estar com a cabeça em outro mundo na aula de hoje.
Entramos na sala rindo e todos os olhos se viraram para nós, incluindo o professor de inglês que nos olhou sério, mas depois brincou que não sabe ser o cara chato que dá esporro nos alunos. Ele é o professor preferido da grande maioria das turmas e já decidimos que será nosso padrinho de formatura quando concluirmos o colegial.
Ao final do dia ligo para minha mãe e combino de esperá-la na biblioteca, por conta de um livro que quero procurar para ler, mas o real motivo é evitar Edu e também a Babi, depois do que ela me disse, meu cérebro está sugerindo coisas que realmente não quero acreditar que seja verdade.
"Ele não faria isso, faria?"