A quem Mika Vogelmann estava tentando enganar? Ela não era capaz de fazer isso.
Como garotas como Brenda Belucci tinham tanta força para fazer o que precisa ser feito, mesmo que todos os seus instintos e melhores juízos gritem ao contrário? Para Mika, esse era o verdadeiro significado de ser forte. Quando você prefere morrer a ter que fazer algo que precisa ser feito, mas o faz mesmo assim.
Brenda era uma garota forte. Ainda que o mundo estivesse incansavelmente tentando convencê-la do contrário, não fazia diferença. Mesmo sem seu rabo-de-cavalo impecável e sem seus rios de dinheiro, ela ainda era o tipo de garota que vai lá e acha a filha perdida de alguém. Mesmo se alguém for seu ex namorado e potencialmente a única pessoa que ela amou na vida além de si própria, que não só a traiu, como também engravidou uma fracassada que não conseguia nem contar ao pai da criança a verdade.
De qualquer forma, ela tinha mais era que engolir o choro e dar um jeito de dizer a Thales sobre a criança. Não era justo com Brenda, de qualquer maneira. Ela tinha cumprido sua parte da barganha: descobriu a verdade sobre sua garotinha.
"Eu me sinto presa", ela confidenciou a Brenda num outro dia, se sentindo totalmente patética por conseguir achar algo para reclamar. Ela não era a vítima ali.
"Você não está presa. Na verdade, nunca esteve mais próxima de sua liberdade. Você tem que dizer a ele a verdade, Mika", Brenda arrazoou, com as mãos no volante.
"Eu não quero ser um peão em seu plano de vingança contra o seu ex", Mika levou a mão direita à raiz dos cabelos escuros. Sentia que poderia arrancar o próprio escalpo, e ainda assim a dor seria mais suportável do que o pensamento, latente e constante, de que uma hora teria de dizer a verdade.
Brenda mordeu o lábio, virando à esquina que dava para a rua do apartamento tenebroso em que Mika vivia com a irmã, uma pequena ruga se formando em sua testa.
"Não é isso. Talvez tinha sido, no começo", ela admitiu enquanto puxava o freio de mão, ao estacionar em frente à portaria do condomínio. "Mas não é justo que ele não saiba, nem com ele e nem com você. Você não é obrigada a passar por isso sozinha enquanto Thales enche a cara em bares com Silvia."
"Silvia está noiva", Mika argumentou. "Eles não fazem mais isso."
"Não é o meu ponto", Brenda agitou a cabeça, os cabelos longos, escuros e esvoaçantes apontando para todos os lados. Mika se lembrou de como o icônico rabo-de-cavalo de Brenda costumava chicotear quando ela se enfurecia e fazia o mesmo movimento.
Porém, Brenda não estava mais enfurecida. Por pena ou piedade, Mika sabia que estava segura com ela.
"Eu me sinto presa", ela murmurou novamente.
"Você não está presa, Mika. Cometeu erros, sim, mas nem todos foram sua culpa. Você passou por muita coisa, mais do que qualquer pessoa que eu conheça. O pior já passou. Somos adultas agora, você não precisa ser controlada ou se sentir obrigada a proteger ninguém dos próprios atos. Se você se vê como prisioneira, sabia que é da sua própria cabeça."
Devia ser por isso que Thales era tão louco por aquela garota, Mika pensou enquanto retornava à realidade, sentada em um dos bancos na praça em frente ao Colégio Santa Luzia para Garotas, as mãos enfiadas nos bolsos de um suéter grosso.
Thales não demorou a chegar. Estava péssimo: olhos inchados, expressão preocupada e parecia que estava há alguns dias sem trocar de roupa. Mika até perguntaria o que tinha acontecido, mas percebeu que não se importava.
"Eu tenho escondido uma coisa de você", ela nem ao menos o cumprimentou.
"Coloca na lista", ele desdenhou enquanto sentava-se ao lado dela, sem olhá-la no rosto. Mika não sabia o que tinha feito a Thales para que ele a tratasse com tanta indiferença, e mesmo que não mais nutrisse os mesmos sentimentos idióticos por ele, ainda assim não era fácil ser tratada como uma qualquer pelo pai de sua filha.
Sim, os dois tinham cometido um erro. Não a criança, aquilo que vem antes. Thales havia quebrado a confiança de Brenda nele, e Mika quebrara o voto de não-malefício que une todas as garotas. Mas não havia um vilão na trama: ambos sabiam exatamente o que estavam fazendo.
"Antes de você voltar para a Brenda como se absolutamente nada tivesse acontecido, eu fiz um teste", ela prosseguiu, impaciente para a falta de interesse de Thales. Manter as palavras em tom uniforme era quase tão impossível quanto forçá-las para fora da garganta, enquanto ele esticava confortavelmente as longas pernas. As próximas palavras travaram enquanto saíam com relutância. "Um teste de gravidez."
O rosto de Thales, já pálido pelo que quer que estivesse acabando com ele, poderia ser confundido com as paredes do Colégio à frente agora. Era como se ela tivesse assassinado um membro de sua família diante de seus olhos, ou cometido algo igualmente aterrorizante. De um jeito ou de outro, ele não se dignou a olhá-la nos olhos.
"Eu estava grávida, Thales. E você era a única pessoa com quem eu tinha ficado em meses", Mika não sabia de onde estava tirando forças.
Após uma longa pausa, ele falou, com a voz entorpecida.
"Isso não faz o menor sentido."
Ela continuou encarando-o com uma expressão vazia, enquanto os olhos dele permaneciam fixos em um ponto a sua frente. Era melhor deixar que ele se convencesse do que gastar palavras inócuas para fazer com que ele acreditasse nela. Mika estava tão cansada.
"Então você fez um aborto. Foi uma escolha sua, Mika, eu não participei dela. Nem poderia, é o seu corpo", ele disparou, e um rubor queimou as bochechas de Mika. Claro que para ele era "uma escolha dela", em especial, considerando que ele não tinha tido nenhum papel nessa escolha.
Como se ela tivesse engravidado sozinha.
"Eu não fiz um aborto."
"Você usava muitas drogas", ele racionalizou, distraído. "É normal que você tenha abortado espontaneamente."
"Eu tive o bebê", Mika sussurrou, cortando-o. "Eu tive a nossa... a minha filha."
O restante de vida que ainda coloria o rosto de Thales Velten se esvaiu.
"Eu não acredito em você", ele disse, puxando as raízes dos próprios cabelos. "Se você teve um filho, eu saberia. Essa é uma brincadeira de muito mau gosto, Mika."
"Não é uma brincadeira. Eu dei à luz uma criança. Uma garotinha. Ela foi adotada por um casal jovem, com bastante dinheiro."
"Isso é absurdo, até mesmo para você", Thales riu sem deboche. Ainda não havia encontrado forças para encará-la. Provavelmente devia achar que Mika estava sob o efeito de alguma substância. Não seria a primeira vez que ela vinha até ele com delírios mentirosos, implorando por sua atenção.
Só que não era esse o caso. Não dessa vez.
"Pergunte a Brenda."
Os olhos escuros de Thales Velten foram dirigidos ao encontro dos dela pela primeira vez desde aquela inútil interação. A menção a Brenda foi o suficiente para que o rosto de Thales se iluminasse de compreensão. Agora faz sentido, babaca?
Ela estava tremendo quando entrou de volta no carro, os dentes rangendo. Ainda que lágrimas não rolassem das órbitas de seus olhos, seu coração estava chorando. Sangrando. Apesar de ter levantado um peso de seus ombros, ela não se sentia livre como Brenda garantiu que ela se sentiria ao dizer a verdade depois de tanto tempo vivendo com aquele segredo e suportando-o completamente sozinha.
Pelo contrário.
Sentia-se amaldiçoada.
O segredo que a aprisionou por tanto tempo, agora também a trazia uma quantidade generosa de dúvida. O que Mika Vogelmann tinha vivido nos últimos dias era quase surreal – nem a mente mais doentia poderia chegar a um enredo tão torturante. E agora, ela estava amaldiçoada a viver para sempre como a garota que foi estúpida o suficiente para engravidar do namorado de outra, ainda mais estúpida por dar sua filha para a adoção, e, se é que é possível ser mais estúpida, por acreditar que poderia tê-la de volta.
Ela não merecia a própria filha. Não merecia um motivo.
Mika Vogelmann não valia nada.
Olá garota! Levei tanto tempo para voltar a atualizar essa história que nem quero segurar capítulo para postar uma vez por semana. Sei que vocês amam capítulos surpresa, então aqui está.
Espero que gostem! <3
Com amor, B