Um trauma, meu pai insistiu em dizer que eu estou com problemas, que preciso de ajuda para esquecer o passado. Eles não conseguem entender? Será que não enxergam? Não posso esquecer o que presenciei naquele dia. Não posso esquecer todos me dizendo adeus, esquecendo as dores, esquecendo ele e tudo que aconteceu.
Meu pai está repetindo há dois dias a mesma frase: Você precisa de um tratamento, precisa de ajuda.
Minha família acredita, que se eu desabafar com alguém, contar todos os meus medos e receios, eu posso melhorar. Eu posso sentir! O problema está sendo Simon Gustavo, o lenhador incrivelmente sexy que está insistindo e forçando uma amizade. Ele ficou minutos tentando iniciar uma conversa sobre a minha vida. Não pode ser interesse sexual, ele me parece muito tranquilo em relação à esse “assunto”, às vezes penso que ele realmente quer criar uma amizade.
─ Bom dia…
Falando no diabo, só pode ser brincadeira.
─ O que você quer? ─ preparo minhas muralhas, reforçando com meus espinhos.
─ Nossa, são dez horas da manhã e você está trancada em um quarto, admirando as paredes. Tem uma fazenda enorme lá fora. ─ sorriu. ─ Com plantações lindas, jardins bonitos, animais encantadores. E tem a cachoeira nos montes!
O rapaz esbanja uma animação, sempre com um aspecto descontraído.
─ Não quero! ─ digo com convicção.
─ Bom, você está perdendo o mundo lá fora e…
─ Gustavo. ─ grito, o bonito rapaz me encarou sério, seu sorriso maroto que engrandece a sua beleza, aos poucos foi se dissipando. ─ Eu não quero sair do meu quarto. Por favor, saia agora.
─ Por favor? ─ Apoia-se na minha cômoda. ─ Que progresso.
─ Já chega. ─ levanto-me, caminhando em direção a porta. ─ Saia agora, estrume de vaca.
Simon revirou os olhos.
─ Está certo, mas se você fosse ia bisbilhotar a cozinha. Tem um cheiro delicioso vindo dela!
Meu estômago só faltou gritar e implorar. Simon me lançou uma piscadela e saiu do meu quarto, me deixando frustrada. Esse homem consegue superar o meu pai com a sua insistência.
Esperei por 10 minutos para me certificar que não vou encontrar o caipira com olhos de avelã rondando a Mansão, desci para me alimentar.
A minha avó e a minha tia estão animadas na cozinha preparando pães.
─ Hmm! É… Bom dia!
─ Resolveu aparecer o nossa flor da manhã. ─ Diz a minha tia. ─ Sente-se, você precisa experimentar esses pãezinhos de girassol.
A minha tia me entregou um prato com alguns bolinhos abertos. Tem um cheiro extremamente maravilhoso. Simon tinha razão!
─ Um café forte para acompanhar. ─ minha avó pousou uma xícara na mesa. ─ Nana, querida, não exagere com as sementes de girassol. É só para dar um gostinho diferente na massa.
─ Semente de girassol? ─ questiono com a boca cheia.
─ Oh, você não conhece os benefícios da semente de girassol.
─ Elas são comestíveis?
Minha avó e minha tia caem na gargalhada.
─ É lógico, são deliciosas! Quer experimentar? ─ oferece, entregando-me um pequeno pote.
Eu assenti, pegando um punhado da semente descascada e colocando na boca. Hmmm, era diferente, o gosto suave e muito bom.
─ Delicioso. ─ Fui obrigada a admitir.
─ As sementes de girassol pode ser incluídas em massa de bolo, biscoitos, panetones e pães. São ricas em vitaminas e ótimas para a pele. ─ disse a minha tia, acariciando as próprias bochechas. ─ A dona Germana, é uma benzedeira antiga. Ela tem mania de criar remédios e tônicos medicinais, ela faz um creme hidratante com óleo de girassol… ES-PLEN-DI-DO!
Não consegui contém o sorriso.
─ Quem é Dona Germana? ─ Questiono, devorando meu segundo pãozinho.
─ Ela é avó do Simon, é um senhora tão amiga. Acho que a Sol vai gostar dela, não acha mamãe?
Minha avó concordou com a cabeça, enrolando uma massa.
─ Solana, porque não faz um tour pela fazenda? A Cabana da Dona Germana fica um pouco distante da Mansão, mas é uma caminha tão gratificante graças ao jardins e as plantações de legumes e verduras.
Beberiquei meu café!
─ Sei não, o Simon vai estar lá?
As duas mulheres trocam olhares curiosos.
─ Ele mora na Cabana, acho que pode encontrá-lo. ─ comenta tia Nana.
Minha avó faz um movimento vago com a mãos.
─ Besteira, Simon é um homem ocupado. Precisa cuidar da plantação, dos estábulos e celeiro.
─ Acho melhor eu voltar para o meu quarto!
─ Solana sobre o ateliê…
─ Vó, já chega. ─ respiro fundo. ─ Eu já entendi, não precisa estar se desculpando o tempo todo. Não vai melhorar a situação, eu continuo odiando esse lugar.
Ela concordou com a cabeça entristecida.
─ Daqui alguns dias você precisa voltar no hospital retirar os pontos do corte. ─ Lembra-me Nana.
─ Eu sei! Onde está o meu pai? ─ Pergunto-lhe, olhando ao redor.
─ Está verificando os funcionários, se estão trabalhando. É uma fazenda grande e com muitos afazeres. Se ele não colocar ordem e exigir esforço, essa fazenda simplesmente para as atividades. E Morgan…
─ Não quero saber sobre ela.
Afasto-me, saindo da cozinha.
Não quero saber quando meu pai começou a se envolver com aquela mulher. Como foi fácil para ele esquecer a nossa família e recomeçar outra em uma fazenda em Minas Gerais. Um lugar tão bonito e diferente do Rio Janeiro.
❁ ❁ ❁
A noite liguei para a Violet, faz dias que não entro em contato com a minha irmã. Ela falou muito sobre a faculdade, sobre o namoro com o Alexandre. Nossa mãe está ótima no trabalho, suas matérias tem ganhado destaque no jornal. A vida delas está seguindo em frente, seguindo para um caminho primoroso. E nessa noite eu dormi muito bem, sonhei que carregava nos braços um bebê fofo e caminhava em meio a uma plantação linda de girassol. Acordei com meu corpo leve, o sol brilhava com toda a sua grandeza, os pássaros cantam em completa sintonia. Sento-me na cama e olhei ao redor, para meu quarto charmoso e depois fixo em meu guarda-roupa. É hora de levantar!
Escolhi um macacão clássico, curto e confortável para uma boa caminhada. No banheiro, o espelho revela meu corpo. Estou muito magra, os ossos do meu rosto totalmente visíveis. Quando fiquei tão magricela? Quando me importei? Dane-se a minha saúde, dane-se minhas emoções e minha beleza.
Desci para o café da manhã, meus familiares conversando na mesa. Não cumprimento, sento-me e me sirvo, ouvindo a conversa eufórica de todos.
─ Bruna volta esse final de semana! ─ Diz Morgan animada. ─ Nunca imaginei Bruna morando em uma fazenda, ela ama esse lugar.
Acho que ela ama um lenhador de pele dourada e olhos avelã.
─ Fico feliz, ela está se adaptando! ─ argumenta meu pai, meloso.
─ O bom é que ela pode trabalhar na Fazenda, ajudar o Simon.
Ou trepar com ele!
─ Estou pensando no aniversário de 20 anos da Bruna, um churrasco seria interessante, o que vocês acham?
Todos concordam eufóricos, eu apenas fico em silêncio. Sendo ignorada, e honestamente? ESTOU AMANDO.
Um copo de suco de laranja foi colocado em na minha frente.
─ Beba menina; ─ ordenou a minha avó. ─ está muito pálida, precisa de vitamina C.
─ E você, Solana, qual curso estuda na Universidade? ─ Interpela Morgan.
Por que a minha avó precisou alertar a todos a minha presença? A tensão ganhou a mesa, todos ficam rígidos e com uma expressão estranha. Minha cabeça no momento parece que vai explodir.
─ Eu não terminei o ensino médio, parei no segundo ano.
Meu pai balançou a cabeça, totalmente descrente.
─ VOCÊ NÃO TERMINOU O ENSINO MÉDIO? ─ Berrou irritado.
─ Não consegui. ─ minha voz saiu rouca e não compreendo, não consigo entender essa vontade de me enterrar em um buraco. Estou morrendo de vergonha.
─ Não conseguiu? NÃO CONSEGUIU? Meu Deus. ─ levanta-se, espalmando a mesa. ─ Com 12 anos você estava ganhando concursos de artes em Buenos Aires. Viajando para participar de exposições de arte infantil e juvenil.
─ Não gosto de estudar! ─ Não gosto do que o colégio me faz sentir.
─ Vanessa não me contou o estado que você se encontra, da sua saúde mental. Não me contou dos seus estudos. Ela simplesmente, descartou você.
Meu coração se apertou… Não, não, ela nunca me descartou.
─ Sou eu pai, sou eu o problema. Nunca foi a minha mãe. Não culpe ela por seus erros.
Deixo a cozinha, correndo para meu quarto e passo o dia trancada. Esperando apenas uma batida, esperando uma única pessoa. Mas ele não veio, Simon não apareceu no meu quarto com o seu sorriso maroto, com mesmo jeito descontraído de sempre.