NOS MEUS SONHOS

By paulostucchi

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"Pode-se dizer que eu, literalmente, encontrei a mulher da minha vida no momento mais fodido por que já passe... More

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By paulostucchi


Como já disse, tenho absoluta certeza de que Mago possui uma reserva bem gorda de grana no banco, fruto dos serviços nada ortodoxos que presta para tubarões do lado negro da força do mundo corporativo.

Contudo, nada – absolutamente nada! – no estilo de vida que compartilha com Ritinha e a pequena enfezada Vishnu indicam qualquer tipo de renda bem nutrida; pelo contrário, o casal e a pinscher vivem uma vida no mais saudoso estilo hippie: paz, sexo e muita, muita maconha.

Então, era de se esperar que Mago não dispusesse de um meio decente de transporte, mas, honestamente, mesmo conhecendo-o razoavelmente bem, eu não estava preparado para aquilo.

Após convencê-lo a usar Vishnu e nossa amizade em meus planos, e explicar todos os detalhes a Ritinha, deixamos o prédio carcomido e descemos a rua dois quarteirões. Mago levava Vishnu nos braços, e, alguns passos atrás, Ritinha me falava coisas sobre amor transcendental e almas gêmeas. Segundo ela, meus sonhos eram chamados de algo muito superior e todos nós, que pavimentava o caminho para a relação de minha vida.

- Quando vocês finalmente treparem, será mágico. É como a chave que encontrou sua fechadura, a união plena do macho e da fêmea – ela explicara, emitindo gemidos estranhos que me davam certo desconforto. – Li muito sobre isso, se quiser, te passo o eBook.

Respondi com um simples sorriso sem graça.

Mago tirou um molho de chaves do bolso da bermuda de brim e destrancou o portão enferrujado de um estacionamento que, para mim, mais parecia um desmanche. Pendurado ao molho de chaves, uma folha de cannabis feita em aço balançava como um pêndulo.

Pediu para esperarmos na rua e entrou, esmagando os cascalhos com os chinelos. Não tardou para que retornasse ao volante de um fusca verde alface que, conforme me explicara mais tarde, era uma legítima relíquia de 1982, cujas peças eram todas originais.

Deduzindo que aquela lataria nunca tinha passado por uma revisão ou conhecido as mãos de um mecânico, sentei-me no banco de passageiros, ao lado de Mago, segurando Vishnu no colo. Apesar da resistência inicial, a cadelinha já parecia estar confortável nos meus braços.

A olhar para meus pés, notei que havia um buraco onde, tipicamente, deveria ser o assoalho. Debaixo de mim, eu enxergava diretamente o cinza do asfalto.

- Boa sorte, rapazes – desejou Ritinha, após dar um beijo quente em Mago e se despedir. – E, você, menina, comporte-se – finalizou, dirigindo-se à pinscher.

- Pronto para andar no Incrível Hulk? – Mago me perguntou, puxando o cinto de segurança.

- Cê chama isto de Hulk?

- Não o Hulk de Hollywood, com a cara do Eddie Norton; longe disso! Este é um legítimo Lou Ferrigno do seriado de 1978, sem anabolizantes – ele disse, me dando uma piscadela.

O motor rosnou, emitindo o som estridente típico dos velhos fuscas.

Logo, estávamos ladeira abaixo. Eu me orientava pelo GPS do Google Maps, enquanto que Mago guiava-se pelas minhas instruções.

- Então, deixa ver se entendi – falou Mago, sem desgrudar os olhos do trânsito. – Você vai usar a Vishnu como pretexto para ver a tal veterinária dos seus sonhos, é isso?

Assenti.

- E não seria mais fácil simplesmente chegar na mina e levar um papo?

- Acha que já não pensei nisso? – ralhei. – Acontece que não posso simplesmente chegar pra moça e dizer: Garota, é o seguinte; cê anda assombrando meus sonhos. Seja o que for, caia fora e me deixe em paz. Nem você acreditaria numa história dessas, sacou?

Mago deu de ombros. Prossegui:

- Quero sondar o terreno, entendeu? Tentar descobrir quem ela é, e por que tenho sonhado com ela, sem parecer um lunático filho da mãe.

- Cê quem manda – Mago encolheu os ombros novamente. – Mas vai ter que me pagar as horas de trabalho, morou? Acha que vivo de vento?

- Posso te pagar em sexo? Porque grana eu não tenho – falei, detendo-me nas orientações do Google. – Vire aqui!!!

Mago girou o volante rapidamente, atravessando a pista à sua direita e entrando na rua perpendicular. Agarrei-me à alça do lado do passageiro (aquele item indispensável, cujo nome ninguém sabe, mas todos chamam de puta-que-pariu). À manobra arrojada, seguiram-se xingamentos de um motoboy, que gesticulou para nós mostrando o dedo do meio.

- Caralho, Túlio! Fica de olho nessa merda aí!!! – esbravejou Mago, recuperando o fôlego.

Após ver a morte de perto, segui em silêncio, apenas falando para ditar as instruções ao condutor.

- É aqui, chegamos – disse, observando o sobrado verde com convidativo portão branco e placa em relevo onde se lia Dr. Pet. A clínica ficava num local arborizado de Higienópolis e, pelos modelos de carros estacionados nas três vagas da garagem defronte ao prédio, não fora difícil deduzir que os clientes estavam num estrato social muito superior ao meu.

- E agora, gênio? – perguntou-me Mago.

- Agora – desci com Vishnu nos braços –, você procura um lugar pra estacionar o Incrível Hulk, enquanto eu penso no que dizer à moça de cabelos de cobre.

*****

Vishnu ainda se mostrava arredia e em estado de alerta enquanto eu subia o pequeno lance de escadas até a recepção da clínica. A fachada era clean e ornamentada com um jardim discreto, mas bem cuidado, localizado na calçada pela qual senhores e madames faziam caminhadas.

A cadelinha manteve as orelhas pontudas em riste quando rompi a porta de entrada e cheguei à recepção. Na sala de esperas, localizada de modo adjunto à salinha que dava as boas-vindas aos clientes, duas mulheres, uma de bastante idade, e outra mais nova, aguardavam juntamente com seus respectivos cães.

A senhora, cuja idade calculei estar em torno dos 70, trazia no colo uma schnauzer que, com base na quantidade de pêlos brancos do focinho, devia regular em número de anos com sua dona. Assim que eu e Vishnu entramos em seu campo de visão, o animalzinho contorceu-se, emitindo um rosnado rouco.

Meneei a cabeça, amistoso, exibi meu melhor sorriso, e passei os olhos na outra senhora, bem mais jovem, na casa dos 40, e que trajava roupas de academia. Ao seu lado, um pastor alemão ressonava tranquilamente.

As paredes estavam decoradas com quadros grandes que exibiam cães em suas melhores formas, saltando, correndo ou, simplesmente, olhando de modo amistoso para a câmera com a enorme língua para fora.

Detive-me diante do balcão branco, atrás do qual uma garota morena de seios enormes, parcialmente visíveis através do decote ousado, e de olhar convidativo, me recebeu com um largo sorriso.

- Posso ajudar o senhor? – perguntou, passando o dedo pela tela de seu celular, que repousava sobre o balcão.

Ainda olhando, sem qualquer discrição, para os seios da garota, imaginando como seriam seus mamilos encobertos por aquele naco de tecido, murmurei algo como "Estou procurando a Dra. Marina".

- O senhor tem cadastro em nossa clínica? – ela perguntou, aparentemente ignorando meu olhar despudorado.

- Na verdade, é a primeira vez que venho. Minha cachorrinha está doente e um amigo me recomendou vocês. Disse que a Dra. Marina é uma excelente veterinária – falei, mentindo de modo deslavado.

Naquele momento, a garota me olhou pela primeira vez. Mediu-me dos pés à cabeça e franziu o cenho. Muito possivelmente meu estilo despojado de vestir não condissesse com o perfil dos clientes habituais da Dr. Pet, mas eu estava ali, em pé, diante dela, com uma pinscher impaciente no colo. Então, esforçando-se para sustentar a simpatia, pediu meus dados e começou a preencher rapidamente meu cadastro.

- Estou terminando de fazer uma ficha para o senhor e para... como se chama a mocinha linda no seu colo?

- Vishnu – eu disse, num tom sem graça.

- Nome lindo – ela sorriu. Enquanto digitava, observei que seus seios pulavam discretamente, conforme os braços se mexiam. – E o que ela tem?

- Diarreia – inventei, dizendo a primeira doença que me veio à mente.

- Tadinha... Deve ter comido alguma porcaria. Cachorros são assim – ela prosseguiu com a digitação frenética até que, de repente, parou. Jogou uma mecha de cabelo preto atrás da orelha e me encarou: - Pronto, agora, só o senhor aguardar. A Dra. Marina ainda não chegou, mas o Dr. Osvaldo está atendendo na Sala 2.

Acho que, ao ouvir aquilo, não consegui disfarçar minha expressão de decepção e desespero.

- Mas me recomendaram a Dra. Marina... – eu disse, enquanto Vishnu, impaciente, mordia minha mão.

- Ela já deveria estar aqui, mas vai atrasar. Está resolvendo alguns problemas particulares – a garota informou, confusa diante de minha reação. – Mas o Dr. Osvaldo é um excelente veterinário. Os clientes gostam muito dele.

- Mas a que horas a Dra. Marina chega? – insisti, decidindo arriscar.

Vishnu cravou os dentes nas costas de minha mão, arrancando pele e um pouco de sangue. Contive-me para não xingar a cadelinha psicopata de Mago e limitei-me a sorrir, aguardando a garota de peitos enormes dizer-me algo.

- Bom, ela já deveria ter chegado. Acho que não vai demorar – a garota disse, um tanto sem graça. – Em todo o caso, o Dr. Osvaldo está atendendo agora, e ainda restam dois clientes na sua frente. Se o senhor quiser aguardar, provavelmente a Dra. Marina chegue até sua vez de ser atendido.

Assenti e agradeci. A garota devolveu-me o sorriso, aparentemente satisfeita por ter me convencido a esperar. Mal sabia ela que, com aquele decote, não era necessário muito esforço para que me convencesse de alguma coisa.

Acomodei-me no sofá ao lado da mulher e do pastor alemão. Pareceu-me a decisão mais acertada manter-me longe da schnauzer, que havia voltado a encarar Vishnu e a rosnar.

Passaram-se cerca de 20 minutos quando Mago finalmente entrou na clínica, esbaforido. Encarou-me com espanto e eu acenei para que se sentasse ao meu lado.

- E aí? – ele cochichou. – Já falou com a doutora gostosa?

- Não – respondi, rispidamente. – Ela ainda não chegou. Sou o terceiro na ordem dos atendimentos; temos que esperar.

Mago espichou-se no sofá, esticando as pernas.

- Por mim, tudo bem. Estacionei em área de Zona Azul; você paga, mano.

Assenti. Mesmo porque eu não sairia daquele lugar sem pelo menos trocar meia dúzia de palavras com aquela mulher, a tal Marina. Os pesadelos tinham que parar, e eu estava convencido de que acabar com meu martírio passava obrigatoriamente por saber mais da mulher que povoava meus sonhos.

A hora passou lentamente. Os ponteiros do relógio redondo preso à parede da recepção deslizavam lentamente entre os números, como que por pirraça.

Já beirava a hora do almoço, e eu aguardava minha vez. Eu perguntara duas vezes se a Dra. Marina havia chegado, e a garota da recepção passou a me encarar de modo estranho, arredio, possivelmente pensando que eu era algum tipo de perseguidor, ou tinha segundas intenções com a doutora – e, de fato, tinha.

Vishnu havia se acomodado no meu colo e dormia tranquilamente. Mago entretinha-se com uma revista sobre animais de estimação e, vez ou outra, interrompia a leitura para me lançar perguntas como: "Você sabe qual é o cão mais comprido do mundo?", ou, ainda, "Adivinhe o nome da raça de cachorro mais popular no Afeganistão".

- Deve ser a cadelinha do Osama Bin Laden – retruquei, contrariado.

- Você é um ogro que não aprecia cultura inútil, mano – ele disse, voltando a mergulhar na leitura.

Eu estava pronto para responder à provocação quando me deparei com uma mulher de cabelos cobreados passar pela porta de vidro da clínica. Trazia uma bolsa a tiracolo e um jaleco verde-claro, com o logo da Dr. Pet, caído sobre o braço esquerdo.

- É ela! – eu disse, sobressaltado, cutucando Mago.

Marina – sim, era o nome ela – percorreu o olhar pela sala. Além de nós, outros dois clientes haviam chegado e esperavam nos sofás, mas era minha vez de ser atendido.

Seus olhos cruzaram os meus, mas, aparentemente, ela não me reconhecera. Pelo menos, não esboçara qualquer reação.

Foi então que notei os sulcos escuros sob os olhos de Marina e sua expressão exaurida. Havia algo errado.

Ela trocou algumas palavras com a recepcionista, de cujos seios eu jê havia me esquecido. Assentiu, dizendo algo e exibindo um sorriso anêmico, e, em seguida, dirigiu-se para a sala de atendimento, passando por uma porta branca.

- Agora, é só esperar – disse Mago. – Logo, logo, você estará cara a cara com a mulher dos seus sonhos.

Eu ouvi, mas não respondi. Ainda pensava sobre o que poderia estar acontecendo com Marina e em sua expressão abatida.

Foi nesse momento que algo bastante insólito e perturbador aconteceu. Vishnu, que dormia aninhada em meu colo, ergueu a cabeça empinou as orelhas. Olhava para um canto da sala de espera e rosnava; os pelos em seu dorso estavam arrepiados.

- Ei, o que foi garota? – perguntou Mago, afagando a cabeça do pequeno demônio.

Segui o olhar de Vishnu e detive-me no canto que a cadelinha encarava furiosamente. Não havia nada ali, mas, de repente, um zunido estridente soou em meus ouvidos.

Levei as mãos às orelhas e curvei-me, com dor. Vendo-se livre, Vishnu saltou de meu colo e correu para o canto da sala, latindo ferozmente. Os outros dois cachorros (um labrador chocolate e um vira-lata malhado) também começaram a latir, ensandecidos.

- Vishnu! – Mago correu em direção à cadelinha, enquanto eu me contorcia de dor.

Gradualmente, o zunido diminuíra. Quando se tornara quase inaudível, uma voz (aquela voz, a mesma dos meus pesadelos) ecoou em minha cabeça. Era praticamente um sussurro, misturado com um chiado semelhante ao de um guincho.

Ajude ela, por favor. Você me deve.

Saltei do sofá, colocando-me em pé.

"Devo? Devo o quê? Quem é você?".

Olhei em volta, e notei que todos me encaravam. Os cães já haviam se acalmado e Vishnu estava acomodada no colo de Mago, que caminhava em minha direção, encarando-me.

- Mano, cê tá bem? – perguntou.

- Não, acho que não. Eu...

Estava pronto para explicar a Mago o que havia acontecido, mas fui interrompido pela garota de seios enormes que, dirigindo-se a mim, disse:

- O senhor pode entrar – novamente, ela sorria. – A Dra. Marina está aguardando na Sala 1. 

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