CURA | DIA 2
Só tenho certeza que consegui dormir porque tive alguns pesadelos.
Sinto-me exausta agora.
Por isso, sair da cama parece impossível, mesmo que o alarme esteja cada vez mais alto. Faço um esforço, só quero chegar à sala do procedimento de Cura e tomar o sedativo, estou desesperada por algumas horas de quase inconsciência.
Pouco depois a porta abre, e as duas enfermeiras entram e desligam o alarme.
Elas me ajudam a levantar e a sentar em uma cadeira de rodas, levando-me para a frente da mesa onde meu café da manhã já está esperando.
Pego um pão que está embalado e etiquetado. Além da data de embalagem e vencimento, vejo meu nome, o peso e a lista de ingredientes. Tudo foi feito exclusivamente para mim, na medida certa.
— Você precisa comer tudo o que a nutricionista passou — Tessa diz quando afirmo ter terminado, mas ignorei a tigela de frutas.
— É mesmo necessário?
— A nutricionista sabe exatamente o que seu corpo precisa para que o procedimento seja o menos desconfortável possível. Se não seguir à risca tudo que é prescrito, você poderá ter noites ainda piores que a de ontem.
O argumento é tão bom que nem ao menos penso em contestar, apenas pego a tigela de frutas. Afinal, não quero noites como a de ontem, muito menos noites ainda piores.
A seguir, as duas me guiam até a sala onde estive no dia anterior e a Dra. Meredith já está à minha espera.
— Já ouvi falar que você demorou mais do que o habitual para ter a crise do primeiro dia — diz, olhando-me de forma cuidadosa. — Foi muito ruim?
— Foi péssimo — digo sincera, enquanto sento-me na poltrona e vejo a sala girar ao meu redor.
— Sinto muito. Mas pelo que estou vendo nos exames que fizeram nesta madrugada, tudo está normal, seu corpo está reagindo perfeitamente bem. Não sei se hoje será melhor ou pior, não posso garantir nada. Mas já passou um dia.
— Só faltam mais quatro — ironizo, mas isso me aterroriza.
— Eu sei — ela responde de forma condescendente. — Hoje, nós vamos direto para o sedativo assim que estivermos monitorando seus sinais vitais, uma vez que o Soro da Cura já foi injetado ontem.
Tessa e July rapidamente me ligam aos aparelhos.
— Preparada, Emily? — Meredith pergunta.
— Sim — respondo com um ânimo que nem eu mesma reconheço.
Estou desesperada por não ter que pensar, que me lembrar, que sentir. Só quero entrar naquele sono profundo no qual parece que não existo mais.
— Tenha um bom descanso! — Meredith me diz alguns segundos antes de o sedativo fazer efeito.
Cura | Dia 3
Essa noite foi igual a anterior, mas acho que não vomitei nem uma vez. Tudo é um borrão entre medo, náusea, febre e dor de cabeça.
E apesar de o alarme estar tocando há algum tempo, não consigo abrir os olhos por mais que eu tente.
Os segundos passam e não sei porque as enfermeiras ainda não entraram.
Ouço a maçaneta da porta do quarto ser aberta e não tenho forças para me mexer. A seguir, há passos vindo na minha direção. Só de uma enfermeira. Meus olhos continuam pesados demais para eu conseguir abri-los.
Mas uma voz conhecida me chama.
— Emily, olha para mim. — Forço os olhos a abrirem e, quando consigo, vejo Anna à minha frente.
— O que você está fazendo aqui? — pergunto surpresa.
— Lucas veio visitar você e eu o acompanhei.
— Onde ele está? — Olho rapidamente à volta na esperança de vê-lo.
— Aqui — ele diz, desencostando-se da porta e vindo na minha direção com um sorriso perfeito.
Quando chega ao lado da Anna, ele segura a mão dela, que desvia os olhos apaixonados para ele.
— Lucas? — digo apenas o nome dele, esperando uma explicação.
Ele apenas sorri.
Olho para as mãos dos dois e vejo meu anel com o símbolo do infinito no dedo do compromisso dela.
— Nós estamos felizes por você, Emily — Lucas diz.
— Nós? — pergunto sem esconder a raiva na minha voz.
Tudo começa a perder o foco e a rodar à minha volta. Os rostos deles se tornam um borrão, e não consigo entender nada do que dizem.
Não quero entender nada.
Sinto lágrimas amargas rolarem pelo meu rosto.
— Alucinação. — Ouço uma voz falar perto de mim.
— Quem é? — Reconheço a voz, mas não consigo me lembrar de um nome ou de um rosto.
Estão me tocando. Estão me tocando.
Eu não sei quem é. De repente tem tantas pessoas sem rosto.
— Emily, é a...
Não deixo terminar de falar. Não quero saber quem está perto de mim.
— Fiquem longe de mim — grito.
Sinto mãos fortes segurarem meus braços, uma picada e de repente meu sangue todo está fervendo, como se corresse fogo pelas minhas veias.
*
Minha respiração começa a voltar ao normal e as vozes parecem diminuir.
Sei que Anna não está aqui.
Estou de volta à realidade, mas não quero abrir os olhos. Nunca mais quero abrir os olhos.
Sinto me moverem.
Viramos à esquerda, à direita, seguimos em frente por algum tempo, mais um giro à direita, outro a esquerda e chegamos.
Sei onde estamos.
— Certo. Alguma outra informação relevante? — Ouço Meredith perguntar depois de as enfermeiras descreverem o que aconteceu há pouco.
Não consigo escutar a resposta, mas acredito que tenha sido negativa.
— Emily, você teve uma alucinação — a médica diz. — São relativa comuns durante a Cura. Agora, gostaria que você abrisse os olhos. Preciso que você esteja totalmente consciente antes de começarmos o procedimento hoje.
Faço o que ela pede lentamente.
A única coisa que vejo à minha frente são os cabelos loiros e o rosto perfeito da Dra. Meredith. Ela tira uma lanterna do bolso do jaleco branco e pede para eu acompanhar a luz com os olhos.
— O que injetaram em mim? — pergunto.
A sensação foi horrível.
— Nada, Emily — a médica responde segura.
— Eu senti algo entrando na minha veia...
— Foi parte da alucinação que você teve — ela me interrompe —, provavelmente por causa da enxaqueca.
Nunca tinha passado por esse tipo de experiência, e decido não fazer mais perguntas.
Meredith faz mais algumas perguntas e me considera apta para mais um dia de procedimento.
Aconchego-me na poltrona e não me lembro de mais nada.
Estou aqui sem você, amor
Mas você continua em minha mente solitária
Eu penso em você, amor
E sonho com você o tempo todo
Estou aqui sem você, amor
Mas você continua comigo em meus sonhos
(Here Without You | 3 Doors Down)
Tive que publicar dois capítulos juntos e ainda saiu pequenino!
A Emily não tem um segundo de paz!
Hoje À Beira do Caos completou 1.400.000 leituras! OBRIGADA a vocês que acompanham, que indicam, que surtam comigo e com os RESISTENTES!!! O carinho e o apoio de vocês é tudo pra mim!
Até amanhã!