Crosswords

By kcestrabao

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Lauren é responsável por fazer as palavras cruzadas do mais importante jornal de Nova York. É uma mulher que... More

Camila
Cabello
Anel
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Beautiful
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All I Have
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Feelings
Crossword
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Slowly on You
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Nice To Meet You, Lauren
Loca Enamorada
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Vows
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Collide
Body & Soul

Destino

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By kcestrabao


Narrador POV

A deriva

São incontáveis as vezes que em momentos de pura tristeza ou de profundas decepções, desejamos intensamente que não tivéssemos feito decisões passadas que nos levam a um presente chateador. Vez ou outra nem precisa necessariamente ser algo tão destrutivo, basta que aconteça algo minimamente desgastante que os intensos pensamentos de: "não deveria ter passado naquela rua, naquele exato momento para a ter conhecido, não estaria assim", ou um simples, "não deveria ter parado para lhe dar aquela droga de informação, eu também não estaria assim".

E são realmente ilistáveis as vezes que forçamos um arrependimento que nos leve a crer que algumas coisas não deveriam ter acontecido conosco. Mas já pensou em tudo aquilo que se encaixa como um padrão em sua vida? Percebeu que se há peças de um quebra cabeça faltando será impossível torna-lo completo? Ou mesmo assim ainda pensa em excluir pequenos pedaços porque eles só lhe trouxeram chateação e ao seu sentir é inútil que tenha passado por tanto para estar onde está?

Camila também já pensou nisso, em sua mente onde parou em momentos frustrados, se pegava abominando a si mesma quando se recordava que todas as suas decisões foram feitas por seu livre arbítrio e que mesmo assim escolheu se enfiar em uma bagunça e nela quis se manter por um bom tempo. Mesmo que dentro de si, algo bem profundo já previsse o fim antes mesmo de um começo.

Mesmo que desejasse não ter passado por tanto para encontrar sua destinada, que estava ali por ela, e por algum tempo ela insistiu em pensar daquela maneira, colocando seu relacionamento antigo com um homem destrutivo e ambicioso como o maior erro que já cometeu por livre e espontânea vontade. Ela não entendeu por esse longo tempo que ele precisava ser cometido.

Ela precisava errar com ele, para acertar com ela.

Se conheceram no exato momento que foi feito para acontecer, saindo de uma avalanche de frustrações e em um momento de mudança onde Camila olhava para dentro de si e se enxergava melhor do que qualquer coisa antes, estas transições foram crescentes e nos momentos perfeitos, onde além de melhorar a si, adotou paciência, e se enfiou em sua aceitação, ela começava a ser Karla Camila, porque de nada antes foi tão paciente e exercitou de tamanha bondade.

Mas o que aconteceria? O que iria dar-se para Camila se ela nunca tivesse passado por Austin? Quem seria e o quão sábia a vida a tornaria sem esse exato tipo de experiência? O destino já insistia por tanto tempo que ela se ligasse a Lauren, e não acontecia, sem Austin isso seria mais fácil? Se amariam de qualquer maneira? Fácil? Com a mesma paciência e com a mesma necessidade de se tornar melhor mesmo sem ter passado pelo pior?

Tomem um tempo viajando nos sonhos de Mercedes Cabello agora, a cigana até então solteira depois de um casamento que foi fadado ao fracasso por ser impossibilitada de ter filhos, tinha dons de previsões ao dormir, nada que sonha ou que pensa ao ter seus olhos fechados em um estado de letargia se tornava inverdade.

Mercedes teve esse sonho quando Camila estava prestes a terminar a faculdade e disse em sua ultima visita ao acampamento do pai que queria mudar um pouco, ir para cidades mais litorâneas, queria sol e contribuir para bibliotecas em Miami, se aproximar de sua Tia Amaya. Mercedes a ouviu em uma noite, e em outra já havia sonhado com tudo acontecendo...

Jovialmente vibrante, Camila mudaria com facilidade, teria o apoio dos pais porque eles assim sempre fariam por aquela menina, a aquele ponto ainda não havia conhecido Austin, e tinha uma intensa rotina de festas com as melhores amigas que tornava suas noites longas e seus dias mais pesados e cansativos, mas nada... nada conseguia deter sua energia em fazer tudo que queria.

Se sua decisão fosse ir para Miami, faltaria a faculdade naquela manhã de terça, não se encontraria com homem nenhum no corredor, não se encantaria por algo tão errado, sua mente estaria projetada a planos que a levaria para bem longe dali, longe de seu destino, longe de sua família cigana, longe de Sara Kali... Longe de ser cigana e acompanhar a família de seu pai de perto. Era certo que fosse para Miami? Talvez sim...

Talvez não...

Aos olhos de Mercedes, Camila se mudaria logo ao terminar sua faculdade. Viveria sua vida de maneira mais intensa que em York, já que era Miami, latinos aos montes, sangue quente como o seu, a identificação pessoal era de loucura, de dias que duravam semanas, desvirtuaria um pouco da paixão pela biblioteca, negligenciando seus anseios do coração por desejos carnais...

Em algum ponto, e Mercedes não soube definir... Ela perderia completo controle dos dons, usaria o até mesmo para conseguir simples coisas como um copo de agua, tornaria qualquer pessoa a sua volta submissa a suas vontades das piores maneiras sem poder controlar porque sua alma se jogaria no chão e abriria os braços para se expor. Debocharia de si mesma por ser incontrolada e se perderia aos 30, completamente, vivendo do desejo e de trocas de favores.

Inumeráveis seriam as vezes que ofereceria um shot a qualquer rapaz que interessante em suas noites, olhando profundamente com seus olhos enegrecidos, os lábios vermelhos de tanto batom e por seus dentes atacando a pele de jeito negligente, tão sucessíveis os shots seriam virados na mesma velocidade que seus desejos, os olhando se perder.

"Sinta"

Sua voz coerciva.

Vitimas de olhos fechados e respiração ofegante, se perdendo entre seus toques de palma quente e voz sedutora. Investiria o próprio dinheiro em uma editora de livros e construiria fortunas sobre vontades forçadas que imporia as pessoas com seus dons, nada de dinheiro limpo e trabalho árduo, tudo na base do mais simples querer.

E conheceria Lauren?

Sempre esteve escrito que sim.

Independentemente de suas decisões sobre a vida, em algum ponto se aproximaria de Lauren, mas destas previsões Mercedes não tinha controle, como poderia saber sobre a cruciverbalista se nunca a havia conhecido? Era apenas verdade que cada ação de Camila tivesse um impacto na vida de Lauren e vice-versa...

E disso os mensageiros do estacionamento sabiam...

Lauren acabaria ficando mais 5 anos no New York Times, as crises de ansiedade em algum ponto voltariam por se sentir tão pressionada em agradar Hansen que em anos perderia respeito e credibilidade dentro de seu jornal, deixando assim o caminho de escaladas para Keana Issartel, se assumindo diretora do jornal e demitindo Lauren na mesma semana justificando que ela que era pouco demais para sua equipe perfeita.

Ally Brooke se chatearia a ponto de brigar por Lauren e ser demitida também, e em uma noite tão frustrada como de uma demissão, Lauren e Ally jogariam suas magoas e ansiedades em uma festa que não acabaria bem, mas voltaria a repetir círculos viciosos quando Lauren se encontrasse novamente com a mulher dos cabelos azuis e uma segunda noite acontecesse se tornando mais várias outras.

Seu nome era Ashley, e por mais dois anos, ela se tornaria o ponto de equilíbrio de Lauren que voltaria a ter outras crises e teria uma rotina completamente bagunçada ao voltar para a terapia enquanto sobreviveria sem emprego. Tentando esconder de sua mãe sua situação difícil, a então ex cruciverbalista se enfiaria em problemas com a nova terapeuta Dobrev, uma recém mudada psicóloga Canadense, que a faria bem até o ponto que não conseguisse controlar seus problemas e um acidente terrível que a deixaria por meses no hospital por pura desatenção levasse sua mãe a perceber que ela não estava mais apta a estar só.

Lucy Vives cuidaria de sua situação nestes meses, até libera-la com a condição de que tivesse acompanhamento psicológico porque não estaria bem. Nesse mesmo dia a médica receberia uma paciente terrivelmente assustada por ser assaltada em uma estação de metrô e ser agredida por rapazes, deixando escoriações leves. Emily Bett.

Keana Issartel ambiciosamente bem posicionada na sociedade Nova Iorquina receberia noticias terríveis de prisão a seu pai por acusações de agressão e assédio. A carreira dele acabaria no segundo que ela conheceria Austin, o advogado responsável por problemas como aquele, ficariam juntos e se matariam em algum ponto, não literalmente ou fisicamente, se engoliriam em suas ambições.

Ashley, renegada de maneira veemente por Clara, chateada por toda a situação do acidente, abandonaria Lauren pesarosa, adotando uma postura egoísta sem deixar satisfações porque seria pior para si ao vê-la partir. E sim, ela partiria, Clara a levaria para Palmetto Bay na outra semana. A agitação dos fatos enlouquecidos, com uma Lauren abalada psicologicamente e suas crises cada dia mais agressivas e profundas...

Finalmente conheceria Camila ao ir para Miami depois de uma crise profunda que a fizesse fugir de casa. Os eventos devastadores seriam ainda mais enlouquecidos ao compreender que não haveria em Camila paciência ou temor. Saindo de sua editora após uma noitada e fortes dores de cabeça, a latina esbarraria em Lauren, que também sem dormir bem depois de uma noite de fuga, trocaria seu olhar cheio de olheiras profundas com a audaciosa latina que a engoliria a alma em segundos por se interessar instantaneamente.

Seria mais uma de suas vontades atendidas.

Music on* Tell Me You Love Me – Demi Lovato

Se ela queria, ela apenas pegava e nada mais, sem pensar, completamente descontruindo tudo aquilo que era. Seduziria Lauren a aceitar uma carona e a levaria para seu apartamento em frente a praia.

"Qual seu nome?" – Ao menos perguntou, e se impressionou que a mulher de olhos assustados e postura cansada a despertasse curiosidade o suficiente para perguntar. Aquela seria ela, olhando para a cruciverbalista que tinha os olhos verdes perdidos na praia, no apartamento de uma desconhecida, a vida a faria daquela maneira, sem perguntar o que acontecia, se pegava indo na onda de alguém sem nem mesmo saber quem era.

"Chamo Lauren."

Camila sentia seu estomago revirar ansioso sobre a vontade que a consumia em instantâneo. Se aproximaria do corpo, olharia para sua mão sobre o batente da varanda e a envolveria por trás sem pensar em um abraço coercivo e cheio de imposições.

"Quero você"

Lauren não se assustaria, a voz seria tão sedutora e definitiva que ela simplesmente se manteria em silêncio. Uma conversa e mais nada seria necessário com aquela estranha.

"Gostei de você, não fala nada ou questiona, consegue se manter caladinha assim sempre? Duvido que ficará quando eu estiver em você." Camila a provocaria, envolvendo-lhe com a mão pelo pescoço, aproximando seus corpos, colando seu busto semidesnudo em um vestido colado nas costas de Lauren, seus dedos percorrendo a pele porcelana com hematomas recentemente sarados.

Lauren não falava, algo nela e em toda a áurea de hipnotismo impedia que conseguisse formular, seus níveis de asperger eram mais altos do que um dia já foi, não custava muito que qualquer pessoa se atraísse por Camila em momento algum, mas ali ela jogava, injustamente, utilizava de dons para a apertar a pele e consumir uma completa estranha.

Empurraria Lauren contra o batente e a olharia cara a cara, focando em seus olhos opacos e sem vida. A latina se reviraria em descontrole ao notar que era uma perdida, gostava daquilo a ponto de aproximar e a beijar no primeiro momento de fraqueza, tomaria qualquer aspecto de inocência em suas mãos e jogaria fora, tocando com seus dedos e devorando, afundando de jeito tão imprudente na bagunça que aquela Lauren era e a tornaria sua cada centímetro, cada curva, consumindo todos dias como uma viciada, assim como a afastaria de sua família, desvirtuando a Cruciverbalista para o lado do desejo, a mantendo consigo e manipulando suas decisões da maneira que queria, se apaixonaria da maneira mais obsessiva que se pode habitar o coração de alguém.

Era a punição de Sara Kali começando tão fortemente irremediável, e não importasse que fosse sua escolhida, iria pagar por ter tomado decisões tão ruins de sua vida.

Aos 40, iria perder Lauren e todo seu dinheiro, fama, sucesso, amigos.

Enlouqueceria a ponto de ser enviada de volta a York e voltar para o acampamento de seu pai para aprender a se controlar. Terminaria sua vida como mulher seca, impossibilitada de engravidar e desejar qualquer outra pessoa, se enfiaria em uma vida reclusa ao descobrir que a cruciverbalista parecia apenas melhorar sem ela.

Camila teria o mesmo fim de Karla Kalitch, com uma única diferença: Destruiria completamente o amor destinado a si e pagaria ainda mais por cada pecado cometido a cada alma inocente.

E depois de tanta desgraça, de romper cada linha do destino, nada seria bom para si porque não iria conhecer o ponto mais ruim de sua vida real, que a levou a ser o que era. Não dá para nos negarmos a ter pequenas experiências por puro luxo de sempre ter bons momentos, a vida não é feita disso, devemos sim é agradecermos pelas más situações que nos tornam ainda melhores.

Mercedes insistiu para a sobrinha não ir a Miami, ela conheceu Austin, e toda a história vocês já sabem. Não se pode fugir daquilo que é para nós, mudar toda a história e mexer naquilo que já está pronto só nos enfia em loucuras impossíveis de serem rompidas. Mesmo que lamentasse e fosse válido, Camila precisava passar por Austin para compreender a si, e amar Lauren da maneira correta, no tempo e na paciência exata.

Sua impulsão em tentar rebater a loucura dele, quase a matou, e isso foi apenas uma amostra de sua inconsequência equivocada, ela obviamente entendeu o recado ao sentir na pele a morte, que se não for o que precisa ser, sua vida não será feliz. Lauren sempre foi enviada para a torna-la melhor, e ela aceitou isso ao entender o conselho de sua Tia anos antes.

Não dava para se arrepender de cada momento ruim, quando seu presente é tão bom e a orgulha tanto, foi assim que ela aceitou a vida que tem agora e esqueceu completamente que aquele homem que podia ter conseguido levar tudo de sua vida, se transformou em nada menos que apenas um instrumento do destino para que ela aprendesse uma lição.

"Não desista de sua história apenas porque está tropeçando nos capítulos que a tornam gloriosa como ela foi destinada a ser."

Pense nesse exato momento, um único equivoco de decisões suas pode ter alterado completamente o fluxo de vida de todas as pessoas que te envolvem, o quão louco e grandioso isso é?

Talvez você nunca descubra.

Atualmente

Camila se manteve ao lado de Lauren, sustentando o olhar altivo e a postura intocada, sua tia Garcia foi a primeira a ousar se aproximar, tocando no antebraço esquerdo da latina e a segurando enquanto seus olhos se alinhavam e a cigana estava em busca de qualquer indicio de insanidade nos olhos castanhos de Camila.

- Você está jogando por terra todos os sacrifícios de mãe Karla, o que está acontecendo com você? – Perguntou baixo, olhando diretamente para Camila em um enfrentamento que fez Alejandro tocar no ombro de Garcia que o olhou pejorativamente irritadiça, pedindo com seus olhos que seu irmão não a tocasse. Alejandro a soltou, mas ficou ao lado esquerdo de Camila, sustentando que estava ao lado dela e que não deixaria Garcia ser rude, principalmente ao avistar a como Lauren pareceu ansiosa ao olhar para a estranha interação da sobrinha com sua tia.

- Sara Kali meu deu isso, estou vivendo de minha vida. – Camila respondeu serenamente, se lembrando de todos os conselhos que sua mãe lhe deu para se manter forte. Garcia estava em completo estado de negação, seu rosto se focou em Lauren que a olhava de cenho franzido, envergonhada até os ossos por ter mentido.

- Você presume que entende as mensagens de Sara, mas age como uma tola, como terá família? Como terá filhos? Como sucederá seu pai vivendo entre gajos? Mentindo para seu povo? Sustentando nossos segredos no infortúnio infernal de uma cidadela suja e pecaminosa! – Sua acusação era tão bilateral que Camila se incomodou ao sentir a rispidez que era tão injustamente direcionada a Lauren ao seu lado.

- Tire-me a benção. Quer-me longe? Pois controle esse clã e tire-me de Sara Kali, desvie nossos caminhos por sua própria vontade se assim quer e tem controle para fazer! – Camila elevou de sua voz, sentindo o toque de seu pai em seu ombro, mantendo suas rédeas dentro do controle para que não se precipitasse. Garcia se negava a acreditar que Camila tivesse ultrapassando tantos dos limites.

- Seu pai sempre foi tão fraco para cuidar de sua rebeldia! Sempre deixou-lhe fazer de tudo, e não nego que és uma benção para todos nós, por tanto tempo foi adorável tê-la conosco e acompanhar seu crescimento desejando que se tornasse nosso elo, mas como sempre ele nunca lhe segurou firme o suficiente para que fizesse boas decisões, preferiu correr e se bandear com o sujo, até mesmo quase foi morta pela mão do ultimo homem que deveria fazer isso, que seria seu marido! Foi quase morta por suas decisões erradas e sua necessidade de consumir o profano, grita o nome que sua mãe tão erroneamente lhe deu para agraciar minha mãe aos quatro ventos, como uma insolente que acha ser auto suficiente para ser protegida por si mesma! Estas insana! – Garcia era incorruptível em suas verdades, sua irritação foi tremenda que seu marido a puxou com afeto, pedindo que tivessem um tempo para longe dali. Camila estava à beira de um ataque pessoal, sentindo os dedos trêmulos de Lauren contra sua palma ao perceber que toda a merda estava exposta.

Agora ela sabia o que aconteceu, da pior maneira possível.

Mercedes afagou as costas de Camila em uma caricia branda enquanto ela sentia os olhares tão temerosos em si, podiam estar até mesmo pensando da mesma maneira que Garcia, mas a respeitavam de uma maneira que nem mesmo Alejandro um dia já viu. Respeitavam Karla Camila como cigana.

- Lauren... – Camila chamou baixinho. A cruciverbalista tinha aqueles pequenos vincos que expunham sua dolorosa sensação de impotência. Ela se moveu um pouco, se afastando de Camila e contornando a fogueira com os ombros curvados e os olhos esmeraldas no chão ao afastar. A latina engoliu com dificuldades, olhando para sua tia Mercedes que lhe ofereceu um abraço.

- Ela vai compreender com conversa, é o momento para que se resolvam de uma vez por todas, sua tia precisa de tempo, ela está irritada e ranzinza agora. – Acariciou os cabelos da sobrinha que assentiu, fazendo uma reverencia educada aos ciganos enquanto seguiu o caminho por onde Lauren se afastou, enfiando entre as tendas e caminhando para o único lugar seguro e isolado no momento.

Os caminhos da cachoeira.

- Hey, espere um pouco. – Camila pediu elevando sua voz, a cruciverbalista apenas diminuiu os passos mantendo os olhos no chão. Camila a alcançou em segundos, tocando em seu pulso e recebendo o olhar quebrado de Lauren, aquilo a desmontou completamente, engolindo a angustia à força.

- Não foi sua culpa, eu deveria ter insistido em perguntar... – Lauren falou baixo, sua voz rouca saindo tensa. Camila se negava com a cabeça.

- Olhe, não... Não coloque essa culpa em si, eu deveria ter sentado para falar sobre tudo com você antes de querer agir por impulsos idiotas durante duas semanas, eu sou isso, entende? Na primeira vez que conversar seria mais necessário do que me preocupar comigo mesma, eu não o fiz. – Camila falou expondo sua culpa, sabia que o certo era ter falado com Lauren antes de tudo, mas preferiu ser egoísta e viver duas semanas como se estivessem sem problemas a resolver.

Lauren sentiu seu estomago pesar, sabia que nada era culpa de Camila, sentiu antes que esconderam dela os motivos para tudo, deveria ter se focado em preocupar mais sobre os problemas, ela também estava naquilo, também fez parte das duas semanas que se passaram como se estivessem no paraíso ao invés de parar e perguntar o que havia acontecido. Suas mãos tremulas seguraram Camila pelos pulsos.

- Eu sinto tanto que ele tenha feito isso, eu poderia ter perdido você para sempre... – Sua voz se quebrou enquanto suas mãos subiram pelo rosto da latina que não evitou fechar os olhos ao sentir os polegares roçando em suas bochechas.

- Olhe para nós duas, colocando-nos a culpa desesperadamente para que a outra não se sinta tão mal... – A voz rouca de Camila estava perdidamente branda, ela aceitou há um bom tempo que sua parcela de culpa foi real quanto aos problemas com Austin, mas já havia superado aquilo, porque por mais que se lamentasse ter ficado em um paraíso restrito ao mundo com Lauren por duas semanas, nunca se sentiu tão feliz por estar inserida em sua rotina por tanto tempo, dormindo em sua cama, tomando café com ela, a esperando voltar do trabalho enquanto ficava com Jor El por estar afastada da biblioteca.

Nunca esteve tão bem para que aquela culpa a corroesse tanto.

Lauren não se conteve em um desespero que a dominou, abraçando Camila enquanto enterrava seu rosto no vão do pescoço da latina, aspirando profundamente do perfume. Era de um desespero tão puro que parecia quase infantil, seus dedos se apertando nas vestes e os olhos comprimidos cheios de lagrimas que ainda insistiriam em cair.

- Perdoe-me por novamente ser egoísta. – Camila pediu baixinho. Lauren negava com a cabeça, sentindo a brisa do vento frio que soprou, levando seus cabelos a bagunçar para atrás.

- Venha, sente-se comigo um pouco, acho que não podemos adiar mais essa conversa. – A latina pediu, olhando para Lauren se mover tão ansiosa e confusa, Camila se sentia profundamente chateada consigo mesma ao vê-la daquela maneira, estava indo tão bem para que a deixasse tão incomoda assim novamente, queria se estapear, mas manteve de si um sentimento externado que fizesse Lauren se sentir bem, e não rejeitada ao ouvir tanto de sua tia como ouviu.

Até aquele momento ninguém ligado a Camila havia renegado a cruciverbalista, e mesmo aquilo deixava um sentimento diferente em Lauren, uma faísca de desespero fugaz.

Chutou algumas pedrinhas com a ponta de suas botas e sentou com Camila sobre uma das pedras altas e lisas que dava uma boa visão sobre o final do pôr do sol, recheado de encantos minúsculos que tornava cada pedaço daquele lugar encantador. Estavam encobertas pelos fundos das tendas, ninguém ousaria incomodar a intimidade delas, ainda mais agora que todos sabiam o que Lauren era e o que ela significava para Camila.

A latina se aconchegou entrelaçando ambas de suas mãos sobre o próprio colo, podia sentir o calor da união de seus dedos através do tecido de sua saia longa. Seus olhos se focaram exclusivamente nos de Lauren, segurando sua atenção.

- Quero que entenda uma coisa, nunca ninguém escondeu estes fatos de você por sentir que era incapaz de lidar com eles, não se sinta uma excluída e subestimada, ninguém nunca faria isso, principalmente vindo de minha família. Esconderam os fatos porque tia Mercedes teve sonhos, e era você a responsável por me ajudar, se falassem sobre a realidade você se desviaria de se focar só em mim, e olhe... eu acho isso tremendamente egoísta, porque se fosse eu, nunca limitaria seu altruísmo só a mim, sei o quanto é a mulher mais gentil que já vi e sempre se doa até a alma para ajudar quem puder. Mas estava escrito nas linhas do destino, Tia Mercedes nunca erra em suas previsões, eu precisava de você, e você me ajudou, e eu sou extremamente grata a isso meu amor. – Camila falou apertando os dedos juntos, sua gratidão era energética.

Lauren não entendia se tinha aquela força, seus olhos curiosos buscando no rosto de Camila e dentro de si mesma se foi responsável por algo como aquilo, a ajudou?

- Mentiram para que eu me focasse só em você? – Perguntou para constatar se era exatamente o que havia entendido.

Camila assentiu.

- E você ajudou, eu estou aqui... Estou bem! Não sei como funciona suas crenças em meu povo, e vou entender se isso soar cético para você, mas eu preciso assumir posições, Sara Kali tocou minha vida de um jeito que até eu me neguei inicialmente a crer, desde aquela viagem que fiquei longe de você, que descobri que você é minha e eu sou sua porque assim ela quis, muitas coisas foram sacrificadas antes mesmo de nós duas nascermos para que pudéssemos nos amar. E eu ficaria louca se algo acontecesse com você como aconteceu comigo, poderia mata-lo eu mesma com minhas próprias mãos. – Ela falava sério, o fervor demonstrava sua verdade. Lauren engoliu em seco, negando com a cabeça rapidamente, entendia o que ela queria dizer, compreendia sua crença, respeitava o povo cigano.

Sabia que a ligação delas era fora do normal. A cigana do cinema, o caderno com aquelas mensagens tristes, o lenço que tinha em sua casa, o nome de Camila que ela guardou sem saber ser tão poderoso e significar tão mais.

- Você é...destinada. – Lauren falou baixinho, sabia que sim. Camila assentiu, sorrindo gentilmente para o quão adorável a percepção de sua namorada tornava tudo.

- E você é a escolhida para cuidar de mim, estou em suas mãos, querida, por isso que todos aqueles que estão ali de fora, se espantam por ser tão diferente, e isso é natural, mas não erguem seus queixos para rebater, porque eles sentem, qualquer cigano sente sua energia, o que você é, sua bondade. Tia Garcia só é orgulhosa demais para lidar com isso, e o tempo vai falar em bom tom para ela. – Camila explicou, acalmando Lauren, que assentiu, encaixando cada informação em seu lugar com mais calma sem deixar que a ansiedade fosse forte para a derrubar como no passado.

Não deixaria que a ansiedade e o medo a derrubasse de novo. Engolia forte o medo e seria forte e corajosa.

- O que aconteceu depois que Austin tentou te matar? Por que ele desapareceu? – Perguntou olhando para suas mãos unidas, o medo de não ter aquilo mais a fez apertar mais forte. Camila suspirou.

- Eu só sei falar o que me falaram, não me lembro, Mama disse que ele bateu minha cabeça a ponto de me deixar sem memórias, e foi quando entrou Keana, graças a ela que eu estou viva, ela me salvou, mas também se machucou, Austin está longe, desapareceu porque está preso. – Camila tentou falar o mais lento que podia, temendo que fossem informações demais.

A cruciverbalista abriu a boca e fechou repetidas vezes.

- Ela não está viajando...

Camila fez uma careta desgostosa pela mentira.

- Não... Ela estava no hospital, lutando para viver porque me salvou a vida. – Camila assumiu que aquela parte era dolorosamente cruel. Lauren suspirou, seu cenho vincado, os lábios curvados.

- Eu me sinto mal por não tê-la visitado, ela deve ter se sentido tão sozinha...

Sua preocupação pelo bem-estar das outras pessoas era maior do que qualquer coisa. Camila se aproximou olhando para Lauren de perto, sentindo o vento soprar seus cabelos em rebeldia.

- Entende o que quero dizer? Sobre o egoísmo que senti vindo do destino ao limitar que você só se preocupasse comigo? Não sinta que é culpa de Mama ou Tia Mercedes, elas só queriam nos ajudar... Não ocultaram as informações porque a considerava fraca, você não é, Keana ficaria muito feliz em ver você, ela é uma boa mulher, e resistiu a isso porque tem um coração bom. – Camila queria deixar claro para Lauren que nada tinha a ver com ela, e sim consigo mesma. Não entendia porque tinha que receber tantas prioridades para si mesma, e não as desejava se isso implicasse que Lauren se sentisse menor ao seu lado, mas de nada pôde controlar, porque foi idiota o suficiente para confrontar Austin.

A cruciverbalista entendeu, via o quanto era uma situação angustiante para Camila e achava péssimo que ela se sentisse culpada por algo que ninguém podia controlar. Se estavam todos bem, então ela ficaria, mesmo que seu medo tenha se ampliado ao parar para pensar naquilo.

- Eu me sinto aliviada que ele esteja preso e que Keana tenha ajudado você, ela está bem de verdade? O que aconteceu de fato? Nós precisamos visita-la e agradecer por isso... – Lauren falou a abraçando de lado. Camila estava mais aliviada, Lauren era tão boa que compreendia e aceitava tudo de bom coração.

- Ela levou um tiro, passou por cirurgias e realmente teve que viajar, mas agora já está em Nova York novamente, está se recuperando bem e logo deve sair de lá, e nós vamos visita-la, eu prometi que iriamos, só precisava ser honesta com você antes de tudo. Foi por isso que papa pediu que eu mudasse de meu apartamento, porque aconteceu essas coisas terríveis ali, ele não queria que eu voltasse, assim como Austin estava fora de si a ponto de quebrar o meu carro, por isso ganhei outro novo, tudo aconteceu por esse fato. – Camila falou, empurrando seu rosto contra o peito de Lauren, sentindo os braços a envolver em um abraço apertado, seus olhos perdidos no pedacinho do sol tão laranja no horizonte.

- Ele estava louco... – Sua voz rouca era amedrontada. Camila negou, movendo o rosto para a olhar.

- Esqueça ele, a partir do momento em que acordei e retomei da minha memória, Austin simplesmente se apagou de mim para sempre, em cada pedaço por vezes sinto que nunca nem existiu em minha vida, ele está preso, e vai pagar por isso pela justiça, eu juro a ti nunca mais tocar no nome dele em medo que assombre nossas vidas, porque de nada é útil a mim lembrar de um nada. Eu e você é o que importa agora, você é tudo o que eu preciso. – Sua honestidade era serena. Lauren assentiu, se deixando ser consumida pela tranquilidade que os olhos de Camila passavam, que usasse de seus dons para fazer o bem, a fazia se sentir melhor, e era o que importava para Camila. Selou seus lábios em um selinho delicado, durando alguns segundos silenciosos e tranquilos.

A cruciverbalista a olhou quando se afastaram, acariciando os fios castanhos com ambas as mãos, grata por tê-la consigo, ainda mais agora. Depositou um beijinho no topo de sua cabeça e deixou que Camila voltasse a se aconchegar em seu corpo, a rodeando com as mãos por dentro de sua jaqueta.

- Você está sem casa ainda... – Falou baixinho. A latina sorriu, estava tudo bem afinal e aquela era a preocupação mais adorável e banal que Lauren poderia ter.

- Sim, acho que foi por isso que me ofereci para ficar com você, estava sem teto, não queria dormir com minha mãe...

Lauren riu, o tom rouco e gostoso dominava sua voz novamente. Ela moveu a boca para aproximar do ouvido de Camila, perdendo os dedos nos fios castanhos para afastar evitando a atrapalhar sentindo seus lábios tocar na orelha da amada.

- Fique comigo, ao menos por um tempo. – Sugeriu baixinho em um cochicho aveludado. Camila fechou os olhos, sentindo a voz atraente lhe arrepiar a nuca, seus dentes morderam o lábio inferior ligeiramente enquanto seus dedos cheios de anéis se apertaram mais na namorada em reflexo a seu desejo, sentindo-se esquentar por apenas um pequeno roçar em sua pele. Reclinou a cabeça de lado, sentindo o rosto de Lauren tocar no seu enquanto o por do sol dava seus últimos indícios e parecia perfeito estar daquela maneira...

- Fico. – Respondeu de volta tão baixo quanto, dando a ela todas as certezas daquele mundo.

-

Naquela noite, sentada na tenda de sua tia Mercedes, Camila segurava uma taça de vinho e olhava para os tecidos coloridos sobre o baú, os anéis de ouro em seus dedos reluziam ao apertar a taça ligeiramente, Lauren estava tomando um sono em sua própria tenda, sentia dor de cabeça depois que conversaram na cachoeira, a latina a deixou dormindo enquanto não conseguia se desligar.

- Não quer mesmo provar vestidos? – Mercedes perguntou ao tocar nos tecidos, levando a própria taça aos lábios. Camila negou com a cabeça.

- Estou ansiosa demais para provar algo sem rasgar, vamos deixar para depois.

Mercedes sorriu.

- Você é tão esquentadinha, é realmente tão enérgica como minha mãe. – Seus olhos verdes se focaram em Camila, que apreciou lisonjeada que levasse o nome de sua avó com tanto orgulho.

- Ela bebia vinho compulsivamente para esquecer suas irritações? – Camila perguntou tocando em sua nuca com as pontas dos dedos. Mercedes pensou sobre aquilo, buscando na memória.

- Mãe Karla era uma mulher feliz apesar de tudo, tenho raras lembranças porque era bem pequena, Ale se lembra melhor, mas ela adorava dançar conosco para o banho, sinto que eram os momentos mais genuínos e felizes que ela tinha, apesar de amar dois homens, e ter vivido de melancolia por algum tempo, ela era uma cigana, sua energia nunca poderia ser apagada, e eu vejo muito disso em você, fico tão grata que sua mãe tenha pensado dessa maneira... – Mercedes se perdia nas lembranças, olhando para Camila recostada no outro lado de sua tenda, os fios castanhos ondulados caindo sobre os ombros, a blusa justa que lhe envolvia o pescoço, a saia longa vermelha, as sandálias baixas e o ouro em seus anéis, pulseiras, em seus brincos de pedras, tão cigana e orgulhosa daquilo que era.

- Karla Camila... – Mercedes falou baixinho para si mesma, ainda admira por finalmente saber o nome de sua sobrinha, estava tão orgulhosa.

- Quando irá a França? – Perguntou casualmente, levando o vinho aos lábios. Camila deu de ombros.

- Eu preciso ver a melhor maneira de levar Lauren comigo, não quero ir sozinha, acho que eles não se importarão, certo? Ela já os viu, já conversaram com ela. – A latina justificou. Mercedes assentiu.

- Acho que é até mesmo importante que ela vá, se vão ficar lado a lado nessa vida, ela precisa entender o que fará para os ciganos, as noticias vão correr soltas, logo outros clãs vão querer visitar para estar a sua presença, e oferecer-lhe ouro por milagres. – Mercedes citou calmamente. Camila cerrou o olhar.

- Não tenho tal poder...

- Oh querida, você não... Mas Sara Kali sim, e o meio para toca-la é você assim como ela intercede a Jesus Cristo em nosso nome, se antes era querida por ser filha de seu pai, agora você será querida por aquilo que simboliza, como uma santa milagrosa eternizada, seu nome não vai morrer contigo, ele vai ser levado a França, você precisa ir a Saintes Maries de La Mer descobrir o que lhe aguarda.

Camila já tinha aquilo em mente, sabia que ao aceitar o que lhe foi dado por destino, não poderia fugir de responsabilidades, mesmo que atualmente soubesse não necessitar de tantas.

- E como está Tia Garcia? Ela estava louca, falou tantas coisas... – Camila relembrou, pensando em sua tia tão rigorosamente irritada. Mercedes se negava a levar tão a sério.

- Ela teme, não irá contra você. Sabe bem que Sara Kali persegue a aqueles que vão contra a seus protegidos, Garcia não é uma mulher boba, não quer se tornar perseguida por Sara Kali, quer ter suas bênçãos, quer ser mãe, não uma mulher seca que foi apartada de seu marido como eu. – Havia certa melancolia na voz de Mercedes, facilmente percebida por Camila que se moveu de onde estava sentada, se abaixado ao lado de sua tia, ficando de joelhos ao seu lado. A mais jovem pegou nas mãos da mulher de olhar profundo e experiente, entrelaçando seus dedos.

- Não estará fadada ao fracasso, prometo a ti que estará comigo assim como meus pais, assim como minha Lauren, prometo não lhe tirar de minha mente. Se sou instrumento de nossa Santa sendo uma mulher tão pecadora como sou, estarei mentalizando para que você viva bem, querida tia. Não merece lamentos e tristezas, tu me tornaste tão boa mulher com Mama, não posso me esquecer disso, não irei. Estarei em Saintes Maries de La Mer, farei tudo. – Sua voz foi profunda e cheia de promessas, não vacilava em ter segurança sobre tudo aquilo que dizia. Mercedes se curvou para a abraçar, emocionada que tivesse tanto em bondade em sua sobrinha.

E de seu dom, se fosse normal, Mercedes poderia em meio a algum sonho prever que seu destino já estivesse traçado. Mas ela não previa, primeiro que duvidava do que via e se sentia corrompida por um lisonjeio pessoal visto em uma noite só, segundo que era coisa de Sara Kali, não precisaria que Camila pedisse com muita energia para acontecer.

Sara Kali era tão grata a Mercedes quanto a Sinuhe por ter direcionado Camila a fazer as escolhas certas.

Seus destinos já estavam traçados, e nada iria muda-lo.

Camila não ficaria mais do que uma noite, prometeu a Lauren que voltariam o quanto antes a cidade para que pudessem visitar Keana. E nem ela queria ficar mais do que uma noite sentindo que as coisas ficaram estranhas com sua Tia Garcia. Na manhã daquele domingo, ela tomou café da manhã com seu pai e Lauren antes de se despedirem para voltarem a York.

Os ciganos a trataram com o respeito de sempre, se despedindo cordialmente, se aproximando de Lauren para apertarem-na a mão em respeito, a cruciverbalista olhava envergonhada para Camila, adoravelmente corando para o afeto que lhe ofereciam acima de qualquer coisa.

- Papa, vá em York para meu aniversário, quero você e tia Mercedes comigo nesse momento, farei 30 anos. – Camila sorriu ao abraça-lo e cutucar sua cintura. O homem exasperou ao arregalar os olhos sabendo que Sinuhe havia falado tudo.

- Irei, prometo.

Se apertaram calorosamente e a cigana se manteve de olhos fechados por algum tempo, até poder abrir e avistar Garcia se aproximando com seu marido, as mãos apertadas frente ao corpo.

- Poderíamos falar a sós por alguns segundos? Não demorará. – Pediu educada olhando para Camila.

- Será cordial? – A latina perguntou. Garcia assentiu em silencio envergonhado. Camila olhou para o pai e Lauren, se aproximando da namorada inclinando seu rosto próximo ao dela.

- Volto logo, tudo bem? – Perguntou a olhando. Lauren estava tranquila com aquilo, desejava que as coisas ficassem bem entre elas, não desejava ser motivo para brigas de família de Camila. Camila apreciou sua compreensão e seguiu Garcia, sozinhas em direção a tenda maior, de seu pai, para que tivessem um momento a sós.

Camila se manteve em silêncio, esperando ela ter algo a falar.

- Quero pedir que desculpe meus equívocos, não queria ferir seus sentimentos. Mesmo que não minta ao citar ser uma jovem inconsequente, e sabe que tenho razão em pedir que tenha cautela. – Garcia falou se virando para a olhar, seus olhos castanhos opacos, os fios ruivos de seu cabelo cobertos pelo lenço, com leve maquiagem. Belíssima como Mercedes, apesar de ser três anos mais velha. Os vincos e sua verdadeira irritação a fazia carrancuda.

- Sei de meus problemas pessoais, e aprendi muito com isso ao passar por uma experiência terrível de quase morte, mas de nada pesa a mim tratar-me como maluca por amar outra mulher, Sara Kali a enviou para mim, você sabe bem o porquê, sentiu quando tocou em sua mão e a viu como cigana e não gaja, se até isso se nega a enxergar, não tenho eu problemas sérios aqui, minha tia. – Camila tratou de lhe respeitar, mesmo que as irritações a fizesse deslizar para sair se seus limites.

Garcia já havia aceitado.

- Não falo mais de sua gaja, falo de como as suas loucuras a levaram para tão longe.

Camila se negava a qualquer aceitação.

- Minhas loucuras me levaram a quem sou, se vivo de liberdade, é porque minha alma anseia por liberdade, amo meu povo, e vou assumir minhas posições aqui dentro, mas sou liberta e quero me manter em meus sonhos, se a mim foi cedido esse luxo, estarei nele de corpo e alma. – Retrucou olhando sua tia se aproximar, lhe estendendo a palma aberta. A latina aceitou, apoiando sua mão a dela. Sem medo.

- Não desvirtue nosso povo, peça por nós, proteja a nós. – Garcia pediu baixinho, como se houvesse muito a temer com as decisões de Camila, que simplesmente lhe esboçou um sorriso.

- Não vou desvirtuar ninguém, vou apoiar, se aqui querem ficar, ficarão, se querem amar, amarão, seja a quem for, com quem for, como for, se com ouro ou não, tão dentro dos costumes ou não, se a minha opinião importar, terão, e é o que posso dar, não vou mudar nada, estou vivendo de minha vida e posso garantir-lhe uma coisa, querida Tia Garcia. – Fez uma breve pausa, elevando a mão da mulher a próximo de sua boca, beijando-a com respeito.

- Se de um desejo eterno puder viver e pedir que seja realizado por Sara Kali através de meus lábios, peço amor a todos nós, que amem independente das diferenças, de quem são, de como são, será o meu maior prazer a ser realizado.

Soltou a mão de sua tia e lhe reverenciou em respeito, saindo da tenda em passadas largas até se aproximar do aglomerado de ciganos novamente. Garcia saiu logo atrás, indo até seu marido, silenciosa ela olhou para Camila e Lauren de braços entrelaçados. Camila voltou a se despedir e logo entrou no Jeep de Diego, que as deixaria onde a estrada de terra acabava, Camila havia deixado seu carro em uma garagem próxima as vias da rodovia de ligação a York, era baixo demais para ir em estrada de terra.

Chegaram em Nova York no final da tarde, com um semblante renovado, ela tinha muito mais autoconfiança para resolver o que tinha pendente. Enquanto Lauren estava mais tranquila por saber da verdade, e era o suficiente para lhe fazer bem e lidar com o que ainda viria.

No jantar daquela noite, Lauren acabou perguntando para Camila toda a história de fazer 30 anos que havia despertado sua curiosidade ao ouvi-la falar com Alejandro, a latina achou graça, explicando todo o mal-entendido deixando Lauren sobressaltada que Camila fosse então mais velha que ela e não o contrário. Em mente já pensava no que fazer para a namorada em seu aniversário, seria um dia depois da premiação que determinaria se ela realmente era boa ou não em suas cruzadas, tudo acontecendo de uma só vez.

Finalmente o dia de visitar Keana no hospital havia chegado. Camila esperou que Lauren chegasse do trabalho para que fossem juntas, e algumas horas antes de horário de visitar acabar, ela estava na recepção, esperando pela autorização, que veio em minutos já que Lucy estava ciente de quem elas eram.

- Ela andou tomando alguns medicamentos para dor, e eu sempre diminuo o fluxo de pessoas por vez, Normani está com ela nesse momento, se importam se eu pedir que entre uma por vez? – A médica pediu olhando de Camila para Lauren.

- Oh não, tudo bem por mim. – Camila respondeu de imediato. Trocou um longo olhar com Lauren.

- Você pode ir primeiro já que ela te salvou, talvez tenham muito o que conversarem. – A cruciverbalista se adiantou em dizer. Camila a olhou brevemente, pensando que era tão doce de sua parte estar tão preocupada com a gratidão que sentia. Se moveu a beijando nos lábios docemente e seguiu Lucy até o quarto designado.

Lauren decidiu sentar novamente, puxando uma caneta do bolso de cruzando as pernas enquanto traçava algum rascunho de cruzadas em uma folha de papel surrada. Ela nunca deixava de fazer algo útil.

- É bom ter vindo. – Lucy elogiou Camila antes de deixa-la entrar no quarto, fechando a porta atrás de si. A latina recebeu ambos os olhares curiosos, seus batimentos eram realmente bem rápidos para que se sentisse tão normal. Keana estava ali, deitada em sua cama, intacta.

Normani estava a seu lado, suas mãos se tocavam.

Music on* Era uma vez – Kell Smith (é a primeira vez que eu indico música brasileira aqui, valorizem isso... rs)

Camila colocou algumas mechas do próprio cabelo atrás da orelha e se aproximou lentamente da cama, era estranho que todas estivessem ansiosas e surpresas com a visita. Havia outra coisa dentro de Camila que nunca houve antes, um carinho extremamente diferente dos outros que já sentiu.

Muito parecido com aquele carinho que você sente por um irmão ao vê-lo depois de tanto tempo, quando percebe que suas diferenças podem ser imensas e que é isso que torna as coisas legais, mesmo que se irrite e que existam esses momentos de pura confusão, no fim, é sempre um pelo o outro e nada mais. Camila sentia aquilo, porque nunca teve irmão nenhum, tampouco Keana.

Se havia um bom momento, este era aquele, as três pessoas que mais se expuseram a ser humanas e a errar nessa história. Uma errou porque amava demais e sua lealdade era muito maior do que qualquer coisa em sua vida, mesmo que doesse tanto abrir mão do amor de sua vida, ela o fez por sua amiga, e essa era Normani.

Outra errou porque era amada de menos, desde que nasceu por consequência de acasos não teve paz em se entregar a aquilo que era, viveu em função de vontades alheias depois de ter crescido, desejando que sempre pudesse voltar atrás onde não entendia nada para que as coisas doessem menos e amargurassem pouco, tornou a vida de muitos que a envolviam um verdadeiro caos por muito tempo, essa era Keana.

E por fim havia essa, essa que errou porque tinha medo demais de si mesma para se entregar e ser o que realmente era. Se ofereceu a negação enquanto escalava sobre o oposto de tudo aquilo que era seu por pura vontade de confrontar a si mesma. Era tão irônico que Camila fosse sua maior inimiga o tempo inteiro antes de finalmente ter a redenção de sua alma ao quase morrer parar se tornar a real ela, de corpo e alma.

Se não fascinantes, as pessoas que verdadeiramente vivem são as mais puramente intensas que existem.

- Eu fiquei sabendo que perdeu sua memória, está se sentindo melhor? – Keana rompeu o silêncio que haviam entre as três. Camila assentiu, se aquecendo com a preocupação de Keana.

- Eu quase fiz uma confusão, mas agora eu estou perfeitamente bem, talvez eu precisasse disso, mesmo que você tenha tentado me avisar, eu sinto muito por ti, por tudo o que tem que sentir por mim. – A cigana se aproximou, e sem medo nenhum de demonstrar aquele afeto, cedeu a mão sobre a mão de Keana, que apertou ligeiramente, estava frágil ainda, seus olhos castanhos se enchendo de agua.

- Eu estou melhorando, não se sinta culpada, talvez eu tenha precisado disso para renascer... – Não havia acusação ou nenhum aspecto pesado em sua voz. Camila sorriu, olhando para Normani que pensava milhões de vezes se saia ou não do quarto, mas o olhar de Camila a fez ficar, desistindo de sair porque parecia certo estarem ali, juntas, por alguma obra do destino.

- Eu renasci também, nós renascemos juntas. – A latina falou para elas, e muito para si mesma. A percepção daquilo lhe trouxe a sensação novamente...

- Nós somos irmãs de alma agora, você salvou a minha e eu nunca vou ser grata o suficiente por isso, passarão anos, vidas e não vai ser suficiente. – A maneira que acariciou a mão de Keana na sua fez com que a jornalista não se segurasse em sua sensibilidade, chorando silenciosamente. Afeto que pouco teve era uma raridade que buscava a sua ingenuidade novamente, a mesma perdida tão cedo em sua infância.

Normani se manteve ao lado de Keana, acariciando sua mão para que ela sentisse que estava ali, que sempre estaria.

- Eu nunca senti isso antes... – Keana falou entre os soluços, Camila engoliu o nó em sua garganta, a gratidão... o afeto, sabia que Lauren se sentiria da mesma maneira e elas teriam coisas novas, amigos, teria uma nova vida que nunca teve antes. Ela tinha esperanças por Keana, assim como seu eu sempre lhe entregou que era boa e nunca soube explicar antes, mas ali...

- Eu quero falar algo e eu peço que se lembrem, mas que seja só entre nós. – Camila pediu olhando para Normani, pediu que lhe desse a mão, e era tão real que uma cigana lhe pedisse a mão, demonstrava confiança. Keana fungou tentando prestar o máximo de atenção possível.

- Não sei as crenças de vocês e por vezes não entendam o que tenho a dizer, e talvez nem eu mesma entenda os propósitos para que nossas vidas cruzassem, mas eles existem, temos coisas em comum que nos unem de alguma forma, pouco tive contato contigo... – Ela olhava para Normani.

- Mas sinto admiração pelos seus sacrifícios e sua lealdade. E quero estar aqui, quero manter Keana perto de minha vida agora, porque o que fez por mim me permite agora amar minha família, construir meus sonhos, me dedicar a meu povo de sangue, continuar minha história de amor, isso é muito, quero que saiba que é parte de minha família agora. – Seu aperto foi maior em Keana, apertando ambas as mãos e trocando olhares com ambas as mulheres. Em algum momento, e ninguém soube definir qual, Keana se esforçou para lhe abraçar, e elas conversaram por alguns minutos, até Normani ir falando que voltaria com Dinah, deixando que Lauren entrasse finalmente.

Sua adorabilidade em se preocupar como Keana estava a manteve perto, sentada do outro lado ao oposto de Camila, ouvindo com atenção tudo o que conversavam e falando sobre o que acontecia ali fora. Até mesmo sobre a premiação ela contou, deixando claro que se Keana pudesse ir o convite seria mais do que certeiro, e era claro que a jornalista não poderia mesmo ter condições de prestigiar de perto, mas só de saber que agora era sempre bem-vinda, a aqueceu como poucas coisas já o fizeram.

O destino voltava a repetir: tudo estava bem afinal.

Lauren tentava encontrar maneira de ocupar sua mente para evitar pensar no dia da premiação das cruzadas, mas era inevitável não pensar, e quando o grande dia finalmente chegou, Mariele a dispensou do trabalho e Richard veio a sua sala lhe desejando sorte naquela noite, todos iriam estar juntos.

Todos.

Convidou todos os seus amigos mais próximos e seus pais também iriam.

Nunca se sentiu tão ansiosa por algo, Shortz lhe enviou um e-mail aquela manhã, desejava sorte e deixava claro que iria estar ali por ela, para passar boas energias. Indiretamente toda aquela mobilização a tornava ansiosa, se imaginava não ganhando para não ter quedas de realidade e aceitação.

Preferia esperar o melhor diante do pior.

Camila foi para o apartamento de sua mãe, disse que tinha que buscar seu vestido e também iria se arrumar ali, prometendo a Lauren que seria ela a leva-la consigo. Em algum ponto da conversa ela citou por alto que havia encontrado um bom novo apartamento perto da biblioteca, e que dessa vez não precisaria inventar milhões de desculpas para ter sua ajuda em arruma-lo, mas aquilo era um projeto futuro, demandaria certo tempo em uma readaptação.

Apesar de Lauren dizer que não se importava que Camila ficasse para sempre, era o novo passo, e talvez Camila não estivesse pronta para lidar com ele depois de uma experiência ruim na última vez. Só ficariam juntas e bem, respeitando o espaço uma da outra. Era o que importava.

-

Camila chegou no horário marcado, descendo do carro pisando nas sapatilhas baixas, seu pretexto era conseguir dirigir melhor e quando fosse momento, ela colocaria um par de saltos de tiras na primeira oportunidade. Acenou para Kevin que arregalou os olhos levemente ao vê-la em vestes tão sofisticadas e diferentes do usual, era um contraste que ele pouco via da mulher por aí e se impressionou que tivesse tão diferente.

- Você está lindíssima Senhorita Cabello. – Elogiou a olhando se aproximar, apoiando a mão esquerda sobre o balcão, as joias brilhavam quase cegantes enquanto ela tinha um sorriso lisonjeiro no canto da boca o olhando se portar tão envergonhado em elogia-la.

- Obrigada Kevin, é a premiação que Lauren está concorrendo, ela não lhe convidou? – A latina perguntou interessada. Ele negou rápido com a cabeça.

- Ela convidou sim, mas eu trabalho o tempo inteiro, vez ou outra, tiro cochilos quando o fluxo de pessoas resume a zero, como de madrugada, então infelizmente eu não posso ver ela, mas deseje toda a sorte, tudo bem? Ela vai vencer. – Ele tocou nas bochechas, se curvando para oferecer duas pequenas florzinhas a cigana, que sorriu amplamente deixando o aspecto de encantamento de tirar o folego sobressair.

- Uma para você e outra para ela. – Falou entrelaçando as mãos sobre o balcão admirando Camila tão brilhantemente bela.

- Obrigada por isso, prometo entregar da maneira correta. – Ela falou dando uma piscadela. Kevin parecia satisfeito em ajudar e se curvou para o interfone, ligando para o apartamento de Lauren a avisando que Camila estava ali.

- Eu pensei em subir, mas é tanto trabalho com esse vestido que eu preferi não me enfiar em elevador nenhum. Tive que busca-lo em minha mãe, acredita que ele não é novo? – Ela foi tão casual em falar com o porteiro, que os olhos dele brilharam ao perceber que era toda simpatia, segurando as florzinhas na mão esquerda e passando a palma direita sobre a barriga.

Seu vestido era preto de camurça, as alças finas e largas caiam sobre seu ombro, segurando-se no limite de seus braços, deixando o decote naturalmente ainda mais cavado, colava em suas curvas dando ênfase em cada atributo exagerado, terminando um pouco acima da metade de suas coxas. No pescoço, a gargantilha de brilhantes, os brincos grandes de pedrarias brancas caindo em cascatas sobre as ondulações castanhas que eram seus cabelos que estavam ainda mais longos, centímetros de tocar na curva de sua bunda, combinando com sua maquiagem marcada, sobrancelhas anguladas, os lábios em um vermelho matte escuro e menos chamativo.

Kevin a olhou admirado, não era sobre um olhar malicioso, era quase paternal, orgulhoso sobre o que tinha em si, e Camila conseguia enxergar isso nele, o que a deixava tão à vontade para citar qualquer banalidade.

- Difícil acreditar, ele é bem bonito. – Elogiou tocando nas correspondências recém-chegadas. A latina o olhou fazer aquilo, esperando casualmente Lauren descer.

- Novembro é um mês bem intenso, porque antecede o mês do natal, há muito o que tenha feito para se preparar? – Ele perguntou repentino. Camila pensou sobre aquilo. Estava afastada da biblioteca por motivos óbvios, Amber a substituía enquanto ela ficaria mais um tempo longe, tinha que ir a França, e talvez naquela noite conseguisse a resposta para seu presente de aniversário que deu a Lauren há meses atrás, se elas pudessem viajar juntas, talvez passariam o natal fora do país, o que era uma ótima alternativa.

- Um pouco, meio caminho andado para planos. – Ela falou perdida, se recordando que ela e Lauren iriam fazer um ano de namoro em pouco menos de dois meses. Pensou em falar algo para Kevin, mas o acionamento dos elevadores a fez se alinhar, olhando para as portas se abrindo. Clara saiu primeiro e Mike veio logo atrás com...Lauren.

A latina suspirou.

Devastadora.

Seus pulmões se inflaram lentamente e ela sentiu o arrepio orgulhoso tocar sua nuca, a fazendo se mover para o lado e sentir o olhar de Lauren em si. Era noite para se manter inquieta de tão alerta. Clara ao ver Camila a cumprimentou animada, mesmo que a latina tivesse segurando seus suspiros para a namorada, seu abraço em Clara foi apertado, olhando para Mike que arqueou a sobrancelha olhando dela para Lauren.

- Vocês estão belíssimas, combina bastante. – Elogiou dando espaço para Camila, que sentiu a mão de Lauren relutar ao tocar em seu antebraço esquerdo. A latina a olhou profundamente, tocando sua palma sobre a dela em seu braço, suavemente embasbacada com o vestido que usava. Eram raras as vezes que Lauren deixava suas contenções de lado e se enfiava em saltos altíssimos e vestido de gala, e nestas exceções Camila a idealizava como outra mulher, a olhando de tão perto, enxergava a brandura em seus olhos, mas seu exterior se exibia como uma semideusa da beleza.

Seus ombros também estavam expostos, mas as alças de seu vestido vermelho vinho eram maiores, o decote mais dosado, o tecido do vestido social menos apertado, as joias pequenas e mais delicadas, seus cabelos ondulando suavemente sobre um lado só, deixando a clavícula ligeiramente exposta, mais contida, menos exibicionista que Camila, mas tão sofisticada e atraente quanto.

- Nós vamos em nosso carro, vão conosco? – Mike perguntou rompendo a longa troca de olhares. Camila negou rápido.

- Eu vou leva-la comigo... – Falou brandamente o olhando. O homem lhe esboçou um sorriso e cumprimentou Kevin enquanto ajudava Clara a descer as escadarias em seus saltos. Camila fez o mesmo, se curvando sem conter para depositar um beijo no rosto de Lauren. Suave, para não manchar-lhe o rosto.

- Eu estou maravilhada, você está linda. – A seriedade e tensão que apertou sua mandíbula ao olhar de pertinho para Lauren, deixou claro que falava sim bem sério. Lauren era toda silencio quando se impressionava com Camila, mas olhou e sorriu de canto, sentindo os dedos firmes nos seus ao ajuda-la com os degraus, se aproximando dos pais na calçada.

Mike olhava para o carro próximo com um quê de dúvida, e ela foi rompida quando Camila apertou o alarme o desativando. Ele se movimentou para a olhar, sua boca curvando em uma postura visivelmente embasbacada. Como a latina só tinha olhos para Lauren, não percebeu que ele estava chocado com seu carro, e logo Clara lhe deu breves cutucões.

- Querido, vamos... – Pediu apontando para o próprio Ford Flex Prata deles atrás da Ferrari lustrosa. Camila ajudou Lauren a entrar.

- Senhor Jauregui, quer que sigamos vocês? – Ela perguntou logo em seguida. Ele ainda tão impressionado com o carro, demorou alguns segundos para perceber que era com ele ao fechar a porta de Clara, se aproximando de onde a cruciverbalista estava na calçada.

- Podem ir de acordo com a velocidade do seu carro, se for de acordo com o meu chegamos amanhã...Por favor, chame de Mike, sinto-me velho. - Ele falou baixo, a voz quebrando um pouco ao apontar pra Ferrari. Camila riu, negando com a cabeça, a tonalidade de sua risada era contagiante.

- Oh me perdoe, Mike. Mas acho que se seguir a velocidade dele, a policia vai atrás de mim nessa premiação, e apesar de emocionante, Lauren enfartaria. – Deu uma piscadinha enquanto sorria negando com a cabeça. O homem apontou para ela como se a piada dela tivesse sido boa, dando um risinho para si mesmo ao vê-la entrar no carro e contornou o seu próprio, sentando ao lado de Clara a olhando partir como se estive hipnotizado com a máquina que ela dirigia.

Olhou para Clara incrédulo.

- Clara, essa mulher tem uma Ferrari. – Sua voz era estupefata.

- É? Nem sei sobre carros, isso significa muito, não é? – Ela questionou alheia a aquilo, olhando o carro se distanciar com facilidade. Mike abriu ambas as mãos no ar.

- Oh meu deus, porque ela age tão naturalmente? Ela é rica? Lauren falou isso? Ela tem uma Ferrari que custa a metade dos lucros do nosso trabalho anual, isso é surreal, eu estou apaixonado nesse carro. – Mike falou ligando seu próprio carro, acelerando o suficiente para encontrar com Camila esperando o semáforo abrir a distância de dois carros do seu, aquele carro reluzia o fazendo olhar para Clara que não parecia se impressionar com carros de luxo.

- Querido, apenas peça para dar uma voltinha depois. – Ela falou sorrindo. Mike olhou a Ferrari acelerar progressivamente e sumir de sua vista entre os carros antes de um dos tuneis de acesso. Camila olhava para o transito tranquilamente, sentindo os dedos de Lauren nos seus, sobre seu a divisão dos bancos.

Não se importava de dirigir apenas com a mão esquerda.

- Seu pai é engraçado, as reações dele e tudo mais... – Falou distraidamente olhando para o transito. Lauren inclinou o rosto curiosa.

- O que ele fez? – Perguntou.

A latina sorriu.

- Ele parecia mesmo impressionado com algo, deve ser o carro, vocês se parecem até nisso... – Lembrou ela. Lauren corou, olhando pelo espelho retrovisor, não enxergava mais nada dele próximo.

- Você vai gostar mais dele se tiver mais tempo para conversarem. – A cruciverbalista falou docemente, queria mesmo que Camila tivesse contato com seu pai, o achava tão gentil e engraçado em tantos níveis, e mesmo que a colocasse em qualquer apuro, adoraria que tivessem mais proximidade.

- Não se preocupe, você é a estrela da noite, prometo conversar muito com ele e perguntar muito dos seus segredinhos... – A olhou enquanto parava o carro em mais outro sinal, os lábios curvados, os olhos cintilantes.

- Eu não tenho segredinhos...

- Todos nós temos, uma hora você descobre quais são os seus... – A latina provocou, o sorriso sugestivo na boca fez com que a cruciverbalista corasse, olhando para frente ao pensar em qualquer coisa que a colocasse em apuros e que seu pai sabia. Ensino médio? Vergonhas? Até nisso tinha poucas coisas a falar, não tinha amigos para dar ênfase em suas vergonhas, a não ser que...

- Oh não, eu... acho que falar com ele é uma péssima ideia, eu acho mesmo. – Falou negando com a cabeça e se enrolando adoravelmente na justificativa. Já era tarde demais para negações, Camila riu.

- Pedido negado, ele vai ser um novo parceiro de armadilhas.

Lauren fez uma careta pensando em todas as fotos vergonhosas e em todos os seus desenhos escondidos em Palmetto Bay, teria que esconder de Camila porque ela provavelmente dormiria no seu quarto e tinha coisas demais que a podiam envergonhar. Quando se pegou pensando naquilo, percebeu que nada mais que fizesse teria a latina fora, seus planos eram juntas e ela sempre a incluía de um jeitinho adorável, pensar naquele fato a fez corar e se silenciar, recostando em seu banco e perdendo o olhar pelo vidro escuro, apreciando que tivesse o calor do corpo de Camila para abrandar sua ansiedade sobre as expectativas daquela noite.

- Você está bem? – Camila perguntou movendo a mão sobre a perna de Lauren, sentindo sua temperatura, a mão dela estava gelada a ponto da latina se sobressaltar com receio que tivesse alguma crise de ansiedade. Lauren negou veemente, tomando água de uma das taças sobre a mesa. Seus amigos estavam ali, era um evento de gala, todos estavam à altura, Normani conversava animada com Emily e Hansen, enquanto Mike ao lado esquerdo de Camila falava sobre sua fábrica com Troy, pedindo conselhos e tudo mais, ele trabalhava para uma empresa importante, sua ajuda sempre seria bem-vinda. A mãe de Lauren conversava sobre o evento com Mariele que estava se não mais ansiosa que Lauren, no mesmo nível. Era sobre seu jornal e sobre a sua cruciverbalista.

De cara.

Richard estava próximo, era orgulhoso demais para não se colocar prepotente em ter um titulo quase em mãos, nos últimos anos tudo era do New York Times, e naquele ano, onde a diretora mais audaciosa que já passou pelo jornal mais badalado dos estados unidos, se uniu com Mariele, eles tinham a real chance em mãos.

- Só um pouco ansiosa, mas é natural.. – Lauren tentou acalmar Camila que apertou suas mãos juntas, olhando para o anel que deu a sua namorada em sua mão, tocando o polegar carinhosamente sobre a pedra.

- Quero falar algo antes que tudo aconteça. – Pediu brandamente, aproximando do rosto dela. Lauren se agitou, se sentindo mais confortável que a tivesse perto.

- Esse premio não vai te definir, não ganha-lo não é fracassar, é muito pouco perto de toda a sua genialidade, não coloque em si essa pressão, mas não se menospreze em se pôr como fraca frente a quem concorre contigo, você é a sucessora de um dos homens mais elogiáveis de seu antigo trabalho, no mundo, não é pouco para mim e já se torna prêmio o suficiente. – Incentivou com seu tom controlado, a voz calma transparecia suas convicções, e era importante para Lauren ouvir aquilo.

A latina sabia que até mesmo aquilo vinha para dar propósitos e seria uma etapa de divisões de águas. Aconteceu muito em torno dessa premiação, a demissão do NYT, a quebra de confiança, a contratação do NYP, união dos jornais por ela, uma sabotagem para que ela não conseguisse ir adiante...

Traria intensos propósitos e não se aguentava em si para saber o que o destino reservava.

Se moveu para dar-lhe um selinho e se deixou ficar perto de Lauren, se perdendo nas conversas da mesa. E isso, aquele momento de tranquilidade durou até Mariele se erguer e ser seguida por Hansen para se aproximar dos bastidores do palco, com os diretores dos mais importantes jornais do país.

Era momento de começar.

Sempre faziam aquilo juntamente das premiações dos jornais.

Lauren foi chamada para se enfiar nos bastidores, e foi naquele momento que ela se separou de Camila. A cigana a olhou bem antes de soltar seus dedos e voltar a se sentar, ficando perto de Clara.

- Isso é importante para ela. – A mãe de Lauren falou tocando em sua própria taça. Camila sabia bem o quanto o que Lauren fazia sempre foi um dos aspectos de sua vida que mais a deixou feliz. Quando ela foi demitida e apareceu na biblioteca, completamente arrasada, foi de quebrar seu coração.

- Você acredita em pressentimentos? – Camila a questionou. Clara assentiu a olhando, a latina tocou nos próprios cabelos, os dedos se perdendo delicadamente. Seus olhos se encontraram.

- Tudo o que for para ser dela, vai ser.

A mais velha sorriu, a envolvendo com o braço esquerdo em um meio abraço. Era respeito tão reciproco que elas se mantiveram assim por um bom tempo, olhando em direção ao palco onde um dos jornalistas começava a falar, colocou um silencio total no salão, em todas as mesas.

Por um vislumbre viu Hansen subir ao palco, e os aplausos aumentaram estrondosos, havia ganhado um Pulitzer há um tempinho, se havia alguém tão respeitado e vangloriado nos últimos tempos na classe jornalística, era ela. Fez questão de pedir que fosse ela a dar o resultado para os cruciverbalistas.

Lhe entregaram um envelope preto, e ela olhou ele profundamente antes de coloca-lo sobre o palanque de vidro e olhar para aquela multidão.

- Eu quero desejar sorte a quem compete nessa categoria, são mentes geniais que pensam sempre de um jeito quase impossível para oferecer-nos um entretenimento deleitoso cheio de novos aprendizados todos os dias. – Ela falou com calmaria, movendo os dedos pelo envelope, puxando o papel branco com uma estranha sensação de ansiedade a dominando. Talvez até mais quando seu Pulitzer, porque diferentemente daquilo ela sabia que significava muito mais do que só um premio.

Estava em negrito.

Music on* Here's My Heart - Lauren Daigle

Com as mãos tremulas como quase nada nesse mundo faria Dinah Hansen ficar, ela se curvou para perto do microfone em total choque.

"Lauren Jauregui"

Camila se levantou de imediato e ouviu as palmas crescentes, os assobios e toda a recepção magnifica que fizeram ao vê-la entrar pelos fundos, através das longas cortinas, as mãos se apertando uma nas outras, os olhos esmeraldas se perdendo nas pessoas ali em baixo, maravilhada com uma sensação que nem sabia a definir.

Quando Dinah a envolveu em um abraço apertado e lhe ofereceu seu pequeno troféu, Lauren deu um aperto leve, como se nem conseguisse apertar. Estava em estado de letargia, completamente perdida em uma sensação tão diferente, e tão boa.

- Sinto muito orgulho de você. – Hansen falou em seu ouvido. Lauren sentiu as lágrimas em seus olhos ao olhar para o rosto de Hansen, que tocou o polegar em sua bochecha e afagou, como uma pequena muito feliz, toda orgulhosa que ela havia conseguido.

Muitas das vezes ninguém conseguia entender porque valesse tanto para Lauren ter Hansen por perto, sequer compreendiam sua admiração pela loira de um jeito elevado desde o começo, como se ela fosse intocável quando na verdade era tão de carne e osso como ela, um sentimento de admiração que um filho sente por seu pai o vendo fazer algo que o orgulhe. Lauren só se sentia motivada por uma mulher que conseguiu tanto lutando sozinha, a olhava e se inspirava, mesmo desde o começo, antes mesmo de Camila, não que tivesse paranóias sobre si mesma, mas a cruciverbalista enxergava em Hansen o que ela queria para si, uma liberdade em lutar, a força em permanecer naquilo que acreditava.

Por isso sempre a admirou tanto, porque a jornalista nunca teve medo de lutar, e Lauren nunca havia percebido antes que era aquilo que lhe faltava, mesmo que a odiassem por aí, ela precisava lutar por si mesma.

Hansen se manteve perto, esperando Lauren começar a falar em agradecimento.

- Quero dizer que... eu agradeço por todas as pessoas que sempre acreditaram em mim e que me trouxeram até aqui...e... isso pode não ser muito para tantas pessoas, mas... significa muito para mim, eu estou nervosa, huh...desculpe. – Falou envergonhada, suas bochechas vermelhas e seu jeito adorável atrapalhado fez com que as pessoas rissem e batessem palmas, o que a relaxou e fez mover ansiosa e feliz, Hansen a envolveu pelo ombro, a guiando para fora do palco.

Lauren olhava para o troféu quando encontrou seus amigos e sua família nos bastidores, esperando por ela. Seus olhos cheios de lágrimas ao vê-los ali.

- Camila... eu ganhei! Eu ganhei! – Falou tão animada, sua voz demonstrava sua felicidade. Tão ingênua que parecia quase infantil. A latina sorriu abertamente, se orgulhava tanto que ela tivesse tão feliz, seus olhos estavam ansiosos olhando o portar de Lauren segurando o troféu em mãos, suas mãos o apertando em orgulho, os olhos marejados.

Significava muito para ela, muito para ela e muito para quem a amava depois de ter passado por tantas coisas. Se aproximou para a abraçar, beijando sua bochecha profundamente, recebendo o afeto animado da cruciverbalista que se derretia em glória e felicidade. A latina a olhou de pertinho, sentindo seus olhos ardendo para conter sua própria emoção ao ver Lauren tão feliz, ao desviar o olhar levemente, tinha Clara a olhando, batia suas mãos de jeito mais contido, seus olhos diziam tudo, como eles sempre falaram antes e sempre falariam.

"Obrigada, por tudo." Gesticulou com os lábios para Camila que negou com a cabeça, mas a mulher ainda sim agradecia com os olhos cheios de lágrimas, orgulhosa de Lauren. Finalmente havia se encontrado, se mandava, estava em sua independência, conseguindo suas conquistas, sendo feliz, fazendo o que amava, amando, vivendo.

Clara sempre quis aquilo, e tomava forma, sua filha se aproximou a abraçando tão animada que a mulher não conteve ao chorar silenciosamente, tentando limpar as lágrimas rápido para que Lauren não olhasse e perguntasse se era de tristeza.

Camila abraçou Dinah e Mariele, agradecida que tivessem se focado tanto para que aquilo fosse possível, a latina sabia que a ideia inicial foi de Dinah e que ela sempre seria responsável por aquela felicidade.

- Poderíamos tirar uma foto da campeã? – A voz masculina fez Lauren mover a cabeça ansiosamente, estava abraçando seu pai, que se moveu com ela. Shortz estava acompanhado de fotógrafos. Lauren sorriu para ele, seu mentor, o homem responsável por ela ter conseguido acreditar que o que fazia era real. Ele a abraçou orgulhoso, a admirava.

- Venham, todos com ela, são importantes nesse momento. – Ele pediu. Lauren o envolveu delicadamente e pediu para Camila se aproximar. A latina se aproximou, sentindo o braço de Lauren a envolver pela cintura a puxando ligeiramente para perto, a colando em seu corpo.

- Perto de mim. – Sussurrou para a namorada que assentiu, a troca de olhares durou segundos, mas parecia uma ligeira eternidade quando se perdiam no olhar uma da outra. Camila desvencilhou dos olhos esmeraldas, sentindo a proximidade de Clara e Dinah.

Ao lado esquerdo de Lauren, Shortz, Mariele, Ally, Troy e Mike olhavam com um sorriso repleto nos lábios, enquanto ao lado direito, Camila, Clara, Dinah, Normani e Emily sustentavam um sorriso de dentes repletos, subindo a postura enquanto os barulhos dos flashs eternizavam aquele momento.

Lauren conseguiu, não importasse quantas vezes tenham tentado arruinar aquilo para si, estava destinada a viver naquele momento, e ele era a mais ingênua e completa felicidade que refletia no mais puro sorriso que preenchia seus lábios ao ser envolvida por todas as pessoas que mudaram sua vida nos últimos meses.

Aquelas que amavam e a apoiavam incondicionalmente.

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