Três dias já tinham se passado e as nossas tentativas estavam cada vez mais frustradas. Estávamos a ponto de desistir de tudo e torcer que o médico maluco esquecesse da nossa existência. E é por isso que estávamos em uma reunião seríssima no nosso quarto.
- Eu não quero desistir – começou o Zeca, sentado ao meu lado na cama. – Mas é como se estivéssemos andando em círculos. Não vejo como podemos progredir.
- E o que você sugere? - indagou a Helô.
- Eu não sugiro nada! Só estou colocando para fora toda a minha frustração.
- O que você acha, Bruno? – perguntei.
- Eu acho que...
Ele não conseguiu terminar sua fala, pois fomos interrompidos por batidas na porta. No ato fomos tomados pelo desespero. Provavelmente a Dona Gorete tinha descoberto nossos visitantes.
Sem precisar avisar, o Zeca e Helô rolaram para baixo da cama e eu atendi a porta com o meu melhor sorriso inocente.
- Oi – disse, abrindo a porta.
E para o meu total espanto, não encontrei a Dona Gorete. Ao invés disso, lá estava a Nice, uma das pessoas que moravam na hospedaria.
Ela tinha tantos piercings e brincos, que quase chegava a ofuscar minha visão. Além disso, seu cabelo preto e raspado na lateral dava a ela um ar muito bad girl.
- Eu sei que você tem visita aí – disse ela, espiando por cima de mim, o que nem foi muito difícil já que ela era consideravelmente mais alta que eu.
- Do que você está...
- Qual é, Malu! - exclamou, me empurrando e entrando no quarto. – Eu já vi o cara do cotoco e a menina com cara de Furby ajudando vocês a sair daqui.
- Sai do nosso quarto - mandou o Bruno, com cara de poucos amigos.
- Calma, calma - cantarolou, erguendo as mãos. – Eu não vou dedurar vocês pra Dona Gorete. Eu só vim aqui ajudar.
- Você não pode nos ajudar – disse.
- Olha só. Eu tenho uma informação que deve ser muito importante pra vocês. - Ela sentou-se na minha cama, como se não tivesse ouvido o que eu disse. – Eu sei que vocês estão atrás de uma pessoa. E eu tenho informações sobre o paradeiro dela.
Encarei o Bruno, que também me encarava desconfiado. Como ela poderia saber algo sobre a nossa busca?
- Estamos todos no mesmo barco, Malu - prosseguiu. – Eu também estou atrás dela. Mas eu não tenho esses super poderes que vocês têm. E é por isso que eu preciso da ajuda de vocês.
Aos poucos a Helô e o Zeca saíram debaixo da cama e sentaram-se nas camas, interessados no assunto.
- Quem é você? - indagou o Zeca.
- Meu nome é Nice. E eu sou irmã da tal terceira criança.
- Como assim? - perguntou a Helô, perplexa.
- O nome dela é Flávia. Somos meio-irmãs, na verdade. Filhas da mesma mãe. E é aí que começa o meu problema. - Ela cruzou os braços, preocupada. – Ela nunca foi muito com a cara do meu pai e, assim que nossa mãe morreu, ela passou a infernizar a vida dele. Ela era só uma criança, mas já era bem geniosa. Então, quando ela fez quinze anos ela fugiu.
- Você disse que tem informações sobre o paradeiro dela - disse o Bruno, sem olhar para ela.
- Três meses depois que ela fugiu, passei a receber cartas dela - continuou. - Ela me contou que veio atrás do passado da nossa mãe e que tinha descoberto coisas terríveis sobre um experimento que aconteceu há dezessete anos. Como eu sei que ela não bate muito bem das ideias, resolvi vir até aqui atrás dela.
- Ela está aqui? - perguntou o Zeca.
- Sim. No hospital.
Um coro de "Droga", "E agora?" e alguns palavões tomou conta do nosso quarto. Tudo o que mais temíamos tinha acontecido.
- Estamos perdidos! - exclamou a Helô.
- Aquele lunático idiota vai tentar convencê-la de tudo quanto é jeito! - exclamei, frustrada.
- E vocês ainda nem ouviram a pior parte – resmungou a Nice.
- Pior parte? - indaguei, incrédula. – Dá pra ficar pior?
- Vocês não conhecem a Flávia mesmo! - exclamou ela, sorrindo. – Ela tem o caráter mais duvidoso que eu já vi na minha vida! Ela é minha irmã e a gente se gosta, mas... ela é perigosa. Se o médico oferecer para ela um acordo vantajoso, ela vai aceitar. Independente disso acabar com a vida de várias pessoas.
- Que sorte a nossa, essa terceira criança ser tão louca quanto aquele médico idiota! - exclamou o Bruno, cheio de sarcasmo.
O assunto foi morrendo aos poucos e, de repente, estávamos todos em silêncio, pensando no tamanho na confusão que teríamos que enfrentar. Infelizmente, estávamos melhor quando não tínhamos nenhuma informação sobre ela.
- Obrigado pelas informações – começou o Bruno, levantando e meio que intimando a Nice a sair. – Agora, se você nos der licença, precisamos pensar no que vamos fazer...
- Qual é! - grunhiu. – Eu vou com vocês!
- Vai nada! - tornei. – Aquela gente é perigosa de verdade, Nice. Você não faz ideia.
- Minha família ruiu graças a esse maldito experimento! - exclamou, com raiva. – Eu acho que também tenho direito de ir com vocês. Além do mais, eu sou a única pessoa que a Flávia respeita!
Quando a encaramos com desconfiança, ela insistiu:
- É sério! Eu acho que se eu conversasse com ela, talvez ela pudesse mudar de ideia.
- Quem não está entendo é você! - tornou o Zeca. – Aquele lugar é realmente perigoso. Nós, que temos... digamos, algumas vantagens, já passamos por coisas terríveis!
- Eu também tenho essas "vantagens" - respondeu, fazendo aspas com os dedos. – Vocês não são os únicos especiais aqui.
Desta vez, um coro de "Jura?", "Uau" e "Caramba!" tomou conta do nosso quarto. Ela também era filha de uma das cobaias, afinal. Era óbvio que tivesse algum tipo de mutação genética.
- E o que você faz? - perguntou a Helô.
- Na verdade é o que eu não faço. Qualquer tipo de controle mental não me atinge – sorriu. – Eu não sou lá tão poderosa quanto vocês dois – apontou pra mim e pro Bruno. – Porque eu não sou pura. O meu pai não fez parte do experimento. - Ao notar nossos olhares de incredulidade, ela continuou – É sério. Tente me persuadir.
- Vá embora do nosso quarto - arrisquei.
Ao notarem que minha ordem não surtira efeito. Todos se empoleiraram na beirada da cama, a fim de poder olhar de perto a garota que não era atingida por mim. Grandes coisas!
- A Flávia é bem perigosa – continuou. – Vocês precisam de mim.
- E o que essa Flávia faz? - indaguei, erguendo uma sobrancelha.
- Ela cria ilusões.
- Ah! - exclamou a Helô, rindo. – Mas isso eu também faço.
- Não esse tipo de ilusão – respondeu e, ao notar nossas expressões curiosas, adiantou-se em explicar: – Eu venho seguindo vocês há dias. Já vi o tipo de ilusão que você cria. Mas a Flávia cria realidades ilusórias. Ela destorce a realidade de forma tão perfeita que você acredita facilmente que aquilo que está acontecendo é verdade. Eu a vi fazendo isso com o meu pai dezenas de vezes. É por isso que eu preciso ir com vocês. Eu sou imune a ela.
Instaurou-se um silêncio sepulcral no nosso quarto. Há menos de uma hora estávamos discutindo sobre desistir ou não do nosso plano e, de repente, toda a nossa investigação tinha sofrido uma reviravolta tão grande que era até difícil de acreditar.
Deveríamos acreditar na Nice? Eu não tinha certeza se era uma boa ideia ou não. Eu só tinha uma certeza: eu queria que tudo isso acabasse de uma vez.
***********************
E aí? O que vocês pensam sobre a Nice? Será que dá pra confiar nela?
Capítulo saiu mais tarde do que o esperado, mas cá estamos. Não esqueçam do votinho e do comentário.
Beijinho ;*