Latente - Estigma

By TeresaTHelsen

733 95 72

LATENTE - série histórias ocultas "Estigma" Em um arquipélago no mar de Bering, um jovem passa po... More

O rito
A mãe
Marinho
Estigma
O último barco
Projeto LATENTE - série histórias ocultas

A ilha

240 22 24
By TeresaTHelsen


A noite estava fria, mas o céu era límpido e de um azul tão profundo que fazia a todos compreenderem o que era infinito. As estrelas brilhavam maravilhosamente. E ali, próximo à Ilha dos Pescadores e longe da cidade e suas luzes, ele percebia que o mundo não tinha mesmo fronteiras. Pois não havia divisão possível de se ver; o escuro do mar se confundia com o escuro do céu. Era tudo uma mesma coisa. E agora que estava na proa de um pequeno barco, com o vento no rosto e a visão limpa, ele se sentia realmente pequeno.

Andrew estava ansioso e nada certo de sua escolha, mas a tristeza que o preenchia era tanta que ele precisava curá-la. Diziam que ele estava depressivo, pois quem mora nessas partes do planeta é dado a melancolia.

Estavam no mar de Bering, mais precisamente no arquipélago de Prometeus, e lá existem épocas do ano que o sol quase não nasce. Os mais inventivos e sensíveis, dizem que esse espirito da escuridão que os deixa mais introspectivos e por vezes, tristonhos.

Seja o que for, Andrew se achava num estado de ânimo lamentável.

De uns tempos pra cá começou a ter sensações estranhas, variações de estado de humor abruptas. Por vezes era dominado por grande euforia; praticava então esportes, visitava os poucos amigos, saia para compras. Mas outras vezes, simplesmente tinha vontade de chorar, e sentia um grande vazio inexplicável. E essa segunda fase foi bem extensa, tanto que as pessoas do trabalho começaram a se preocupar, e outras e se irritar. A gota d'água foi quando, em um dia qualquer, um de seus supervisores resolveu implicar com o seu trabalho. Andrew então se transformou completamente e, se não fosse a ação rápida dos colegas das mesas ao lado, o homem não escaparia sem uma mordida.

Foi um choque no trabalho, quem imaginaria que o pacato e comum Andrew Byrnes iria surtar assim? Ele trabalhava no escritório fazia quatro anos, e de uns cinco meses para cá, puft! Mudou várias vezes, de forma inexplicável. O encaminharam aos psicólogos da empresa, que diagnosticaram estresse e recomendaram férias.

Mas não foi exatamente isso que o levou à ilha.

Andrew estava de férias por um mês. Sentia-se muito mal com o que tinha acontecido; ele não entende por que quase atacou seu colega. Bem verdade que não gostava dele, mas daí, a querer morder a garganta do homem e mastigar, era demais.

E era exatamente essa a vontade; mastiga-lo! Arranhar e arrancar pedaços. Como se ele fosse um lobo jovem que cansou do macho alfa, e agora queria "mostrar só uma coisa" pro velho, de uma vez por todas!

Depois de passada a situação, Andrew tentava recriar a cena em sua cabeça e entender o que sentia. Mas não entendia. As vezes achava que entendia, mas logo passava a certeza. Estava ficando maluco, era isso. Não sabia por que queria matar o cara, não entendia o que sentiu e agora só pensa em ficar deitado na cama o dia inteiro, vendo o dia passar pela janela, sentindo pena de si mesmo, os olhos quentes e as bochechas molhadas. Eu tenho só vinte e três anos, ainda tenho uma vida inteira pela frente, porque estou me sentindo tão exausto? Era o pensamento com o qual começava e terminava o dia.

Até que um casal, amigo seu, foi passar um final de semana com ele.

Viram que o estado do amigo era realmente muito confuso e preocupante. Andrew, Julie e Maik O'Brien eram amigos desde o colégio. Julie e Maik foram juntos pra faculdade e se casaram. Os dois eram biólogos marinhos e pessoas com uma disposição incansável e dados à gostos rústicos.

Conversando sobre os acontecimentos e como Andrew andava se sentindo, Julie sugeriu que o rapaz fosse passar uns dias na Ilha dos Pescadores. Lá ele iria ter contato com a vida simples, pessoas mais simpáticas e receptivas e entrar em comunhão com a natureza, que para ela era o que lhe faltava.

- Ora Julie, superstição ainda? Achei que o meio acadêmico tinha te curado dessas ideias...

- Qual é Andrew? E desde quando você se harmonizar com o lugar em que vive é superstição? Ah, pense que quando eu falo "lugar em que vive" estou falando o planeta Terra, ok? Não seu apartamento!

- Certo, mas ir pra ilha do lado e enfiar meus pés na água fria, vai fazer isso?

Antes de Julie começar a se irritar e discursar longamente sobre a necessidade da integração do ser com o ambiente, Maik interviu:

- Cara, ao invés de falar qualquer coisa, vou te mostrar só isso aqui...

E tirou da bolsa um tipo de mini álbum de fotos.

Nele algumas imagens da ilha dos pescadores, mostrando um porto ensolarado com vários barcos com velas super brancas, refletindo a luz do sol, iluminadas. Ao fundo, um céu azul claro límpido, inimaginável para ele antes.

Andrew fixou seu olhar em uma em especifico, e a pegou. Ela deve ter sido tirada de um helicóptero, pois mostrava de forma ampla um grande morro com neve em seu cume e abaixo dele, o porto com suas dezenas de casinhas, cada um pintada com uma cor diferente; vermelha, laranja, verde, amarela. As cores ressaltadas pela luz do sol que batia diretamente nelas. Andrew tinha certeza que podia ouvir o barulho do vento e sentir o calor do sol, ele estava completamente encantado e convencido.

- Se nesse lugar até as casas parecem felizes, então eu tenho certeza que também vou ficar...

No dia seguinte preparou seus tênis de hiking, calças e casacos mais grossos e partiu.

O pequeno barco de Andrew aportou no cais à noite. O lugar todo estava bem escuro, pois era iluminado por alguns poucos postes, bem diferente da cidade de Copérnico (cidade da maior ilha do arquipélago; Copernicus), que dependendo do lugar, a noite pode parecer dia.

Andrew, um pouco apreensivo, não estava bem seguro do que deveria fazer. Seguiu o guia do barco, que estava lhe indicando o caminho para a pousada Caribou-Rei, que realmente não era longe dali. Pelo caminho, Andrew tentava identificar a visão da foto; as casas coloridas e a alegria irradiante. Mas não via, estava tudo escuro. Embora dentro das casas desse pra ver a luz quente amarelada, parecia aconchegante. As famílias deviam estar jantando a uma hora dessa.

Estavam no verão, mas diferente do dia, a noite era bem fria. Entrou na pousada ainda com uma fumacinha suave saindo de sua boca. Estava agradável lá dentro. Havia uma mulher idosa sentada numa grande cadeira de balanço, entretida com algum trabalho manual e ouvindo um radinho de pilhas, próxima à um rádio grande, muito usado pelos moradores de lá para se comunicarem com os barcos, caminhões ou com a Ilha Copernicus. Ela olhou calmamente para Andrew. Ele esperava que ela lhe desse boa noite, perguntasse qual quarto desejava e lhe oferecesse o cardápio da noite. Mas ela continuou olhando para ele.

- Ahn... boa noite senhora, eu gostaria de um quarto.

A senhora balançou a cabeça afirmativamente e levantou-se, sem nenhuma pressa, dirigindo-se a um pequeno balcão próximo à entrada.

Pegou um caderno, abriu, olhou para ele com um leve sorriso:

- qual o seu nome, moço?

- Andrew Byrnes, senhora.

Disse agora se aproximando do balcão.

A velha já não parecia antipática, apenas tosca. E ela começou a escrever como uma criança de oito anos, concentrada e lentamente. Andrew estava ficando um pouco tenso, e começou a olhar ao redor. Era uma sala bem grande, ali onde estava era a entrada e próximo a ela havia uma escada, provavelmente que dava acesso aos quartos. Na parte maior da sala, havia várias mesas, e quase totalidade dela estava cheia, ele pode perceber que haviam alguns turistas estrangeiros, mas a maioria eram jovens ou adultos do arquipélago Prometeus. Segundo seu casal de amigos, boa parte dos turistas na ilha são estudantes e professores da Universidade Galileo de Copérnico, que utilizam a ilha dos pescadores como fontes de pesquisas, especialmente biológicas e antropológicas. Andrew não sabe se todos ali eram desse tipo, mas não imaginou que teria tanta gente, bem no meio da semana. Será que era um encontro da faculdade, algo assim?

- Senhora, porque está tão cheio? É sempre assim por aqui?

- Depende... hoje tem muita gente...

- Ahn, sim... eu percebi mas... eles são estudantes?

- Parecem...

- Eu quis dizer... ah, tudo bem esquece. Eu, na verdade, queria além de um quarto, me encontrar com um homem...

A senhora para de escrever suas anotações e olha diretamente para Andrew, de forma suspeita.

- Ah! Não pense mal! Eu quis dizer que preciso falar com um homem!

Explicou Andrew apressadamente, querendo desfazer qualquer pensamento inadequado que possa ter tido a velha, diante da frase mal feita dele.

A velha parecia não ter entendido a exacerbação do rapaz, e continuou olhando-o.

- Preciso falar com um cara chamado Nanook!

A senhora apenas desviou o olhar em direção a uma mesa da sala, Andrew seguiu-o.

- O de casaco vermelho. São trinta dólares

- Como? Ah sim, a diária...certo, certo, aqui está...

Andrew entregou o dinheiro, assinou e pegou as chaves apressadamente.

Sentia como se estivesse fazendo algo criminoso, secreto. Mas ele estava só indo falar com um guia recomendado pelos amigos. Certo que havia algo mais, mas... não era tanto assim...

- Com licença, você é o Nanook?

Andrew disse, tímido, ao abordar o homem de quase meia idade de inconfundíveis traços do povo inuíte, que tomava uma bebida quente em companhia de outros homens, aparentemente amigos de longa data.

O homem olhou para ele:

- Sim, sou eu. Procurando um guia?

- Sim... bem isso... é que um casal amigo meu, falou pra procurar você... a Julie e o Maik O'Brien...

- Hummm? ah, sim! Certo! Bem, estará em boas mãos, eu estou disponível, mas temos um grupo pela manhã, daquela mesa ali... se não se importar pode se juntar a nós, mas depois deles, posso seguir um roteiro diferente caso precise. É pra turismo, estudo... Já tem ideia do que quer conhecer na ilha amanhã? É só você?

- Ah... é que na verdade... eu precisava conhecer hoje...

- Mas é noite já. Não há nada para se conhecer aqui a noite.

- Pois... eu preciso. Preciso ir até um lugar que não sei onde é, mas o senhor sabe... preciso encontrar com uma pessoa... preciso ver Akna.

O homem pareceu ficar um pouco surpreso, e a surpresa se estendeu aos outros da mesa. Logo ele sorriu e começou a se levantar, levemente alvoroçado.

- Ora, há há... acho que alguém brincou com você! Não tem ninguém na comunidade com esse nome...

Enquanto falava, fazia menção de ir pegar mais bebida quente, e tirava Andrew dali, o conduzindo até próximo da saída. Andrew pressentiu que fez alguma besteira ou, que realmente era algo secreto. Nanook foi levando-o falando qualquer coisa sobre ele precisar experimentar a bebida, pois estava ótima, e que poderiam fazer logo o roteiro de visita dele, para amanhã. Até que Nanook o desviou para a cozinha. Andrew ficou preocupado, especialmente porque o homem tinha ficado entre ele e a porta. De repente Nanook que tinha a expressão sorridente, fica sério. E fecha a porta atrás dele.

- Ora diabos! Confundi os nomes! Você não disse O'Brian?

- Disse O'BriEn, com E...

- Aquele filh... hunf, o que você quer aqui?

- Preciso falar com Akna.

- E você lá sabe porque precisa falar com ela?

- Ela? Eu nem...

- Você nem sabe que é ela? Ah, que piada... olha rapaz, você não pode chegar simplesmente e entrar no ritual! Tem que ter um preparo básico antes e...

- Ritual? Então tem um ritual acontecendo, não é tipo uma consulta?

- Hein! Não te disseram nada? Ah, sem condições de eu te levar lá hoje!

- Mas... mas eu preciso! Me falaram que devo ir hoje! Preciso de ajuda!

- Muita gente pensa que precisa rapaz, o que você acha que parte dessa gente ai fora quer? Mas não é bem assim... vocês da cidade, as vezes são mais movidos pela curiosidade do que pela necessidade... Vem atrás de provar coisas só pra testar na pele. Mas um pó de estrela na cara e uma consulta com os xamãs, não vai mudar suas vidas. Não vai fazer vocês entenderem...

- Eu não quero entender nada! Eu só quero parar de me sentir assim, quero ser eu mesmo de novo! Não quero mais atacar ninguém!

Andrew tinha o tom de voz alterado, estava nervoso por ouvir um sermão de quem acabou de conhecer e sem sequer saber o porquê. Queria apenas deixar de ficar triste, ou eufórico ou violento... queria sua vida de volta. E alguém falou que lá, ele teria ajuda, mas parecia que era engano.

Nanook não se ofendeu com a exacerbação do jovem, na verdade se preocupou. Viu que o rapaz estava mesmo precisando de ajuda e que parecia sozinho. Provavelmente não podia contar com ninguém.

- A pessoa que você atacou... está viva?

- Meu deus, é claro que está viva! Está insinuando que eu sou um assassino?

- Hum. Não. Ainda... Escute atentamente o que vou lhe dizer: siga todas as minhas instruções sem questionar. Eu vou lhe levar até Akna.

***

Continue Reading

You'll Also Like

9.7M 610K 88
Um homem insuportável de um jeito irresistível que faz um sexo que deixa todas de pernas bamba, Tem todas as mulheres que deseja aos seus pés mas te...
45.4K 4.8K 17
Livro vencedor da categoria mistério do #GoldWinners. Faltando duas semanas para o término das aulas, um grupo de amigos se vêem em uma situação de r...
9K 807 21
Caio é um adolescente de 17anos é vendido pelo seu pai para um mafioso muito obsessivo e frio . Mais quando ele se vem pela primeira vez o jovem f...