Com tequila e com amor [Concl...

Av mllenica

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Uma garrafa de tequila embalada com papel de presente não era exatamente o que Amanda estava esperando, mesmo... Mer

1. Não é o meu dia
2. Qualquer coisa que faça não pensar
3. Efeitos duradouros
5. Realidade e imaginação
6. Um minuto
7. Misterioso Alvoroço
8. O acender das luzes
9. Excesso de informação
10. Uma pergunta
11. Aflição
12. Avanços
13. Ainda não te disse nada
14. Pouco a pouco
15. Estranho, divertido e mágico
16. Real? (parte 1)
16. Real? (parte 2)
17. Entre dormir e acordar
Notas finais e agradecimentos
Bônus (Epílogo) - Com o coração ainda mais seu
Curiosidades
Surpresinha!!
Com tequila e com amor - Lado B
Minhas outras histórias
Questionário
COM TEQUILA E COM AMOR - LADO B
1. Não é o meu dia - Lado B
2. Qualquer coisa que faça não pensar - Lado B
3. Efeitos Duradouros - Lado B
4. Amêndoas Amargas - Lado B
5. Realidade e imaginação - Lado B
6. Um minuto - Lado B
7. Misterioso alvoroço - Lado B (Parte 1)

4. Amêndoas Amargas

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Av mllenica

"Era inevitável: o cheiro das amêndoas amargas lhe lembrava sempre o destino dos amores contrariados."

(Gabriel García Marquez)

Depois de um banho pareço melhor, embora ainda me sinta estranha. Parece que tudo está fora do lugar. Deve ser o peso do ano a mais ou acúmulo de drama do dia inteiro. Meu nariz ainda está um pouco entupido, mesmo depois das toneladas de vapor do banho quente. E de eu continuei chorando no chuveiro.

Não sou emotiva desse jeito, quero dizer, há muito tempo eu não choro tanto. Acho que a última vez foi no enterro dos meus pais, quando eu tinha onze anos.

É engraçado como eu me imaginava no futuro, quando era criança. Aos onze, achava que com vinte e três anos eu seria apresentadora de televisão e viveria viajando pelo mundo com a minha família, filmando meu próprio programa de televisão sobre a vida marinha. Acordando com os golfinhos era o nome do show.

Sim, eu era um pouco obcecada pelos Thornberrys.

Eu não devia estar tão melancólica. Deve ser culpa da tequila.

Sento em uma das banquetas da cozinha e sinto a brisa da noite que vem da janela aberta.

Suspiro cansada.

Monstrinha apareceu logo depois de colocar Lili para dormir. Ela me perguntou se eu queria conversar, mas não caí na armadilha. Elisa não conversa, basicamente ela fala sem parar. Dessa vez consegui fugir do velho monólogo. É sempre do mesmo jeito: ela começa dizendo que estou me fazendo de vítima da minha própria vida, sobre como é imaturo estar me prendendo por tanto tempo a algo que deu errado no passado e sobre não aceitar as consequências dos meus atos. Eu disse que estava bem, mas Elisa não aceitou, é claro.

Continuei assistindo e me sentindo um bebê, porque ela adora bancar a mãe zangada comigo. Ela cortou uma fatia enorme do bolo de chocolate e deixou sobre a bancada da cozinha e me encarou com as sobrancelhas erguidas, empinando o queixo. Depois, reclamou da minha irresponsabilidade, por não ser exemplo para as meninas e me mandou ir terminar de chorar no quarto. E também me ameaçou, dizendo que não ia limpar a minha sujeira de manhã. O segundo copo de bebida ainda está cheio, caprichei na segunda dose e o bolo de chocolate parece ainda mais delicioso agora. Não é a melhor combinação, eu sei disso, só que encontrar Pedro Henrique no dia do meu aniversário também não é.

A primeira garfada faz com que eu me sinta perto do céu. Como é que alguém tão má como Monstrinha pode cozinhar tão bem? Cozinhar para mim é como montar um quebra-cabeças daqueles dificílimos, em que cada dia se monta um pedaço. Até duas semanas atrás eu achava que os ovos precisavam cozinhar até partirem a casca e, por esse motivo, sempre achava que a gema acinzentada significava que estava podre. Culpei muitas vezes o dono do mercadinho da esquina por vender ovos estragados.

O segundo pedaço faz a ansiedade aliviar. Eu deveria estar dormindo agora e aproveitando a chance de poder esticar o sono até as duas da tarde. Dormir é sempre o melhor remédio para clarear a mente, mesmo que eu não consiga, de jeito nenhum, fazer isso agora.

A terceira garfada me faz sentir raiva, estou destruindo todos os meus esforços diários de chegar ao final do ano com um quilo a menos na balança. Eu tenho certeza de que essa quantidade de açúcar vai direto para o meu culote ou, na melhor das hipóteses, para as minhas coxas.

A quarta parece amarga, devem ser as amêndoas que torraram demais.

Amêndoas amargas é tão trágico como minha situação atual.

A quem estou tentando enganar? Não é por terem esquecido o meu aniversário. Por Monstrinha ter feito esse bolo incrível. Ou por causa desse presente estranho do meu vizinho, que parece mais uma oferta de condolências do que qualquer outra coisa. É por causa de Henrique. Eu o chutei e estou um caco. Estou aqui arrasada por tudo que não dá certo na minha vida, enquanto ele é um R1 em cardiologia, eu ouvi Elisa comentando com Mel outro dia. Aposto que ele deve ter se casado há dois anos e deve ter dois bebezinhos cheios de cachinhos à sua espera em casa.

Você está com inveja dele, é isso Dica?

Eu sou ridícula!

Talvez isso seja injusto, de um jeito bem bizarro, mas é.

Desisto da quinta garfada.

Volto para a tequila e a segunda dose desce rasgando a minha garganta, enquanto caminho até a caixa aberta em cima do estofado. Encontro o porta-aliança debaixo de algumas fotos. Parece que foi em outra vida e não na minha. A pessoa sorridente nas fotos parece um clone meu, não, eu é que sou a sósia dela.

Estou começando a ficar tonta, a caixinha de veludo parece um gatilho. Um misto de emoções estranhas aqui dentro, gritando para ser libertada. Abro-a e é como se um sopro atingisse a minha mente.

Como um pedaço esquecido de um rolo de filme que alguém finalmente encontrou.

Posso ouvir a voz de Henrique. E dessa vez ele não está conversando com alguém no elevador, ele está dizendo que me ama. Dizendo que os meus olhos sempre o fazem esquecer o que dizer. Também posso me ouvir respondendo. Eu digo que não posso, porque alguns sonhos precisam ser realizados e um casamento pode arruinar tudo.

Eu fui noiva por exatos dez minutos.

Foi o tempo em que as duas músicas que Henrique pediu à banda terminassem de tocar. Eu sei, isso nem deveria ser considerado um noivado. Mas até o momento em que eu disse não, ele supôs que seria um sim. O anel envolveu o meu dedo, antes de eu o encarar em choque. E mais do que tudo isso, eu o enganei pelos mesmos dez minutos. Vi o seu rosto se transformar da plenitude para o desespero e nem tive a coragem de fazer qualquer coisa a respeito. Eu apenas o decepcionei e o abandonei logo em seguida.

O mesmo anel parece tão lindo agora.

Cora, a avó de Henrique deve me achar uma ladra interesseira por não ter devolvido. Talvez ainda caiba no meu dedo, mesmo que eu esteja seis quilos mais gorda do que há quatro anos.

Cabe perfeitamente.

Mão esquerda.

A esposa do doutor Pedro Henrique. Estaria eu ainda casada com ele hoje? Vivendo em um apartamento de três quartos, com brinquedos espalhados pela sala?

Você é doente!

Acho que preciso de mais bebida.

Encho novamente o copo e viro em dois grandes goles. Sinto as luzes da sala ficarem fracas, não sei se já são os meus olhos.

Tudo acontece muito rápido. Um barulho alto eclode da rua. Algo se arrebentando e vidro quebrando. A casa inteira fica escura e ouço gritos.

Eu não desmaiei.

Aguento beber e não vou dar essa chance a Monstrinha. Ela não vai ter que me sacudir e me arrastar até o chuveiro. As vezes que ela há precisou fazer isso já são suficientes.

A escuridão deve ter sido causada por algum idiota que acertou o poste. Acontece sempre que a polícia monta uma blitz na Avenida Getúlio Vargas. Os espertinhos bêbados sempre entram aqui na rua para fugir do bafômetro e acertam algum dos postes. Não é a primeira vez que acontece.

— Muito obrigada por acabar com minha noite, seja você quem for — murmuro para a escuridão.

Tateio no escuro e chuto a quina da mesa com o mindinho, antes de alcançar a cozinha.

Porra!

Eu sempre guardo uma lanterna em cima da geladeira. Parece estranho, mas quando se mora sozinha é preciso aprender alguns artifícios para se resolver em momentos como esse. Como comprar toneladas de papel higiênico e absorventes também é importante, porque nunca se sabe quando acontecerá uma emergência.

Meu dedinho deve estar o dobro do tamanho, pelo menos em dor está.

Acendo o facho da lanterna e caminho até o quarto de Monstrinha. Ninguém percebeu que estamos sem energia elétrica. Lili está dormindo de boca aberta com as pernas jogadas por cima da barriga da mãe. Elisa deve estar muito chapada com seus comprimidos para dormir, pois parece nem estar desconfortável. Isa está no colchão no chão respirando de forma ritmada.

Fecho a porta do quarto e volto para a sala. Olho da janela e aponto a lanterna: um carro sedan com a frente destruída, de encontro ao poste. Mais um para as estatísticas do feriado.

Será que alguém já ligou para uma ambulância?

A porta do carro está aberta, mas a luz da lanterna é fraca demais para revelar se foi o motorista que saiu ou alguém apareceu para ajudar. O estrago é nítido, mesmo que a lanterna não alcance toda a destruição. O poste, a grande vítima da colisão, está pendurado e o emaranhado de fios pendurados está bloqueando metade da rua.

A escuridão parece um pouco assustadora. Não tenho medo do escuro, mas quando olho para a baixa luminosidade do prédio da frente, me dou conta de que alguém precisa ligar o gerador.

Morar em um edifício velho tem suas peculiaridades, dentre elas, reconhecer as pequenas modernidades escondidas em meio ao clima de antiquário: o portão eletrônico em contraponto ao elevador dos anos sessenta e, claro, o gerador que só funciona manualmente.

Todas as vezes em que ocorre uma queda de energia, algum morador, inevitavelmente algum membro da família do-ré-mi do apartamento 011, se elege a ligar o gerador. Sam também está sempre disponível para resolver esse tipo de coisa, só que para aumentar a minha cota de azar, essa noite só há duas possíveis voluntárias aqui e uma delas tem graves dificuldades de locomoção.

E não sou eu.

Eu preciso ligar o gerador e trancar o portão dos fundos.

Agarro a lanterna, as chaves e desço cambaleando. Quem disse que pedir a uma bêbada para trancar a saída dos fundos é melhor ideia? Passo pela porta de dona Odete e escuto o mesmo silêncio dos outros andares.

Parece que eu sou a única pessoa acordada no prédio.

Samuel me ensinou a ligar o gerador outro dia. Ele tentou, na verdade, mas a culpa é minha por não ter aprendido direito. Eu estava olhando para outras coisas quando ele me mostrou qual era o interruptor. Especificamente, analisando como o crossfit tem feito muito bem aos braços dele.

Calma, respira. Vai dar tudo certo.

As escadas parecem longas demais. Estou suando, minhas mãos estão escorregando pelas paredes.

Eu não devia ter bebido.

A culpa é toda dele, de Samuel! Que ideia idiota de dar uma garrafa de bebida para alguém fora de controle como eu.

Ao chegar ao térreo, sinto o peso dos quatro lances de escadas nas minhas pernas. Apoio-me nos joelhos, estou sem fôlego e suada. Caminho na direção do apartamento 010 e viro à esquerda, passo pelo estreito corredor, até chegar a uma porta pequena.

A compra do gerador foi feita sob a condição de não elevar os custos das taxas de Condomínio, de modo a potência dele não é grande coisa, garante basicamente o bom funcionamento do portão eletrônico, das lâmpadas da garagem e da iluminação das áreas comuns.

A porta está trancada, é claro. As chaves estão na caixa de correio do apartamento 104, o que está vazio, assim como explicou Samuel. Mas esse momento eu estava admirando o contorno das costas dele debaixo da camisa.

Atravesso o saguão de entrada e, por mais que esteja com raiva do idiota que deixou a rua inteira sem luz, não consigo deixar de pensar se há feridos. Se alguém foi solidário o suficiente para ligar para uma ambulância e se os paramédicos já conseguiram chegar.

Me arrasto apoiando nas paredes até o portão da frente. Definitivamente, tem alguma coisa estranha com as minhas pernas, parecem pesadas e estou sentindo meus lábios dormentes. Duas doses de tequila não deveriam parecer cinco.

Ilumino as grades com a lanterna. O carro destruído está bem aqui. O estrago parece um pouco pior do que visto de cima. Os faróis dianteiros se despedaçaram e há estilhaços no asfalto; o para-brisa completamente trincado pelo impacto e o capô foi afundado com o choque. Os Air bags foram inflados somente no lado do motorista. Sinto a dor pelo idiota, essas almofadas machucam.

A única iluminação na calçada é a luz interna do carro.

— Boa noite — A voz ressoa de algum lugar escuro — Eu acabei de bater o carro e acho que...

Não consigo ouvir o resto.

Sinto o estômago revirar e uma onda de frio começar no meu mindinho machucado seguir até a nuca. Se eu não vomitar agora, eu posso morrer engasgada ou, ainda, desmaiar e sufocar com o vômito.

É um gesto automático mirar a lanterna, mas não é necessário. Não preciso de luz nenhuma para saber que é ele. A voz é a mesma que ouvi no elevador hoje de manhã.

Deve ser a bebida. Eu só posso estar tendo alucinações.

"Por mais suspeitas que pudessem ser as aparências..." Citar Persuasão é sempre o fim da linha, Dica.

Acho que também sofri uma colisão. Essa é a coincidência macabra de toda a minha vida. Esse Henrique não pode ser real. Devagar, eu me esforço para empurrar a lanterna até onde a voz dele está. É como estar diante de uma cena de filme de terror, mas eu não preciso de qualquer som para ficar ainda mais aterrorizada.

— Desculpe se estou sendo insistente — ele continua — mas poderia me emprestar o seu... Puta merda, Amanda? — murmura ele, em um ruído tão baixo que parece ter sido ao pé de ouvido.

Nossos olhos se encontram por um segundo mais longo que o normal. Os olhos castanhos mais incríveis que já vi estão aqui, me encarando com uma familiaridade intimidante. Ao mesmo tempo, há uma emoção desordenada tão forte que sinto que vou cair na próxima piscada. Algumas pessoas podem ser nocauteadas por um soco certeiro, mas eu não, é um par de olhos castanhos que tem esse poder sobre mim.

Meu coração saiu do peito momentos atrás e eu nem percebi.

Sou a própria Anne Elliot, tentando domar sentimentos que há muito tempo haviam sido contidos e, de repente, não estão mais sob controle. Para ela foram oito anos, para mim o tempo é muito menor, mas parece ter sido longo demais.

Fecho os olhos em pânico. Acho que estou desmaiando. Isso não pode simplesmente estar acontecendo.

Respira! Não sei se consigo oxigenar o cérebro agora ou se conseguirei fazer isso depois.

Não, não, não.

Também consigo domar as minhas próprias pernas, elas parecem ter vida própria agora e caminham até o portão de ferro que nos separa. O magnetismo me impede de desviar. Eu só preciso vê-lo mais de perto.

Henrique está pálido, com a testa sangrando e completamente perplexo.

— Oi, Henrique — respondo por fim. Uma voz que pode ser de qualquer pessoa, menos a minha.

— Eu sei que é por causa da concussão — Henrique diz, rouco — eu estou um pouco confuso e... Puta Merda! Eu preciso ligar para o seguro e, talvez, para uma ambulância se você não desaparecer.

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A citação inicial é a primeira frase de Amor nos tempos do Cólera. Amo essa frase e achei que combinaria com esse início, porque a história realmente começa agora.

Não esquece de votar!

Até a próxima atualização!

Fortsett å les

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