6. Um minuto

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"Espere um minuto. Não ouço o que está dizendo e você fala tão pouco que quando diz alguma coisa, não quero perder nenhuma sílaba."
(Tennessee Williams)

Certo, eu preciso pensar de maneira sensata.

Você não está enlouquecendo, isso é só um sonho!

É isso!

Eu estava bêbada e caí. Provavelmente bati com a cabeça e desmaiei. Agora estou dormindo tranquilamente na minha cama. Monstrinha deve ter feito um de seus discursos de vinte minutos antes disso, claro. E quando eu acordar vai ser feriado e, vou transformá-lo no melhor dia de todos, vai ser melhor do que o Ano Novo. Tudo o que aconteceu nesse aniversário estranho vai ficar no passado, arquivado naquela gaveta das memórias que não precisam ser lembradas.

Não há outra justificativa estar caindo bêbada em um minuto e, no outro, quase cinco anos mais jovem. Nem aquele programa de beleza, o que Lili assiste quando perde as reprises de Quilo por Quilo, consegue fazer uma coisa assim.

Ah, Meu Deus!

Quem prestou os primeiros socorros até Monstrinha acordar? Não pode ter sido Henrique! Ele ligou para a emergência, me lembro disso, foi pouco antes de eu tombar como uma alcoólatra. Pior do que acabar com Henrique por rejeitá-lo é fazê-lo bancar a babá no nosso reencontro depois de tantos anos.

Para com isso, Dica! E aquilo não foi um reencontro.

Ok, isso precisa ser um sonho.

Sonhos tem um limite de tempo para acabar, as cenas se misturam e em um piscar de olhos o cenário inteiro se transforma. É isso que vai acontecer. Só espero que no próximo segundo eu esteja em um lugar menos desconfortável que esse. Poderia ser um fim alternativo para o episódio do queijos e vinhos na casa de Samuel. Um desfecho em que eu possa exibir o meu conjunto de renda rosa fúcsia, enquanto meu vizinho gato me puxa pela cintura e não me deixa chegar perto do aparador da sala. Depois, por algumas horas, ele me faz esquecer que um dia eu vi aquelas três cabeças ruivas e sorridentes brincando na areia da praia. No sonho nenhum deles vai existir.

Certo, um sonho de cada vez. Preciso me concentrar em fazer com que esse acabe primeiro.

Isso já aconteceu outras vezes. Esse sonho, quero dizer. Eu costumava sonhar sobre essa noite, mas nunca passava do momento do anel. Eu sempre chegava a colocar o anel no dedo, mas eu nunca dizia a resposta. Em um deles, Henrique até disse que podia ler os meus pensamentos e soube que a resposta seria não.

Encaro o espelho e me assisto inspirar e expirar. Estou parecendo uma louca narcisista que não consegue parar de se admirar no espelho, mas não é todo dia você pode se ver mais jovem. É assustador demais. Acho que é isso que pensa a mulher que acaba de entrar, ela me olha de um jeito estranho. Aposto que ela também odiou o meu vestido e essas sandálias que não combinam.

É assim que me sinto: descombinada e fora do lugar. Como se eu tivesse indo a uma festa com roupas emprestadas e todo mundo soubesse disso.

Eu sei, estou sendo paranoica no meu próprio sonho.

Jogo mais água no rosto e enxugo as mãos com uma das toalhinhas bordadas. Faço todo um malabarismo para tirar as lentes. Não nasci para usar essas coisas.

Com tequila e com amor [Concluído] [VENCEDOR DO WATTYS 2017]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora