6. Um minuto - Lado B

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Elisa pisca rapidamente, tão perplexa que seus lábios se abrem, mas não emitem nenhum som. Ela cruza os braços ao redor do corpo e ergue o pescoço, cautelosa. Acho que essa é uma das poucas vezes em que a vi expressar surpresa. A última vez que me lembro foi quando ela descobriu que estava grávida e, também, quando ela flagrou eu e Amanda sentados na rampa da garagem assistindo à queima de fogos no Ano Novo.

Por isso, preciso concordar com ela, estar aqui é surpreendente. Tão inesperado e inexplicável que beira o absurdo.

Quem poderia imaginar?

— Vou te deixar me explicar o que está fazendo aqui.

A irmã de Amanda semicerra os olhos do jeito característico. Ela até tenta sorrir, mas isso não deixa a situação menos estranha. Ela contrai os lábios do mesmo jeito que fazia quando volta da faculdade à noite e flagrava eu, Amanda e nossos amassos no sofá.

Engulo em seco.

Eu poderia ter tomado outro caminho. Ter acertado outro poste, em outra rua. Qualquer vizinho poderia ter descido para oferecer ajuda. Mas estou aqui, reencontrado meu passado como se fosse a coisa mais normal para se fazer na noite da véspera do feriado. Tão natural como esse sorriso de Elisa.

— Tem um corte na sua cabeça — Ela me avalia, provavelmente tentando entender como foi dormir e acordou comigo no meio da sala de Amanda. Com um corte na testa — Pedro Henrique?

Monstrinha é... Nossa, faz tempo que eu não uso esse apelido.

Assim ela era conhecida no condomínio: a Monstrinha do 902 do Lagoa Verde. Uma vez, jogando futebol, eu acertei Amanda se querer. Acho que foi assim que nos conhecemos. Um dos moleques do playground disse para eu escolher o caixão, porque a Monstrinha ia me matar por ter machucado a irmã dela.

Encaro a porta aberta e o círculo brilhante provocado pela lanterna.

— Oi, Elisa — Esfrego o pescoço e encontro olhos castanhos curiosos — Tudo bem?

Me sinto como se tivesse dezessete anos de novo. Ou nove.

— Amanda te ligou — Não tenho certeza de que é uma pergunta.

O sorriso dela se alarga assustadoramente.

Elisa não é o tipo de pessoa que prefere meias palavras. Depois de ter sido alertado sobre os perigos da minha morte prematura, ela me chamou para uma conversa. Estive, pela primeira vez, de frente com a fera e nunca tive tanto medo. Ela me perguntou se era daquele jeito que eu queria me tornar o seu cunhado. Eu era um moleque de nove anos e nunca senti tanto medo de uma gargalhada. É bem provável que, naquela época, eu sentisse mais medo dela do que de vô Henrique.

— Ela não ligou — esclareço. Por que Amanda ligaria? Ela disse que ligaria? — Amanda caiu e eu bati o carro no poste.

— Ela caiu?

Ouço pés se arrastando. Elisa me encontra do outro lado do sofá, tão rápido que não tenho tempo para responder. Ela se abaixa até ficar de joelhos, depois senta ao lado do corpo inerte de Amanda.

— Não, ela...

Meus joelhos fraquejam e também escorrego até o chão. O movimento brusco me deixa tonto. Inspiro profundamente.

— Dica? Amanda, para de graça. Acorda. — Elisa bate os dedos no rosto de Amanda, sem resposta — Eu pedi que ela fosse para o quarto para evitar esse tipo de cena.

Ela resmunga alguma coisa que não ouço.

— Eu preciso examiná-la direito.

Elisa parece não me escutar.

Com tequila e com amor [Concluído] [VENCEDOR DO WATTYS 2017]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora